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Ibope: MST é visto como sinônimo de violência

O Globo, O País, p. 14
15 de Jun de 2008

Ibope: MST é visto como sinônimo de violência
Para 60% dos entrevistados, movimentos se aproximam da criminalidade e prejudicam a economia do país

Soraya Aggege

A causa é nobre; os métodos, não. É o que pensa a maioria dos brasileiros sobre os movimentos sociais do campo, como o MST, segundo pesquisa feita pelo Ibope por encomenda da mineradora Vale. Para 45% dos entrevistados, a palavra que melhor descreve o MST é violência; para 27%, é coragem; e, para 24%, é a expressão "reforma agrária". O levantamento mostra que a população está dividida em relação ao movimento: 46% se dizem favoráveis, e 50%, desfavoráveis.
Dos entrevistados, 65% dos moradores das metrópoles concordam com os objetivos do MST, mas em nuances distintas: 27% concordam com o propósito e acham que os sem-terra lutam por ele; 38% concordam com o objetivo, mas acham que o MST fugiu de sua meta inicial; e 31% discordam totalmente dos objetivos do movimento. E 60% consideram que as organizações camponesas estão se aproximando da criminalidade; também acham que elas prejudicam a economia (para 61%) e os mais pobres (para 54%).
Os entrevistados também são críticos da atitude de quem tem terras invadidas: 40% acham que o setor privado usa seus próprios meios para fazer expulsões, antes de tentar dialogar ou recorrer à Justiça. Perguntados como agiriam se estivessem no lugar dos proprietários, 27% disseram que negociariam e até cederiam parte das terras, mas 40% afirmaram que dialogariam e depois recorreriam à Justiça.
A pesquisa, que abrange todas as metrópoles e várias regiões do país, foi encomendada pela Vale, que tem sido alvo dos movimentos. Segundo o diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da empresa, Walter Cover, o objetivo foi saber como os movimentos são vistos pelas comunidades com as quais a Vale se relaciona.
- A Vale tem um relacionamento estreito e positivo com as comunidades com as quais se relaciona, e esses movimentos fazem parte delas. Como pretendemos melhorar permanentemente essa relação, queríamos saber como os movimentos são vistos - disse o diretor.
A pesquisa mostra que mais de 80% dos 2.100 entrevistados no país acham que os movimentos sociais estão se espalhando. Nas metrópoles, onde foram entrevistadas 1.204 pessoas, 69% avaliam que eles estão ganhando força. Mas 40% dos entrevistados acham que os maiores beneficiados pelos movimentos em geral são os seus próprios líderes. E mais: 69% consideram que eles são instrumentos de manipulação e geram conflitos. Apenas 26% avaliam que os movimentos organizam e conscientizam.
Para 56%, os movimentos são "plantados" de cima para baixo, por políticos, ONGs e igrejas.
Outros 37% acreditam que eles surgem naturalmente, a partir da revolta da população com a realidade nacional. A maioria, 54%, avalia que os grupos mais prejudicados pelos movimentos são os mais pobres. Só 17% dizem que são os mais ricos.
MST é conhecido por 97% dos entrevistados
Para 60% dos entrevistados, os movimentos estão adotando métodos de ação ilegais e, por isso, acabam se relacionando com o crime organizado e até com o narcotráfico. Mas 29% discordam. Em cidades como Vitória (ES), 77% acham que eles estão próximos da criminalidade; em Marabá (PA), somente 27% pensam assim.
O MST é o movimento social mais conhecido no país: tem 97% de conhecimento. Outros movimentos, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os quilombolas e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), além da própria Via Campesina - a internacional camponesa que agrega todos esses grupos, inclusive o MST -, são pouco conhecidos, mas mais aceitos. A CPT, por exemplo, é aceita por 59% daqueles que já ouviram falar da comissão católica. Já a Via Campesina, à qual a maioria é filiada, só é conhecida por 14% dos entrevistados. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) é conhecido por 31% nas regiões metropolitanas.
Um total de 88% dos moradores de metrópoles dizem não conhecer nenhum outro movimento. Os sem-teto foram os mais citados, por 4%.
A maioria dos entrevistados afirmou que sabe dos movimentos sociais pela televisão (90%), jornais (34%), rádio (24%), internet (18%) e revistas (8%). Para 45% dos moradores metropolitanos, a cobertura dos meios de comunicação é neutra, mas 35% acham que os veículos tendem a ser favoráveis aos movimentos.
Forças Armadas têm o maior grau de confiança: 68%
A pesquisa mapeou também o nível de confiança dos brasileiros em geral em instituições e grupos. As Forças Armadas saem na frente, com 68% de aprovação, seguidas pelos meios de comunicação, com 67%. A Igreja Católica empata com a confiança nos ambientalistas em terceiro lugar: 64%. Já os partidos políticos aparecem em último lugar do ranking de confiança, com 11%. O Congresso teve 22%, menos que o MST, que teve 31% das escolhas.
O presidente da República, sem citação do nome, aparece com 48%. A Polícia Civil, com 45%; e a Polícia Militar, com 43%. O Judiciário tem 42% da confiança e os sindicatos, 39%.
Já os criadores de gado têm 55% de confiança, e os grandes produtores de soja, 59%. As ONGs têm 54% de confiança, e as igrejas evangélicas, 52%.
A pesquisa do Ibope foi feita de 26 de abril a 6 de maio, antes, portanto, da última onda de invasões e protestos de sem-terra pelo país, na semana passada. Foram considerados os seguintes movimentos: MST, Via Campesina, Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento Quilombola e Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Foram ouvidas 2.100 pessoas maiores de 16 anos, em metrópoles, cidades e regiões do interior de vários estados. Foram 1.204 entrevistas em nove regiões metropolitanas (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Distrito Federal, Salvador e Fortaleza). As demais foram distribuídas entre as seguintes cidades: Vitória (ES), São Luís (MA), Imperatriz (MA), Belém (PA) e Marabá (PA).

