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Hipótese de nova MP contraria Lula

GM, Política, p. A12
30 de Ago de 2004

Hipótese de nova MP contraria Lula

Presidente tenta obter apoio para votar a Lei de Biossegurança no Senado, em setembro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva jogou uma cartada decisiva, na sexta-feira, na tentativa de evitar a edição de uma medida provisória que autorize o plantio de soja transgênica na próxima safra, que começa a ser cultivada em outubro. O chefe do Executivo ordenou ao ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que cobre dos senadores, em especial os do Rio Grande Sul, ações que permitam a votação da nova Lei de Biossegurança durante a única semana de esforço concentrado marcada para setembro.
O texto está no Senado Federal desde fevereiro, advertiu o presidente. E anda a passos de cágado. Lula também pediu ao governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB), com quem esteve reunido no Palácio do Planalto, empenho na aprovação do texto, até porque os gaúchos são os principais interessados na questão. Estima-se que mais de 90% dos produtores do Estado trabalhem com sementes transgênicas. Em todas as conversas, o recado foi claro - o presidente não quer ter o ônus, pelo segundo ano consecutivo, de liberar o plantio de grãos transgênicos em virtude da falta de regulamentação definitiva para o setor. "O governo não está disposto a editar uma nova medida provisória porque tem consciência de que cumpriu a sua parte e cabe ao Senado, nessa circunstância, um processo de negociação que termine por votar a matéria dentro do prazo esperado pela sociedade, inclusive pelos produtores do Rio Grande do Sul", afirmou Rebelo ao deixar a reunião com o presidente. O prazo citado é para lá de exíguo. Até por isso, fontes do Palácio do Planalto continuavam a confirmar ontem que o governo "não está disposto", mas trabalha com a possibilidade de baixar a MP.
Para ser promulgada antes do início do plantio da safra 2004/2005, o que evitaria a edição da MP, a Lei de Biossegurança terá de ser analisada em três comissões do Senado e votada nos plenários das duas Casas do Legislativo durante o próximo esforço concentrado, marcado para os dias 14, 15 e 16 de setembro. Há um outro complicador para aprovação final do texto em três dias. Antes de analisar a Lei de Biossegurança, os senadores têm de votar a Lei de Informática, que ainda gera polêmica e pode obstruir a pauta.
Planos alternativos foram debatidos ontem. Um deles prevê dividir o texto e votar apenas a questão do cultivo dos organismos geneticamente modificados (OGMs) em setembro. De acordo com o Rigotto, é uma idéia que não pode ser descartada. O deputado gaúcho, Luis Carlos Heinze (PP), da Comissão de Agricultura diz que se este caminho fosse o escolhido já existe um projeto na Câmara destinado a sanar a falta de lei para permitir o plantio de soja transgênica.
"Qualquer projeto com regime de urgência constititucional pode ser votado numa semana nas duas Casas, desde que haja acordo", ressalva Heinze. Um texto com esta característica tem de ser votado em 45 dias, o mesmo prazo de uma medida provisória, pois do contrário obstrui a pauta da Câmara do plenário, tanto da Câmara quanto do Senado.
A pressa dos agricultores é grande, pois a safra da primavera já está delineada nas fazendas. Os galpões estão abarrotados de sementes de soja modificada. Como ocorreu no ano passado, cerca de 3,5 milhões de hectares no Rio Grande do Sul usarão este grão. Mesmo em escala menor, estados como o Paraná e outro do Centro-Oeste também estão interessados nos transgênicos. Pelas previsões do Ministério da Agricultura, o País poderia colher algo como 60 milhões de toneladas da oleaginosa em 2005.
Outro grupo de produtores, a maioria concentrada no Centro-Oeste, também entrou no embate pela liberação de espécies transgênicas. Neste caso são plantadores de algodão, os quais estão animados com as variedades que usam a nova tecnologia. Eles também sonham com a liberação, por meio da lei a ser votada no Congresso.
De acordo com estimativa feita pela Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), nesta safra a colheita chegaria a 1,255 mil toneladas do produto em pluma. O Brasil agora é exportador, ao contrário do que ocorria no final dos anos 90. Mas a entidade Abrapa alerta que se os transgênicos continuarem proibidos, haverá perdas no mercado externo.
Rigotto acrescentou que o presidente Lula cogita a possibilidade de assinar um decreto prorrogando a vigência da MP do ano passado, o que na prática teria o mesmo efeito de uma nova MP - uma solução de urgência para falta de regulamentação do tema.
"O único complicador nesse decreto é que ele tem que passar, tem de ser analisado com cuidado na Câmara e no Senado. Meu receio é de chegarmos, no fim de setembro, sem a aprovação nem da Lei de Biossegurança nem do decreto", disse Rigotto. No ano passado, o vice-presidente da República, José Alencar, assinou a MP liberando o cultivo da soja transgênica na safra 2003/2004, cumprindo ordens do presidente Lula. A decisão abriu uma crise dentro do governo, especialmente com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Contrária à medida, Marina foi convencida de que a MP visava a evitar prejuízos para os agricultores brasileiras. Na ocasião, ela recebeu a garantia do governo de que a questão dos transgênicos seria regulamentada em definitivo. A assinatura da MP gerou ainda protestos de integrantes do Poder Judiciário, uma vez que uma decisão condicionava o plantio da soja transgênica Roundup Ready, patenteada pela Monsanto, à realização de um estudo prévio do impacto dos grãos geneticamente modificados no meio ambiente e na saúde dos seres humanos.
O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, ajuizou uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) a fim de derrubar as disposições da MP, convertida em lei em dezembro de 2003. O processo ainda não foi julgado.

GM, 30/08/2004, Política, p. A12

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