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Hora de pensar grande

OESP, Aliás, p. J4
Autor: TREBAT, Tom
25 de Fev de 2007

Hora de pensar grande
Oportunidade: parceria Brasil/EUA em biocombustíveis. Suspense: Bush e Lula vão negociar o pacote

Entrevista: Tom Trebat, Economista, vice-diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia (EUA)

Pedro Doria

No dia 8 de março, George W. Bush desembarca em São Paulo com a missão de celebrar o etanol brasileiro. É apenas o início de uma dança entre os dois países. Pelo que foi anunciado esta semana, após a visita diplomática (de apenas 24 horas) do presidente americano ao Brasil, seu irmão, Jeb Bush, ex-governador da Flórida, também deverá vir ao País para conversar com empresários locais. Nessa toada, os primeiros acordos de cooperação no setor dos biocombustíveis já devem ser assinados a partir da ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos EUA, no final de março. Amanhã, no entanto, Lula aterrissa em Montevidéu. Justamente para conversar com o presidente uruguaio Tabaré Vásquez sobre Mercosul e acordos bilaterais - com os americanos.

A agenda Bush-Lula tende a ganhar consistência? Foi esta a pergunta de saída da entrevista de Tom Trebat, brasilianista da Universidade de Columbia, em Nova York, para o caderno Aliás. E a resposta: "Washington precisará de um parceiro confiável, com condições tecnológicas e capacidade de expandir a produção de etanol. No mundo, não há nenhum país tão adiantado nisso quanto o Brasil."

Como se sabe, o governo Bush resistiu durante anos à perspectiva de buscar combustíveis alternativos. Por um lado, porque rejeitava a idéia de que o aquecimento global está diretamente vinculado ao crescimento das emissões de carbono na atmosfera. Por outro, porque apostou no fornecimento de petróleo barato vindo de um "Iraque estabilizado". Deu tudo errado. Com o relatório sobre clima divulgado semanas atrás (e endossado por grandes cientistas) e com o fracasso da campanha americana no Iraque, Bush teve que rever seus conceitos.

Hoje o Brasil também aparece no centro da política americana para a América Latina por outro motivo: Hugo Chávez. Na quarta-feira, o presidente venezuelano disse que mandaria para Lula um vidrinho de enxofre. Para contrapor odores supostamente diabólicos daquele a quem chama de hombrecito - Bush. Provocações à parte, Trebat acredita que o protagonismo político de Chávez na região começa a exibir sinais de fadiga e que o governo americano não espera (e nem quer) que Lula vá para o confronto com o colega venezuelano. Porém, o professor reconhece: num momento em que governos populistas multiplicam-se pela região, o Brasil pode vir a ser o símbolo da moderação. Argumentos neste sentido pontuam a entrevista que se segue:

Que ganhos poderá contabilizar o Brasil com a visita do presidente Bush?

Há um certo prestígio pelo reconhecimento à liderança do País na América do Sul e pelo fato de que o Brasil está tendo êxito no mercado americano. As exportações estão crescendo a taxas muito altas, 15%, 20% ao ano, e os EUA já são um dos principais mercados para produtos brasileiros de alta tecnologia. Agora a colaboração com mais chance de vingar está em áreas que vão crescer no futuro, biomassas, biodiesel, combustíveis alternativos. Os EUA abandonaram o caminho das células de hidrogênio e rumam para o etanol. Está aí o item mais importante da agenda Bush/Lula. O Brasil será a Arábia Saudita do etanol.

Esse compromisso dos EUA é firme? O futuro presidente americano não pode optar por outro rumo?

A tecnologia está evoluindo, então, quem sabe? Qualquer presidente apoiará os combustíveis alternativos, e o principal, hoje em dia, é o etanol. Aqui, nos EUA, produzimos etanol a partir do milho, mas a capacidade para aumentar as plantações é muito limitada. Este país precisará de um parceiro confiável, com condições tecnológicas e, no mundo, não há outro tão adiantado quanto o Brasil. Ouvimos que o País tem um gap tecnológico, mas, no caso do etanol, isto não é verdade. Todos os candidatos democratas à presidência americana reconhecem o problema da mudança climática. Os principais estados dos EUA, a começar pela Califórnia, já estão agindo como se o país tivesse assinado o Protocolo de Kyoto, trabalhando para a contenção de emissões de carbono.

