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Hidrelétrica ameaça cachoeiras em MT

FSP, Ciência, p. A18
14 de Set de 2005

Hidrelétrica ameaça cachoeiras em MT
Projeto de usina deixaria sem água saltos que integram programa do governo de apoio ao ecoturismo na Amazônia

José Eduardo Rondon
Da agência Folha

A construção de uma hidrelétrica no noroeste de Mato Grosso vai extinguir uma área turística que integra um programa do governo federal de fomento ao ecoturismo na região amazônica. A avaliação é de especialistas em questões ambientais e membros do Ministério Público Estadual.
Segundo técnicos de duas universidades, um complexo de cachoeiras, com mais de 150 metros de quedas d'água, na cidade de Aripuanã, poderá desaparecer caso a hidrelétrica seja construída.
As cachoeiras que formam o Salto de Dardanelos estão localizadas em um pólo do Proecotur (Programa de Desenvolvimento do Ecoturismo), do governo federal, que tem objetivo de viabilizar o ecoturismo na Amazônia.
O empreendimento de construção da hidrelétrica, que tem um custo de R$ 559 milhões e potência instalada estimada em 261 megawatts/hora, está em fase de estudo autorizado pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
O estudo, denominado Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, é uma parceria entre a Eletronorte (Centrais Elétricas do Norte do Brasil) e a Construtora Norberto Odebrecht.
Filetes d'água
O ecólogo e professor da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) Francisco Arruda Machado afirmou que, com a construção da obra, está prevista uma redução da vazão das cachoeiras, durante sete meses do ano, de 30 metros cúbicos por segundo para 6 metros cúbicos por segundo. "As cachoeiras das Andorinhas e de Dardanelos, que formam o complexo, irão se transformar em dois filetes d'água."
Sérgio Adão Simião, do Centro Universitário de Várzea Grande, disse que "a construção da hidrelétrica, além de destruir a identidade do município, que são as cachoeiras, trará impactos socioeconômicos negativos à região".
Para ele, "a cidade não terá como absorver, em setores como o da saúde e da habitação, as pessoas que se deslocarão para a área durante a construção".
Segundo Dorival Gonçalves Júnior, professor de engenharia elétrica da UFMT, a usina de Dardanelos tem concepção inadequada para o tipo de rio, e a energia gerada por ela sairia cara demais.
A vazão do Aripuanã é extremamente variável: ela vai de 1.520 metros cúbicos por segundo na cheia a 18 metros cúbicos por segundo na seca. Em rios desse tipo, o ideal é fazer o que os técnicos chamam de usina de reservatório de acumulação, com uma barragem. A usina de Dardanelos foi concebida como uma usina de fio d'água, indicada para rios com vazão constante.
"Você vai ter a usina parada vários meses por ano porque não tem água", diz Gonçalves Júnior.
Para piorar, a usina disputaria água do rio com outras duas PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas): uma do governo do Estado, que gera eletricidade para Aripuanã e que usa 12 metros cúbicos de água por segundo, e outra de um empreendedor particular da região, que usa 14 metros cúbicos por segundo. "Na semana passada, o rio teve vazão de 28 metros cúbicos por segundo. Se a nova usina estivesse já em operação, ela teria 2 metros cúbicos por segundo para funcionar", afirma. Outro complicador é que a linha de transmissão que precisa ser construída não está computada no custo da energia da usina, calculado em R$ 800 por megawatt/ hora. Para ser interligada ao sistema energético nacional, ela precisaria de uma linha de 600 km, que dobraria o custo do projeto, orçado em R$ 538 milhões.
Na análise do promotor do Meio Ambiente de Aripuanã, Kledson Dionysio de Oliveira, "se o projeto for realizado, inviabilizará a beleza cênica das cachoeiras". "Suprimir a beleza cênica do local é simplesmente extinguir a área do município do programa do governo federal."
Oliveira disse que o Eia-Rima -estudo e relatório de impacto ambiental necessários para a realização de uma obra- apresentado pelas empresas não contempla todos os prejuízos que a construção pode causar à região.
"O estudo desconsidera parte da obra. Não considera as linhas de transmissão que terão de ser instaladas. Não é possível conceder um empreendimento de geração de energia, destinado à alimentação do sistema nacional, sem essa previsão."
As empresas Eletronorte e Odebrecht negaram que a construção da obra possa causar as conseqüências apontadas pelos técnicos e pelo promotor de Justiça. Além disso, afirmaram que o estudo e o relatório foram feitos cumprindo todos os critérios do termo de referência emitido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado.
O procurador de Justiça João Batista de Almeida, do Ministério Público Estadual de MT, classificou de "um golpe de morte ao ambiente da região" a possível construção da hidrelétrica.
O Eia-Rima, divulgado em audiência pública na cidade de Aripuanã no dia 27 de agosto, está sendo questionado pelo MPE.
No dia 1o de setembro, o promotor da 20ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Mato Grosso, Gerson Barbosa, instaurou procedimento investigatório para apurar o caso.

