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Homem invade trilha dos animais

CB, Brasil, p. 13
09 de Dez de 2003

Homem invade trilha dos animais
Loteamentos irregulares e tráfego de carros impedem a passagem dos bichos pelos três últimos corredores ecológicos do DF. Muitas espécies, algumas ameaçadas de extinção, estão morrendo

Nem mesmo as reservas ecológicas garantem a sobrevivência de algumas espécies animais do cerrado. Macacos, capivaras, lobos e tamanduás estão morrendo por causa da ação humana. Os três últimos corredores ecológicos (trilhas naturais para os bichos) do Distrito Federal não resistem aos loteamentos irregulares, às favelas e ao trânsito de carros.

A situação mais grave é a dos animais que habitam o Zoológico de Brasília e o Santuário de Vida Silvestre do Riacho Fundo, uma Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) com 400 hectares. Pequenos roedores, cobras, capivaras e macacos disputam espaço com uma família que mora há dez anos embaixo da ponte do córrego Riacho Fundo.

O local era a única trilha natural que ligava o santuário ao Zôo. Com medo dos humanos, os bichos passaram a se arriscar na travessia da via que liga o Eixão Sul ao Balão do Aeroporto. Só nos últimos três meses, um macaco-prego, uma jibóia e uma capivara morreram atropelados. ''Os animais se sentem acuados e acabam correndo para a pista. Isso ocorre principalmente com os macacos-prego, os tamanduás-mirins e as capivaras'', conta o biólogo responsável pelo santuário, Marcelo Reis.

Moradores da ponte, os baianos Aurora Macedo da Silva, 42 anos, e Oswaldo Rodrigues, 44, dizem que os bichos, principalmente os macacos, até já se acostumaram com a presença deles no lugar. Mas reconhecem que é comum aparecerem animais mortos, principalmente as capivaras. ''Mas elas são vítimas dos caçadores'', conta Aurora. Do outro lado do córrego, em outro barraco, moram o filho de Aurora, Cléssio Macedo, 27 anos, com a mulher Leila dos Santos, 29, e os três filhos, de 1 a 4 anos.

Aurora diz que não deixa a ponte porque é de lá que a família consegue tirar a única fonte de renda. Eles vendem boró - isca para pesca. A família morou em um albergue da Secretaria de Ação Social por cinco meses, no ano passado. A secretaria também ofereceu passagem de volta para a Bahia, mas a proposta foi rejeitada. ''Eu prefiro morar aqui embaixo da ponte do que morrer de fome lá'', justifica Aurora. Oswaldo diz que a família só vai sair do lugar quando conseguirem um lote do governo.

O santuário do Riacho Fundo é administrado pela Fundação Pólo Ecológico, a mesma que cuida do Zoológico. De acordo com Raul Gonzales, administrador do Zôo, nada será feito até que se encontre uma solução adequada para a família. ''Nosso objetivo é conseguir o melhor para os animais e para todos.'' A Secretaria de Ação Social prometeu um lote para a família da ponte.

Ameaça
O Parque Nacional de Brasília já perdeu 10% da área original. Dos 30.556 hectares reservados ao parque, de acordo com um decreto de 1961, 2,8 mil sofreram intervenções. A Granja do Torto, o Parque de Exposições, o lixão da Estrutural, estabelecimentos comerciais e algumas áreas habitacionais ocupam parte dessas terras.

A maior ameaça da ocupação em torno do parque é o isolamento da área ambiental em relação ao ecossistema do cerrado. Hoje, as espécies da fauna nativa têm apenas um trecho de menos de 4 km de largura, próximo ao Lago Oeste, para transitar do parque em direção a outros pontos do DF com cerrado. O administrador do Parque Nacional, Elmo Monteiro, explica que os animais usam o corredor natural principalmente para buscar mais comida e procriar, na Estação Ecológica de Águas Emendadas, em Planaltina. ''De vez em quando, registramos um caso, principalmente com tamanduás e lobos-guará.''

Em Águas Emendadas, só sobraram cinco casais de lobos-guará nos 10 mil hectares da estação. Entre 1997 e 2000, sete animais da espécie foram monitorados por rádio. Todos saíram da estação ecológica e tiveram que atravessar as pistas limítrofes. Treze animais morreram, vítimas de atropelamentos.

Ação comunitária
A vizinhança do Park Way luta para recuperar a Área de Proteção Ambiental (APA) Gama/Cabeça de Veado. A mata nativa perdeu lugar para as moradias das classes média e alta da região. Agora, os moradores querem restabelecer o corredor natural que liga o Parque Nacional de Brasília às reservas do Jardim Botânico, fazendas da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Criado há três anos, o projeto de recuperação da APA Gama/Cabeça de Veado envolve 200 pessoas, incluindo moradores do próprio bairro e dos núcleos rurais de Vargem Bonita e do Córrego da Onça. Até agora, foram plantadas 10 mil mudas. ''Já conseguimos recuperar a vegetação da nascente do Ribeirão do Gama, de 5km ao longo da estrada de ferro e das quadras 14, 15 e 16 do Park Way'', comemora a engenheira florestal Jeanine Maria Felfili, da UnB, coordenadora do projeto.

Bichos ameaçados

Lobo-guará
Espécie símbolo do cerrado, é o maior carnívoro da América do Sul. Tem o hábito de viver sozinho e precisa de grandes extensões de terra para sobreviver

Tamanduá-mirim
Espécie típica do cerrado, costuma se alimentar de cupins, formigas e vermes. É dócil.

Macaco-prego
Assim como o chimpanzé, come muita fruta, verdura e legumes. Também se alimenta de maçã e mamão. Por isso, gosta de andar de galho em galho.

Capivara
Chega a medir um metro de altura. Tem dentes fortes e uma das características é o assobio semelhante ao do homem, que as capivaras soltam para se comunicar entre si.

CB, 9/12/2003, Brasil, p. 25

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