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Hora de salvar o nosso mascote da extinção

O Globo, Amanhã, p. 9
Autor: CASTRO, Rodrigo
10 de Dez de 2013

Hora de salvar o nosso mascote da extinção
Se a paixão dos brasileiros pelo futebol for transferida para a causa ambiental, o tatu-bola e suas florestas terão alguma chance no futuro

Rodrigo Castro/Colunista convidado
Biólogo, secretário-executivo da Associação Caatinga

O mês de junho de 2013 entrou para a história do Brasil como o mês das grandes manifestações populares. Um sentimento de orgulho e identidade tomou conta das ruas, afinal de contas era o reconhecimento por nós mesmos que o brasileiro também pode ser crítico quando quer e é capaz de ir às ruas defender seus direitos de mobilidade urbana, saúde, educação e também protestar contra a corrupção, a ineficiência do poder público e, por fim, contra os gastos excessivos com a Copa de 2014. Contudo, poucos foram os efeitos concretos, prevalecendo a antiga estratégia política de panos quentes, de desviar o foco das atenções. A aparente calmaria voltou a reinar e não se sabe ao certo quando o caneco entornará novamente.
Algo que realmente chamou a atenção daqueles que dedicam sua vida a defender o direito de todos à água limpa, ar puro e clima estável, foi a ausência, durante as manifestações, de uma bandeira ambiental. Não surpreende, pois essa normalmente é uma das últimas prioridades da sociedade.
A geração de emprego e renda, acesso à saúde e educação de qualidade estão na pauta do dia. Talvez a natureza ganhe espaço após conquistarmos as principais melhorias sociais almejadas. Até lá talvez já tenha desaparecido.
É inegável que os países ricos conquistaram um padrão de justiça social invejável. Enfrentam, porém, sérios problemas ambientais causados pela perda da biodiversidade, leia-se a perda de riquezas intangíveis e muitas vezes irrecuperáveis. De que adiantará o conhecimento acumulado e o bem-estar material se não houver mais água e o clima se tornar insustentável no planeta? O que construímos ao longo da história da Humanidade pode ser engolido em poucas horas por catástrofes naturais.
Qual é a função das florestas para a manutenção do nosso clima, a produção de água e a produção de alimentos? Somos hoje um país essencialmente urbano que fez essa transição em poucas décadas trazendo consigo enormes desafios para as cidades e também para o campo. Você deve estar pensando "o que é que eu tenho a ver com a floresta, se vivo numa cidade brasileira dominada pelo concreto?" Ou pior, o que eu tenho a ver com a Caatinga e o tatu-bola?
Pois bem, de onde vem a água que consumimos todos os dias nas nossas casas. Sem florestas as nossas torneiras iriam secar. Não é somente um elemento essencial à vida, mas a base de todos os processos de produção de alimentos, da indústria e no Brasil, responsável pela geração de 80% da energia que consumimos. Sem água, não teremos apenas sede, estaremos desempregados sem condições de sustentar nossas famílias.
Por que proteger o tatu-bola e a sua casa? A Caatinga é um bioma único no mundo predominante no semiárido brasileiro, região que ocupa mais de 10% do país e onde nascem os rios que abastecem os sertanejos e as grandes cidades do nordeste e fornecem a energia necessária para viver e produzir. Até hoje a Caatinga ainda não obteve o reconhecimento da Constituição Federal como patrimônio nacional, o que contribui diretamente para a desvalorização e marginalização desta singular região do país.
Proteger o tatu-bola e salvá-lo da extinção só será possível se protegermos as florestas onde ele vive, onde se encontram as nascentes e o rico patrimônio natural da Caatinga. Embalados pela exitosa campanha que realizamos em 2012 de indicação do tatu-bola para mascote da próxima Copa do Mundo de Futebol, colocamos de pé o projeto de conservação da espécie para proteger as florestas onde vive esse animal e ao mesmo tempo lançamos a campanha "Eu protejo o tatu-bola".
Se conseguirmos atrair para a causa ambiental somente uma pequena parte da enorme paixão dos brasileiros pelo futebol, o tatu-bola e suas florestas terão alguma chance no futuro. Como diz o seu Raimundo lá do interior do Ceará em tom de arrependimento quando olha para a sua propriedade desmatada "meu sonho é ver tudo isso aqui enmatado novamente". Talvez esse seja o maior legado que a Copa deixará para as futuras gerações.

O Globo, 10/12/2013, Amanhã, p. 9

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