Outro lado

Obra não afetará paisagem, afirma a Eletronorte

A empresa Eletronorte negou que possa haver a extinção da área turística formada pelo complexo de cachoeiras em Aripuanã em razão da construção da hidrelétrica. Por meio da gerente de estudos e projetos ambientais da empresa, Silviani Froelich, a Eletronorte também contestou os argumentos de Machado e Oliveira.
"Tivemos a preocupação de, no estudo, prever a vazão do rio em um nível que propicie a continuidade das características do ecossistema local e que proporcione também que as condições cênicas [paisagísticas] das cachoeiras sejam mantidas", disse Froelich.
Sobre os questionamentos do Ministério Público Estadual ao Eia-Rima, Froelich afirmou que "cumprimos tudo o que foi solicitado no termo de referência [emitido pela Sema e que define os parâmetros da realização do estudo], e todas as questões foram colocadas da maneira mais transparente".
A construtora Odebrecht, por meio de sua assessoria de imprensa, disse que todos os procedimentos determinados para a realização do estudo foram cumpridos pela empresa.
Luís Henrique Daldegan, secretário-adjunto da Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso, disse que o órgão tem um prazo de até 30 dias após a audiência pública realizada para emitir um parecer favorável ou contrário ao possível empreendimento.
Depois que isso ocorrer, o parecer é enviado ao Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente), órgão que vai definir se emite ou não a licença prévia para a construção do empreendimento.
"O momento é propício para discutir todos os aspectos. Quanto mais questionamento houver, melhor", disse Daldegan. (JER)

Local foi palco de fraude no Ibama
Viajar de Cuiabá para Aripuanã é, em si, um ato de turismo de aventura. Os vôos, em bimotor com capacidade para 19 passageiros, partem às 5 da manhã. E levam quatro horas para chegar ao destino. É mais do que um vôo de São Paulo a Santiago do Chile.
Nas escalas -em cidades de nomes simpáticos, como Juara, Juína e Juruena-, o passageiro tem direito a pistas de pouso de cascalho e a prosaicas paradas de dez minutos para descer do avião, esticar as pernas e tomar um café. Os bancos não reclinam.
O noroeste de Mato Grosso, de terreno acidentado e imprestável para a agricultura, foi ocupado pelo boi, que se segue à exploração de madeira. Em Aripuanã, a fronteira avança voraz sobre uma das últimas grandes área de floresta densa do Estado, resguardada por terras indígenas como a dos cintas-largas, a dos zorós e a dos araras. É a mesma topografia que garante o espetáculo das cachoeiras. E foi a floresta que tornou Aripuanã célebre neste ano, por um motivo nada bonito.
O município foi o que mais desmatou na Amazônia inteira em 2003-2004, quase tudo para pasto. Aripuanã era também um dos principais pontos de atuação da quadrilha de extração ilegal de madeira desmontada em junho pela Operação Curupira, da Polícia Federal e do Ministério Público. A máfia tinha participação dos funcionários do Ibama local -após a operação, o escritório ficou com duas pessoas. (CA)

FSP, 14/09/2005, Ciência, p. A18

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