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Homem é inocente na morte da megafauna

FSP, Ciência+Saúde, p. B9
06 de Ago de 2015

Homem é inocente na morte da megafauna
Extinção de espécies que pesavam toneladas está mais ligada ao clima do que à caça humana, diz estudo polêmico
Mudanças climáticas devem ter afetado a vegetação, afetando a quantidade de alimentos disponíveis

REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,

Muitos cientistas costumam culpar o ser humano pela extinção dos mamíferos gigantes da Era do Gelo, mas um grupo de pesquisadores da Austrália e dos EUA resolveu pedir um novo julgamento, por assim dizer. Eles afirmam que o júri deveria ter condenado o clima, e não o homem, como principal causador da catástrofe.
A equipe liderada por Alan Cooper, da Universidade de Adelaide, publicou suas conclusões na revista "Science". Para o grupo, o fim da megafauna (termo que designa os mamíferos grandalhões) foi acontecendo aos pouquinhos, durante os vários períodos curtos de aquecimento brusco que pontuaram a fase final do Pleistoceno, ou Era Glacial.
Embora a ideia de que o clima tenha desempenhado um papel importante no sumiço dos gigantes pleistocênicos já circule há tempos, muita gente tinha dificuldade de aceitar essa hipótese.
Havia dados arqueológicos mostrando que alguns dos primeiros americanos caçavam espécies da megafauna. Tais dados sugeriam um efeito devastador da ação humana sobre essas espécies, que nunca tinham visto um caçador da nossa espécie na vida e que, portanto, não tinham evoluído para ter medo do ser humano.
DNA E CARBONO-14
O novo estudo, porém, compilou uma enorme massa de dados para tentar mostrar que o cenário real é muito mais complexo. Suas principais ferramentas foram o carbono-14 (variante instável do elemento químico carbono, usada para datar matéria orgânica com até dezenas de milhares de anos) e o DNA obtido a partir do esqueleto de animais extintos.
Cooper conseguiu correlacionar a idade dos esqueletos com um registro da bacia de Cariaco, no litoral da Venezuela. Essa bacia contém sedimentos marinhos resultantes da morte de micro-organismos do oceano, formando uma espécie de "cebola" temporal bastante precisa -cada camada da "cebola" corresponde a um ano.
A composição dessas camadas de sedimentos registra as oscilações do clima ao longo dos anos em sua composição química. Em tese, isso significa que, se um osso de mamute e uma camada de sedimentos possuem a mesma datação de carbono-14, é possível saber se o bicho morreu numa fase de clima mais quente ou mais frio.
A segunda metade do quebra-cabeça são as análises de DNA. Os cientistas não usam mais só ossos para saber quais espécies viveram no passado. E eles verificaram que havia uma diversidade consideravelmente maior de megamamíferos do que se imaginava.
Com as datações precisas e o DNA, é possível ver que extinções de linhagens da megafauna aconteceram o tempo todo ao longo das últimas dezenas de milhares de anos da Era do Gelo. Aliás, não exatamente o tempo todo: elas se concentram nos períodos relativamente curtos de aquecimento brusco.
"Não sabemos exatamente como essas extinções aconteceram, mas elas podem ter surgido a partir das mudanças na vegetação trazidas pelo aquecimento", propõe ele.
A ação humana teria sido o "golpe de misericórdia", abalando ainda mais populações já fragilizadas pelas alterações climáticas.
O principal ponto fraco do trabalho na "Science" é a falta de dados sobre a América do Sul. "Sabemos que, na América do Sul, já havia extinções locais de populações de gonfotéridos [parentes extintos dos elefantes] há pelo menos 66 mil anos", destaca a paleontóloga Dimila Mothé Cordeiro dos Santos.
"O ajuste dos dados não parece ser tão bom quanto eles afirmam", ressalva Mario Cozzuol, paleontólogo da UFMG. Outra crítica do pesquisador é que o artigo da "Science" ignora trabalhos que já vinham mostrado a correlação entre períodos quentes do Pleistoceno e reduções da megafauna.
"Períodos quentes, com expansão da vegetação densa, tipo florestas, teriam reduzido a população, visto que animais de grande porte preferem ambientes abertos."

FSP, 06/08/2015, Ciência+Saúde, p. B9

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/228595-homem-e-inocente-n…

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