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Ibama não renova licença de pesquisador do Butantã

OESP, Vida, p. A19
22 de Dez de 2006

Ibama não renova licença de pesquisador do Butantã
Cientista é acusado de enviar animais para o exterior

Lígia Formenti

O Ibama recusou o pedido feito pelo pesquisador do Instituto Butantã Carlos Jared para renovar a licença que lhe permitiria coletar anfíbios para pesquisas em laboratório. A recusa do pedido de Jared, que há 34 anos trabalha no instituto e tem uma série de trabalhos publicados, provocou a indignação do meio científico. E ocorre justamente no momento em que a Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC) e o Ibama tentam entrar num acordo sobre as regras para regulamentar a coleta de material biológico.

O caso de Jared é exemplar. Em abril, ele foi acusado de biopirataria pelo Ibama por haver enviado 13 onicóforos (pequeno vertebrado que se assemelha à minhoca) para um colega da Alemanha. Seria o pontapé de um estudo que fariam juntos, sobre o aparelho reprodutor da espécie. O material, detectado pelos Correios, foi entregue ao Ibama, que multou o cientista. Foram R$ 6,5 mil por coleta irregular e R$ 10 mil por tentativa de envio de material genético para o exterior. Em sua defesa, Jared observou que a solução em que as espécies estavam conservadas não permitia a análise do DNA. Como prova de que não houve má-fé, argumentou que na caixa constavam o nome e o endereço corretos.

A amigos, ele admite que pode ter cometido um deslize burocrático. Mas nada muito diferente do que seus colegas realizam. Com um sistema de regras que qualificam de confuso, lento e ineficiente, muitos pesquisadores, para não perder amostras coletadas, acabam providenciando o envio e a troca de informações por conta própria.

O pesquisador do Butantã, que estava com viagem marcada para coletar cecílias (cobras cegas) para dar continuidade a pesquisas financiadas pelo CNPq e pela Fapesp, terá agora de encontrar alternativas. 'Ataram minhas mãos', desabafou a colegas. 'Uma ala xiita do governo impede que eu trabalhe, desperdiçando, por sua vez, recursos públicos. Dinheiro concedido pelo próprio governo para que eu cumpra o meu dever.'

Parte do material seria usado num documentário que a inglesa BBC pretende fazer com o pesquisador. Em abril, ele publicou um trabalho na Nature sobre as cecílias, elogiado pelo meio acadêmico e que despertou o interesse da emissora.

'Só quero trabalhar, não sou nenhum curioso. Agora ter de entrar de carona na licença de colegas seria algo difícil de assimilar', desabafou com amigos do laboratório. Ele observa ainda que a decisão demorou a ser comunicada pelo Ibama.

'Informalmente, uma procuradora do Ibama já havia dito que o caso dele seria resolvido. Bastaria o compromisso de não enviar mais material sem permissão', observa o presidente da SBPC, Ennio Candotti.

Inconformado, Jared lembrou a amigos a forma como sua autuação foi feita, em abril. 'Eles primeiro pediram para ver o laboratório. Depois de uma visita minuciosa, autuaram o pesquisador pelo envio do material. Mas naquele dia mesmo, eles observaram que o laboratório não trabalhava com análise genética', conta um colega. 'E mesmo assim o acusaram de biopirataria. Foi um período difícil para ele.'

SISTEMA DE AUTORIZAÇÃO

Na semana passada, Candotti e colegas da SBPC tiveram uma reunião com o Ibama, para tentar encontrar um acordo para mudança das regras do Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade, o Sisbio. Previsto para ser lançado em outubro, teve seu início adiado após críticas da comunidade científica.

Modificado sem consulta de pesquisadores, o texto determinou que autorizações para coleta de material biológico deveriam constar dos artigos publicados em revistas científicas. Limitou também o uso das licenças para coleta: pesquisadores seniores não podem delegar a licença a colaboradores, o que reduziria a capacidade de coleta.

Na reunião da semana passada, o Ibama concordou em adiar o lançamento do sistema e retomar as negociações com a SBPC. Entre as sugestões de cientistas, estava a de que licenças fossem concedidas não ao pesquisador, mas à instituição. O grupo também resolveu buscar alternativas jurídicas para dar um tratamento diferenciado a pesquisadores. Hoje, as regras para coleta estão na Lei de Crimes Ambientais. 'Trabalhamos para contribuir com o progresso, com o conhecimento. Não podemos ser confundidos ou receber tratamento semelhante ao de criminosos', afirmou Candotti.

O grupo pretende pedir uma audiência com a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie.

OESP, 22/12/2006, Vida, p. A19

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