O que mudou, de fato?

O obstáculo para a adoção de combustíveis alternativos era Bush. Qual é a origem de sua família e de pessoas de seu governo, como o vice Dick Cheney? Vêm todos da indústria petroleira. Mas o etanol passou a ter importância política capital por conta do relatório do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), que eliminou quaisquer dúvidas a respeito da responsabilidade humana pelo aquecimento global, e por conta da dependência americana do petróleo vindo de uma região tão instável como o Oriente Médio.

Em quanto tempo os EUA substituirão o combustível fóssil pelo biocombustível? Será um processo rápido?

Se começar agora, falamos de um horizonte de cinco, dez, talvez vinte anos. Mas não é muito tempo na história dos países. As dimensões atuais de uso do etanol são realmente limitadas, os equipamentos não são feitos para ele. Mas é uma indústria que realmente começa a ganhar grandes proporções.

A política do presidente venezuelano Hugo Chávez baseia-se nas exportações de petróleo. Ela sofre com uma mudança de rumo americana?

Alguns podem querer desvirtuar a conversa sugerindo que esta é uma estratégia anti-Chávez, mas as dimensões do problema vão muito além do presidente da Venezuela. O problema Chávez, como fornecedor de energia, não representa ameaça séria aos EUA. Mesmo que ele consiga arranjar outro cliente para seu petróleo, vão sobrar no mercado outros vendedores. O problema da Venezuela é mais político e, francamente, de curto prazo.

Apesar do bom relacionamento entre Bush e Lula, discute-se nas últimas semanas se a diplomacia brasileira tem hoje um certo acento anti-americano.

Ninguém aqui teme que o Brasil seja anti-americano. O que há é que o Brasil está muito acostumado a ver o mundo pelo viés dos governos dos EUA. E agora isto está mudando. Cada vez mais, as relações entre os dois países se dará no setor privado, com pouca participação governamental.

Qual é o impacto de Hugo Chávez hoje na região?

Ele faz barulho, mas não é uma ameaça para os EUA. Só cria instabilidade política. Pode ser que eu esteja enganado, mas acho que o auge de Chávez já passou. Quando Felipe Calderón ganhou no México, em parte pelo medo de "chavização" do país, Rafael Corrêa teve de mudar de linha, no Equador. Eu não exageraria a importância prática de Chávez. Mas também não existem vozes para contradizê-lo na América Latina. Ele fala as coisas mais absurdas, numa base diária, e não há ninguém, não há uma voz erguida para dizer que os gastos fiscais de seu governo são um desastre, que suas políticas são paternalistas, que suas cooperativas não funcionam. Ninguém está a fim de seguir a linha de Chávez, sobretudo no Brasil.

Mas o presidente argentino Néstor Kirchner sugeriu esta semana que Washington quer o Brasil assumindo uma liderança anti-chavista na América Latina.

Os EUA nunca pediriam ao presidente Lula que tomasse uma posição agressiva contra Chávez. Alguém tem que enfrentá-lo, mas não precisa ser Lula. O Brasil é percebido aqui como um aliado discreto. A visita de Bush não terá por objetivo dividir a América Latina em dois blocos. Para os EUA isso não é necessário e, para o Brasil, não é desejável. O que há é um interesse em construir melhores laços de comércio. Do ponto de vista americano, se você olhar a região, há um problemão na Venezuela, um problema menor na Bolívia, talvez um terceiro no Equador. .. Mas, no resto do continente, o que houve foi um tipo de contra-revolução a favor de líderes moderados, como Lula.

Mas houve um susto para os EUA no México.

