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Hidrovia Araguaia-Tocantins: TRF ignora evidências de fraude e permite a continuidade do licenciamento ambiental

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
28 de Mar de 2001

Mandado de Segurança que suspendia o processo de licenciamento foi julgado prejudicado pelo TRF, com argumentos meramente procedimentais. O Ibama e a Cia. Docas do Pará se reúnem hoje
para agendar as audiências públicas. Evidências de fraude ao EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental) permanecem sem apreciação.

O juiz Cândido Ribeiro, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, julgou prejudicado, em 20 de março passado, o Mandado de Segurança impetrado pelo Ministério Público Federal (MPF), que suspendia o processo de licenciamento ambiental da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Isso quer dizer que, no momento, não existem mais obstáculos judiciais que impeçam o licenciamento ambiental da Hidrovia.
Entretanto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região ainda não abordou a questão de mérito dos recursos, que se refere às evidências de manipulação de informações no Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima).
Tais evidências vieram à tona quando a equipe que elaborou o relatório antropológico do EIA/Rima denunciou a supressão de grande parte de seus estudos da versão oficial do EIA/Rima, por meio de uma carta aberta à sociedade, entregue ao Ministério Público e a ONGs. Ao mesmo tempo, denúncias de manipulação dos estudos sobre a ictiofauna (peixes) levaram ao ajuizamento de ações civis públicas pelo MPF, em Imperatriz (MA) e Goiânia (GO), e uma ação proposta pela comunidade Xavante de Areões e Pimentel Barbosa, em Cuiabá (MT), assessorada pelos advogados do ISA.
As ações têm por objetivo impedir que as audiências públicas aconteçam com base em um EIA/Rima que não reflete as opiniões dos técnicos que o elaboraram, indicando que a Hidrovia Araguaia-Tocantins é menos danosa ao meio ambiente e às comunidades da região do que na realidade é. Em termos jurídicos, a finalidade das ações é impedir que a sociedade seja induzida em erro por manipulação e distorção de informações no EIA/Rima.
Todos os juízes de primeira instância, que apreciaram os pedidos dessas ações, reconheceram a probabilidade de existência de manipulação de informações e suspenderam o processo de licenciamento ambiental da Hidrovia.
Porém, a Cia. Docas do Pará entrou com recursos contra essas decisões, o que acabou levando, com o recente julgamento do mandado de segurança, ao retorno do processo de licenciamento, uma vez que o TRF baseou-se exclusivamente em aspectos formais para autorizar sua continuidade.
O direito da sociedade de conhecer o EIA/Rima do
projeto e o perigo de dano irreparável
da situação presente
Não se pode levar ao conhecimento da sociedade, em audiências públicas, estudos ambientais que não refletem a realidade, apontando impactos menores do que eles realmente serão. O EIA/Rima a ser apresentado à população deve ser completo, bem fundamentado e isento, e por isso os estudos até agora apresentados pela Cia. Docas do Pará não servem para subsidiar uma audiência pública. Essa é a razão pela qual se luta pela suspensão das audiências até que as irregularidades verificadas sejam sanadas.
Não há qualquer intuito de subtrair da população seu direito de se manifestar a respeito do empreendimento, como pretende fazer crer a Cia. Docas do Pará. Ao contrário, o intuito das ações judiciais é fazer a população conhecer os reais impactos que o projeto vai causar tanto ao meio ambiente, como à população e economia locais.
Apesar da Cia. Docas do Pará e o Ibama reconhecerem que o projeto da Hidrovia Araguaia-Tocantins envolve sérios impactos ambientais e sociais sobre a região, continuam ignorando as denúncias e evidências de manipulação de informações no EIA/Rima.
A suspensão da liminar pelo TRF cria uma situação de perigo de dano irreparável a toda a sociedade, em especial aos atingidos pelo empreendimento, pois permite que o licenciamento prossiga a toque de caixa, entre o Ibama e a Cia. Docas do Pará.
Em diversas ocasiões, a Cia. Docas do Pará demonstrou que não está disposta a esperar o tempo necessário para a realização de um EIA/Rima adequado. Tanto que existe uma outra ação proibindo a companhia de dar início à implantação da hidrovia sem a prévia realização dos estudos. A recente decisão do TRF apenas a incentiva a continuar com sua política de criação de fatos consumados.
Uma prova da situação de perigo que se avizinha é a reunião, hoje, entre Cia. Docas do Pará e Ibama, em Brasília, para reagendar o quanto antes as audiências públicas. É mais uma tentativa de ignorar e atropelar os fatos colocados à sociedade e ao poder judiciário, e mais uma vez aqui repetidos: o EIA/Rima da Hidrovia Araguaia-Tocantins é um documento manipulado e cujas informações técnicas foram alteradas de sua forma original de modo a induzir um juízo errôneo sobre o projeto quanto aos reais impactos sociais e ambientais.