Também foram entrevistadas pessoas no interior de Minas, no Vale do Ribeira (SP), em Cariré (CE) e em Dourados (MS).

Política dúbia de Lula prejudica, diz estudioso
Para sociólogo, presidente mantém grupos por perto, mas sem atender a suas reivindicações

SÃO PAULO. Compreendidos ou não pela sociedade, politicamente os movimentos camponeses do Brasil estão em uma "sinuca de bico", avalia o sociólogo Ricardo Antunes, estudioso dos movimentos sociais brasileiros e docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Antunes lembra que esses movimentos eram da base social do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E que, até agora, quase no meio do segundo mandato, Lula não mexeu na estrutura fundiária do país e ainda se coloca como porta-voz do agronegócio.
- Essa situação é muito difícil para os movimentos sociais. O governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, foi pior para eles, porque os criminalizou. Com Lula, isso não aconteceu, mas a história é ainda mais complicada - diz Antunes.
Para o estudioso, a política de Lula com os movimentos é dúbia: ele tenta manter os grupos sob seu arco de influência, sem criminalizar, liberando cestas básicas, mas sem atender a suas reivindicações.
- O MST é muito estruturado, organizado, e historicamente apóia Lula. Mas Lula opta claramente pelo agronegócio e usa a política das torneiras pingando para exercer certo controle sobre o movimento. Hoje, se o MST não se mobiliza, as torneiras não pingam. É uma sinuca de bico - afirma.
Antunes analisou a pesquisa e considerou que há muitas ambigüidades sobre a imagem dos movimentos. Frisa que, como 90% dos entrevistados afirmam que se informam sobre os movimentos pela televisão e pela imprensa, trata-se de uma opinião sobre o que foi publicado.
- Geralmente, o que a mídia mostra são conflitos, ocupações. Não mostra ações de escolarização, famílias que conquistam dignidade graças à ação dos movimentos.
Também especialista em movimentos sociais, o cientista político mexicano Adrian Gurza Lavalle, professor da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), avalia que a percepção de violência se deve muito ao que aparece na mídia.
- Apesar do protagonismo, o MST tem cisões, facções e não é único. Há outros. A causa do MST, a reforma agrária, é unanimidade mundial. Os métodos, no entanto, são polêmicos - afirma Lavalle.
Ele considera que a pesquisa traz um dado importante:
- O conhecimento que as pessoas demonstram ter dos movimentos sociais não é desprezível: 97% conhecem o MST no Brasil. Ora, as taxas de engajamento dos brasileiros em associações e partidos são de apenas 20%.

Movimentos se defendem
Para eles, noticiário influencia resultados

Os movimentos sociais incluídos na pesquisa do Ibope disseram considerar que os resultados atestam o apoio da sociedade aos seus objetivos. Para a direção do MST, porém, as pessoas são influenciadas pelo noticiário sobre as ações dos movimentos - que, semana passada, por exemplo, mostrou ações violentas praticadas por sem-terra contra prédios públicos e privados em todo o país.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) disse ter entendido que a pesquisa mostrou dados favoráveis à sua causa.
"Demonstrou que o movimento tem boa aceitação, principalmente entre os que nos conhecem bem, e que palavras como justiça, igualdade e coragem foram as mais usadas para nos definir", respondeu o MAB, que também prefere culpar a mídia pela imagem que a sociedade tem do movimento.
A Comissão Pastoral da Terra destacou que, embora a pesquisa tenha sido feita por uma instituição reconhecida como o Ibope, foi encomendada pela Vale, envolvida nos conflitos.
- A sociedade não está alheia aos movimentos em seu tecido, mas tem tido a mídia como único canal de leitura dos movimentos. A mídia tem associado as organizações camponesas à violência e ao crime - disse Dirceu Fumagalli, da coordenação da CPT.
A Sociedade Rural Brasileira apontou a mídia como causa de 40% dos entrevistados entenderem que os proprietários atingidos pelos movimentos reagem ilegalmente por seus próprios meios.
- Existe falta de informação. Não precisamos usar recursos próprios para combater invasões - disse o presidente da SRB, Cesário Ramalho da Silva, acrescentando que os movimentos perderam o foco.
O diretor de Sustentabilidade e Relações Institucionais da Vale, Walter Cover, que encomendou a pesquisa, concorda que os movimentos têm passado ao largo da briga pela reforma agrária:
- Querem mudança do modelo econômico ou temas que nada têm a ver com a Vale, que vem sendo alvo das invasões.

O Globo, 15/06/2008, O País, p. 14

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