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Hidrovia do Araguaia é apenas um nome

Estação Vida-Cuiabá-MT e Jornal Pessoal
Autor: Lúcio Flávio Pinto
30 de Mai de 2003

O orçamento geral da União para este ano prevê a aplicação de apenas 5,5 milhões de reais nas hidrovias da Amazônia Oriental. O maior item dessa programação [R$ 3,1 milhões] nem é para investimento, mas para o custeio da administração das hidrovias. Dos R$ 2,4 milhões destinados aos projetos, o mais bem aquinhoado é o da hidrovia do Capim, que receberá R$ 1,6 milhão. Outros 700 mil irão para o porto de Cametá e 80 mil para a hidrovia do Marajó. Embora todos esses projetos estejam abrigados sob o manto protetor do 'corredor Araguaia-Tocantins', essa hidrovia mesmo não receberá um tostão furado do governo federal no presente exercício. Apenas cede o nome para usufruto açheio.
Assim, o governador Blairo Maggi, de Mato Grosso, está atualizadíssimo com o humor do Palácio do Planalto [ou a Granja do Torto] quando diz que, se depender dele, o projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins vai continuar onde está: na prateleira. O governador, que é também um grande produtor e exportador de soja, não acredita na viabilidade econômica desta hidrovia 'porque, ao contrário da Paraguai-Paraná, ela não tem navegação comercial'. Para ele, o dinheiro que for gasto para qualquer tipo de retificação nos dois rios, para aumentar o colado dos seus leitos e prepará-lo para receber embarcações de maior calado, não terá retorno.
A lógica do projeto do Araguaia-Tocantins, referendado em 1995 pelo governo federal como um dos eixos do programa Avança Brasil [que é também o Plano Plurianual, ou PPA - 2000/2003], é, portanto, reduzir os custos do escoamento da produção de soja do Centro-Oeste do país para Roterdam, na Holanda, através do porto do Itaqui, em São Luís do Maranhão, que é o porto de carga geral, ao lado do Porto da Ponta da Madeira, concedido à Companhia Vale do Rio Doce, especializado em granéis. Esses são três dos maiores portos mundiais. O Tocantins-Araguaia só interessa até o ponto de intersecção com a Ferrovia Norte-Sul ou a Ferrovia de Carajás. O porto litorâneo do Pará não é considerado.
A luta para modificar essa decisão [superior, como de praxe] envolve dois níveis. Um é o de não permitir que a hidrovia do Araguaia-Tocantins seja um modal utilitário, que só será usado em de do seu percurso. O plano original previa uma hidrovia de 2.012 quilômetros, atravessando cinco Estados, desde as nascentes do Araguaia até Belém. Não se pode permitir que uma obra de interesse regional, voltada para o desenvolvimento interno, se transforme num corredor de exportação, atendendo apenas interesses empresariais ou comerciais.
O segundo nível diz respeito à qualidade da obra. Como foi concebida e está sendo executada, a hidrovia está realmente ajustada às exigências mais atuais para não acarretar danos ambientais, que não só comprometeriam sua perenidade como causariam prejuízos aos seus clientes potenciais? Nesse caso, é incômodo lembrar que o Estudo de Impacto Ambiental [EIA/Rima], elaborado pela Fadesp [a fundação de pesquisa da UFPA], foi rejeitado pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, depois de denúncias de ambientalistas, técnicos, especialistas e ONGs. O trabalho é mesmo inconsistente. Mas foi esse fator o que mais pesou na rejeição da hidrovia?
Não se pode ignorar o efeito do projeto sobre 10 áreas de conservação ambiental, incluindo a maior ilha fluvial do mundo, a Ilha do Bananal, 35 áreas indígenas, com uma população de 10 mil indivíduos, das intervenções que o homem fará no leito dos rios, dentre as quais 87 explosões de dinamite, com o objetivo de destruir diques naturais de formações rochosas. É preciso ter um controle das conseqüências o mais rigoroso possível. Mas também não esquecer que um dos grandes direitos a que a população dessa região se credenciou, com sua ocupação da área, é ter um rio navegável para usar. Em seu próprio proveito e não apenas dos que ficaram com os frutos do seu trabalho, adquiridos a preço vil.
Nesse Avança Brasil, a Amazônia fica com as migalhas do que restar em nosso próprio território.

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