É preciso que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região desperte para a gravidade da situação ao permitir o desenrolar de um processo de licenciamento tão polêmico e com tantas irregularidades, comprovadas documentalmente, como o licenciamento da Hidrovia Araguaia-Tocantins.
É necessário acima de tudo que os fatos venham a público e que a sociedade civil reaja objetivando um processo transparente e participativo de licenciamento, assegurando seu direito de tomar parte de audiências públicas coerentes e baseadas em estudos íntegros.
Falta de documentação ou falta de vontade? -
um panorama jurídico da questão
O mandado de segurança movido pelo Ministério Público Federal, recém - julgado pelo TRF, está diretamente relacionado com o recurso de agravo movido pela Cia. Docas do Pará contra a decisão da Justiça Federal de Imperatriz (MA), que concedeu liminar em ação civil pública movida pelo MPF suspendendo as audiências públicas e o processo de licenciamento ambiental, por conta das evidências de fraude aos estudos ambientais.
Neste agravo, o juiz Jirair Aram Meguerian deixou, expressamente, de abordar o mérito da questão, para se ater única e exclusivamente em outro argumento: a falta de documentação nos autos que comprovasse as irregularidades denunciadas, apresentada na ação civil pública em Imperatriz. De acordo com o juiz, a petição inicial da ação civil pública movida pelo MPF em Imperatriz não teria vindo acompanhada de qualquer documentação que comprovasse as alegações, o que tornaria a medida liminar concedida ilegal, uma vez que não estaria baseada em provas documentais.
Ocorre que os documentos que comprovam a existência da manipulação dos estudos antropológicos foram, de fato, apresentados ao juízo de Imperatriz (MA) junto com a petição inicial, mas não foram juntados aos autos de imediato pelo cartório da vara federal, o que possibilitou aos advogados da Cia. Docas do Pará ingressar com o recurso de agravo junto ao TRF alegando uma suposta ausência de documentos.
Esses documentos, no entanto, sempre existiram e foram juntados ao processo, sendo portanto inverídica a afirmação de que a decisão não estava baseada em provas suficientes.
Qualquer pessoa que se dirigir hoje à vara da justiça federal de Imperatriz, para averiguar o andamento da ação civil pública, poderá constatar sem maiores dificuldades que todos os documentos comprobatórios da fraude ao EIA/Rima estão lá. No entanto, apesar de inverídicos, os argumentos da Cia. Docas do Pará foram afinal acolhidos pelo juiz Jirair Aram Meguerian, que acabou suspendendo a liminar.
Essa decisão, portanto, não é baseada no reconhecimento da legitimidade dos estudos ambientais – tal juízo sequer chegou a ser feito – , mas única e exclusivamente na demora burocrática em se juntar os documentos que embasaram a decisão do juiz de Imperatriz (MA).
No mais, é claro que uma decisão liminar não poderia ser suspensa apenas por incúria dos servidores cartoriais da Justiça Federal de Imperatriz (MA), prejudicando a matéria que está sendo efetivamente discutida.
A partir desta decisão equivocada, que sequer chegou a abordar o tema da fraude em si, é que as outras decisões de primeira instância de Cuiabá e Goiânia, que, de fato, apreciaram a questão e reconheceram novamente a existência da manipulação de informações – foram posteriormente suspensas pelo juiz Antônio Sávio Chaves, substituto do juiz Jirair Meguerian, sob o argumento de que já existia uma outra decisão do TRF tratando do mesmo assunto, e que as decisões de primeira instância não poderiam prevalecer sobre uma decisão do tribunal.
Ocorre que a decisão proferida pelo juiz Jirair Meguerian apenas aborda um aspecto formal e burocrático de um determinado processo (suposta ausência de documentos comprobatórios), não atingindo portanto o mérito da questão que fora apreciado nas liminares de Goiânia e Cuiabá, razão pela qual é inadmissível que se condicione a validade dessas liminares posteriores à existência de uma decisão que sequer se refere à questão de mérito.
O que vem ocorrendo de forma patente é a clara falta de vontade dos juízes do TRF, até agora, de encarar a questão de fundo tratada nas ações de primeira instância: se existem ou não evidências de fraude ao EIA/Rima, e o que fazer diante disso. Desde setembro de 1999, até a presente data, o TRF não chegou a apreciar se houve de fato manipulação no EIA/Rima.
A falta de iniciativa do TRF em abordar a questão da manipulação de informações no EIA/Rima vem causando prejuízos e insegurança tanto no processo de licenciamento ambiental como nas regiões por onde o projeto da Hidrovia deveria passar. Sob argumentos formalistas e inverídicos, os juízes do TRF vêm se furtando a aplicar os fatos concretos ao direito, de forma imparcial e justa.

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