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Homicídios avançam em regiões de desmatamento e grilagem

OESP, Metrópole, p. C4
30 de Jan de 2008

Homicídios avançam em regiões de desmatamento e grilagem
24 cidades onde crédito foi cortado por causa da devastação estão entre as mais violentas do País

Lisandra Paraguassú

É onde o Estado não chega que a violência cresce. O segundo Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros, divulgado ontem pela Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), mostra que onde cresce o desmatamento, a grilagem de terras, o contrabando de armas e o tráfico de drogas é onde estão os maiores números de homicídios do País proporcionalmente ao tamanho das populações. Longe das capitais, em cidades pequenas, nas fronteiras e no interior, as taxas de homicídio chegam a ultrapassar 100 mortes para cada 100 mil habitantes. Conseqüência disso é que 24 dos 36 municípios proibidos de receber dinheiro por conta do excesso de desmatamento estão entre os 10% mais violentos do País.

Campeões em desmatamento na Amazônia, Pará e Mato Grosso têm, juntos, 11 dos 45 municípios mais violentos do País. E os dados do Mapa da Violência mostram que a situação vem piorando. Em 2007, no primeiro estudo, realizado com dados até 2004, seis dessas cidades eram menos violentas. Os municípios de Itanhangá e Nova Ubiratã (MT) sequer apareciam entre os 556 mais violentos do País. Cumaru do Norte (PA) era o 323o mais violento. Hoje, é o 28o. E, não por coincidência, está na lista dos 36 com maiores taxas de desmatamento em 2007.

"São áreas onde há ausência total do poder público, onde impera a lei do mais forte e há um desrespeito quase absoluto aos direitos humanos", afirmou o autor do estudo, o pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz. "É um círculo vicioso iniciado pelo desmatamento ilegal. Quem comete um crime, comete dois, cinco."

Esse mesmo raciocínio se aplica a outras cidades que estão no topo da lista da violência, como Foz do Iguaçu (PR), Guaíra (PR), Aral Moreira (MS) e a campeã deste ano, Coronel Sapucaia (MS). Nenhuma fica em áreas de desmatamento, mas todas estão em áreas de fronteira - nesse caso, com o Paraguai. Contrabando de armas, drogas e roubo de carros marcam as cidades. Coronel Sapucaia - terceiro lugar no mapa anterior -, com pouco menos de 15 mil moradores, teve uma taxa média nos últimos três anos de 107 mortes por 100 mil habitantes. Pela fronteira entram no Brasil maconha, cocaína e parte das armas usadas pelo tráfico no País. Foz do Iguaçu também vem subindo na lista. Era a 11ª. Hoje, é a 5ª.

O Mapa levantou os 10% de municípios brasileiros com as maiores taxas de homicídios. São 556 cidades que concentram 73% de todas as mortes violentas ocorridas no País entre 2004 e 2006. Da primeira, Coronel Sapucaia, até a 556ª, que é Marechal Floriano, no Espírito Santo - a taxa cai de 107 mortes por 100 mil para 29,3 por 100 mil. Ainda assim, todas estão dentro da faixa que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) considera como "ruptura total dos mecanismos de segurança pública": quando a população não confia mais em que possa contar com a polícia para resolver seus problemas.

A taxa de mortes vem caindo. Em 2007, no primeiro mapa, a taxa da primeira colocada - Colniza (MT), hoje em segundo lugar - era de 156 por 100 mil habitantes. Coronel Sapucaia, que é hoje a primeira, tem 107,2.

As quedas, de acordo com o autor do estudo, se devem a políticas específicas e, até 2005, pelo impacto da campanha de desarmamento - que o Ministério da Justiça agora promete retomar. "Foi a melhor notícia que tive. Não há porque parar com uma campanha que teve um impacto tão claro. Eu sei, o governo sabe", afirmou Waiselfisz.

FRASE

Julio Jacobo Waiselfisz
Pesquisador

"São áreas onde há uma ausência total do poder público, onde impera a lei do mais forte e há um desrespeito quase absoluto aos direitos humanos"

Em Cumaru, 28o no ranking, PM não tem nem viatura

João Domingos, CUMARU DO NORTE

Sentado num banco, próximo à porta de uma casa de tábuas erguida quando o local ainda era o segundo maior garimpo de ouro a céu aberto do mundo - o primeiro, claro, foi Serra Pelada -, o cabo da PM Luiz Luz torce para que o dia termine como começou, em relativa paz. Porque, se houver um problema qualquer que exija rapidez e deslocamentos para longas distâncias, não tem como enfrentá-lo. "Meus coturnos são nossa viatura. É tudo feito a pé."

Além do cabo Luz, a força de segurança de Cumaru do Norte, município a mais de mil quilômetros ao sul de Belém, conta com outro cabo e um sargento. Não há delegado nem qualquer agente da Polícia Civil. A cidade aparece no 28o lugar no Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. No ano passado, registrou três assassinatos, todos banais. Dois crimes passionais e a morte, por um policial, de um suspeito de pistolagem.

Em novembro de 2006, no entanto, um crime registrado lá teve grande repercussão. Mobilizou Polícia Federal, Exército e um sem-número de PMs. Penkre Caiapó, da aldeia Caiapó Gorotire, foi encontrado morto num campo de futebol, com quase 20 golpes de faca e um tiro na nuca. A princípio, houve a suspeita de que a morte fora motivada por disputa de terras. Depois, descobriu-se que ele foi assaltado por três rapazes que tinham fumado crack e que buscavam dinheiro para comprar mais droga.

Embora tenha só 15 anos, Cumaru já vive o drama do vício em crack - as pedras costumam chegar via Redenção, a 150 quilômetros. Nas estradas de chão são comuns os assaltos.

Os moradores, porém, dizem ter uma vida tranqüila.A piauiense Filomena Maria Sobreira, por exemplo, conta que nunca sofreu violência, e diz que às vezes dorme de porta aberta. Cumaru do Norte tem 10.327 habitantes. Entre Fundo de Participação dos Municípios (FPM), ICMS e Fundeb, tem receita anual de R$ 680 mil.

OESP, 30/01/2008, Metrópole, p. C4

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