Foi e não foi. Houve um candidato populista (López Obrador, candidato derrotado do PRD), que não era nem a sombra de Chávez, com chances reais de chegar ao poder. Porém, quem elegeu Felipe Calderón (vitorioso pelo PAN) no México não foram os ricos. Foi o povo que faz compras no Walmart, os trabalhadores, a mesma classe média que está valorizando a estabilidade econômica em muitos países. A derrota de Obrador veio por conta de uma população que tem medo de que aquele México das crises cambiais, da inflação, volte. Não foi medo de Chávez. No Peru aconteceu a mesma coisa. No Equador, a linha de Correa não está clara. Ao menos no início do mandato, ele segue políticas moderadas, diferentes das que propôs em campanha. Nos EUA fez-se uma campanha forte contra (o então candidato à presidência) Daniel Ortega, na Nicarágua, mas sem sentido, porque ele mudou. E ganhou. Quem melhor representa esta linha moderada na América Latina? O Brasil, símbolo de novas possibilidades. O que Bush talvez consiga fazer é mostrar, para os americanos, que numa América Latina onde os populistas estão em suposta ascensão, existe uma grande exceção que é o Brasil. O País precisa fazer suas tarefas, melhorar o clima de negócios para investimentos estrangeiros. E o fará. No ano passado, houve mais investimentos do Brasil no exterior do que o contrário. É um fato curioso, mas evidencia que há espaço para investimentos de fora no País de vocês. Por outro lado, é interessante ver o crescimento de transnacionais com origem no Brasil. São empresas que estão com produtos de alto índice tecnológico, indo para o mercado internacional. É bom que Bush, um presidente no limite de poder em seu país, esteja reconhecendo estas características positivas.

O que o senhor acha do Programa de Aceleração do Crescimento, proposto pelo presidente Lula?

O PAC não vai muito longe sem maior investimento privado. Há setores em que é preciso melhorar o arcabouço de regulamentações, como eletricidade, transporte, portos, sistemas de águas, ferrovias, todo tipo de infra-estrutura no qual investimentos estrangeiros seriam extremamente úteis no curto e no médio prazos.

EUA e Brasil não se afinam quando o assunto é Mercosul. Os acordos bilaterais minam o projeto regional de mercado comum, o que incomoda a diplomacia brasileira. Tem saída?

Esta é uma forma política de tratar uma questão fundamentalmente econômica. Mercados regionais são do interesse dos EUA. Seu maior parceiro não é a União Européia? O país tem relações comerciais com muitos outros que, entre si, têm relações de livre comércio. O que está acontecendo no Mercosul não tem rigorosamente nada a ver com o que os EUA acham. O problema é que os argentinos mudaram de idéia e estão colocando todo tipo de barreiras aos produtos brasileiros. Os uruguaios, e sobretudo os paraguaios, não estão percebendo muitos dos benefícios do Mercosul, porque pagam mais caro pelos insumos importados do que pagariam num mercado aberto. E colocar a Venezuela dentro do Mercosul, sem uma adaptação prévia às regras do grupo, faz com o processo todo se torne irrelevante.

E a Alca? Saiu da agenda dos EUA?

Ficou irreal. Os EUA têm outras prioridades. Não houve muito interesse sequer pelos empresários americanos, o que me surpreendeu. O Brasil queria se ver como contrapeso entre os emergentes aos EUA, então não houve muita receptividade diplomática no Itamaraty ao projeto. A Alca foi enterrada de vez em 2003, quando o Brasil fez com que saíssem da agenda o acesso a serviços e direitos de propriedade intelectual, que eram os principais interesses dos EUA. Aí acabou o entusiasmo americano que o levaria a fazer sacrifícios e queimar capital político pela Alca. A saída? Os acordos bilaterais.

Existem planos para a instalação de uma base militar americana no Paraguai, não é? E eles incomodam o Brasil.

Havia um velha preocupação com a tríplice fronteira, vista como terra de ninguém, com presença, talvez, da Al Qaeda. Mas Washington não tem do que reclamar do controle de fronteiras brasileiro. A idéia de colocar bases americanas no Paraguai é uma distração. O debate já morreu. Do jeito que os EUA andam, com um déficit enorme no Pentágono, não há de querer criar novas bases, ainda mais na América Latina.

Uma política para a América Latina, a essa altura do mandato de George W. Bush, não lhe parece uma iniciativa tardia?

O presidente vive sob alta pressão interna devido ao Oriente Médio. Está perdendo votações no Congresso, sua popularidade continua baixa. Como se não fosse suficiente, a principal conversa política nos EUA, hoje, é qual dos democratas será o candidato à presidência, pois todos acham que a derrota dos republicanos está dada em 2008. Então, para Bush sair em busca de iniciativas na América Latina, já é tarde demais. Mas falta um diálogo direto entre Brasil e Estados Unidos. E este é o início de um longo processo.

OESP, 25/02/2007, Aliás, p. J4

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