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Hepatite mata indios no Javari

A Critica, Cidades, p.C1
20 de Jan de 2004

Hepatite mata índios no Javari
Doença já vitimou 15 indígenas nos últimos meses
Equipes da Funasa e da Fundação de Medicina Tropical de Manaus estão na região
Carlos Branco e Cristiane Silveira
A hepatite, doença virótica que se caracteriza pela inflamação do fígado, matou, em 2003, 15 índios das etnias Culina, Canamari, Corubo, Maiuruna e Marubo, que vivem no Vale do Javari, região do Alto Solimões, no Município de Atalaia do Norte (a 1.138 quilômetros de Manaus). "Em todos os casos foi diagnosticado síndrome febril ictero hemorrágica aguda. Somente duas vítimas foram submetidas à sorologia, com resultados positivos, as outras 13 fizeram a coleta de sangue, mas os resultados ainda não foram conhecidos", afirmou o coordenador da organização Governamental (ONG) Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), Jorge Duarte Oliveira.
Segundo ele, a situação é de calamidade pública e, se nada for feito para conter o avanço da doença; ele estima que em 20 anos os 3.500 indígenas que ali vivem terão desaparecido. "Toda semana acontece remoção, via aérea e fluvial, de pacientes das comunidades dos rios Itacoaí, Javari, Jaquirana, Ituí e Curuá", diz. Essa, inclusive, é a principal preocupação do Civaja em carta distribuída à imprensa de Manaus, para chamar a atenção do poder público, entidades não-governamentais, Exército, Marinha, Ministério da Saúde e da Fundação Nacional do índio (Funai) para o problema.
Ele explicou que o Civaja resolveu adotar uma postura atuante e denunciou o abandono em que se encontram os indígenas do Vale do Javari, porque a entidade vinha sendo acusada por pessoas de órgãos públicos (não citou nomes) como culpada pelo agravamento do problema ali enfrentado pelos índios. Duarte Oliveira admite que o Civaja firmou convênio com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em 1999, mas que em decorrência de problemas administrativos teve que formalizar uma parceria de co-gestão com este órgão, em 2003, na qual ambos têm responsabilidade com a saúde indígena na região.
Na avaliação de Duarte Oliveira, a co-gestão não exime o Governo Federal de ser o primeiro responsável em garantir a proteção dos direitos indígenas como o da saúde diferenciada. Ele informou, no entanto, que no final de 2003 uma equipe da Fundação de Medicina Tropical de Manaus (FMTM) fez um trabalho de sorologia no Vale do Javari e uma outra equipe ainda está na área desde a segunda semana de janeiro, visitando comunidades para fazer levantamento, coleta de sangue, prevenção de malária, consultas e serviço de atendimento básico.

Problema é muito sério
A presidente regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa/AM), Lúcia Antony, admitiu que é sério o problema da hepatite entre os indígenas do Vale do Javari, no Município de Atalaia do Norte, mas que a doença está sendo tratada com responsabilidade pelo órgão. "Vale do Javari está recebendo auxilio da Funasa. Ano passado, realizamos coleta de sangue em algumas comunidades e a ainda este faremos cobertura vacinal em toda a área", disse Lúcia.
Segundo ela, desde 1999 foi assinado um convênio entre o Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) e a Funasa, em que caberia à ONG gerenciar as políticas de saúde entre os indígenas daquela região. Na opinião de Lúcia, este convênio não foi tão feliz, já que o gerenciamento dos recursos seria feito somente pelo Civaja, população usuária do serviço.
"Esse assunto está sendo discutido entre os órgãos competentes. Mas acredito que o governo estadual poderia injetar recursos no auxilio à saúde indígena no Estado", afirma a presidente da Funasa, acrescentando que a privatização da saúde indígena foi implementada no Governo Fernando Henrique Cardoso, época em que o órgão federal não disponibilizava de recursos humanos para gerenciar a saúde dessa população.
Sem recursos
Ano passado, devido a falta de prestação de contas com a fundação, o Civaja ficou sem receber recursos por alguns meses por intervenção do Ministério Público Estadual (MPE), que solicitava à Funasa o retomo do gerenciamento das políticas em saúde. Para o órgão contratar funcionários, só seria possível por meio de concurso público ou por seleção de títulos, o que segundo Lúcia, levaria alguns meses. "Nós ainda estamos carentes de recursos humanos. Por isso, nós e o MPE assinamos Termo de Ajuste de Conduta para que o Civaja retomasse às atividades com a co-gestão da Funasa, esclareceu, comentando ainda que há dificuldade do órgão em auxiliar nessas políticas, já que o Civaja insiste em não descentralizar as atividades.
Conforme Lúcia, a Funasa se reunirá hoje com alguns órgãos ligados à saúde para tratar sobre aplicação de vacinas para prevenção e controle da hepatite naquela área. "Iremos mapear aquele local para verificarmos qual a real situação dos povos indígenas".

Vacinação
Salvação para as etnias da região
A Fundação de Medicina Tropical de Manaus (FMTM) realiza trabalho em conjunto com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Vale do Javari. Conforme o diretor da FMT, José Carlos Ferraz, a Síndrome Febril Ictero Hemorrágica Aguda, que está acometendo os indígenas da região, pode ser ocasionada por vários vírus, entre eles o da hepatite B e Delta.
Ele explicou que estudo feito em 2001 naquelas áreas detectou que 20% dos indígenas eram portadores da hepatite B e somente 10% da hepatite Delta 'Não podemos afirmar que todas essas mortes estão relacionadas à hepatite. Somente um laudo histopatológico, que retira fragmentos do fígado, poderá confirmar os óbitos', informou ele, ressaltando que um exame desse tipo foi feito este ano numa indígena, mas ainda não se sabe o resultado. Quem é portador da hepatite B, doença que tem 90% de cura, e contrair a tipo Delta tem outros 90% de chance do quadro ser agravado para a hepatite crônica. Outras complicações podem ser hepatite fulminante, seguido de morte ou evolução para cirrose hepática 'Nessa situação, os riscos de morte são altíssimos', disse. Para prevenir contra a doença, a vacinação é uma grande aliada. Ela tem 98% de qualidade em crianças e de 80 a 90% de alcance em adultos. Outras formas para prevenção seriam a não utilização de seringas e agulhas não descartáveis, uso de camisinha nas relações sexuais, principais meios de contágio da hepatite B e Delta.

A Crítica, 20/01/2004, p. C1

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