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Hepatite e malária chegam a níveis críticos e indígenas ameaçam ir à ONU

Agência Carta Maior
Autor: Verena Glass
12 de Abr de 2007

Hepatite B atinge 56% dos índios examinados na Terra Indígena do Vale do Javari (AM) e cerca de 90% da população pode estar com malária, denunciam entidades. Problema persiste há 15 anos e poderá render uma denúncia contra governo na ONU. Funasa reconhece problema, mas garante empenho na detecção da origem e no combate às doenças

Os problemas de saúde que atingem cerca de 4 mil indígenas das seis etnias contatadas da Terra Indígena (TI) do Vale do Javari, no extremo ocidente do estado do Amazonas, podem levar a uma acusação formal de descaso contra o governo brasileiro junto às Comissões de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da ONU. A denuncia deverá ser feita pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e pelo Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) em julho, quando lideranças dos dois movimentos irão aos EUA e à Suíça para apresentar um relato da situação.

Segundo os movimentos indígenas, surtos de hepatite A, B, C e Delta e malária tem atingido o Javari há mais de 15 anos, mas o quadro se agravou desde 2001 - tanto que, entre 2001 e 2003, segundo o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) foram registrados 24 óbitos por Síndrome Febril Íctero Hemorrágica Aguda (SFIHA), atribuídos à hepatite B e D. Já em 2006, agentes de saúde constataram 2.883 casos de malária, o que significa que 90% da população sofre ou sofreu da doença.

Em inquérito sorológico realizado em dezembro de 2006 pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e pelo Hospital de Medicina Tropical do Amazonas, que avaliou até agora 10% dos indígenas contatados da TI (309 indivíduos), constatou-se que 56% deste total são portadores do vírus de hepatite B, quadro considerado gravíssimo, uma vez que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aceita como limite 2% de contaminação em uma população.

Segundo documento assinado por vários técnicos de departamentos da Funai e da Funasa, foi diagnosticado ainda que dos 263 indígenas - 85,1% dos 309 pesquisados - já tiveram contato com o vírus de hepatite A, e 25% dos indígenas pesquisados são portadores da Hepatite Delta (a mais mortal das hepatites), além da constatação de 4 casos de hepatite C (incurável), vírus anteriormente não encontrado na população do Vale do Javari.

Segundo Clóvis Marubo, Coordenador Geral do CIVAJA, as organizações indígenas temem que o agravamento do quadro de doenças no Javari poderá levar ao desaparecimento das populações locais. Segundo ele, além da hepatite, a malária também tem vitimado direta e indiretamente um numero crescente de índios, uma vez que os métodos utilizados para o controle da endemia estão se mostrando ineficazes.
"Temos gente que já pegou de 10 a 20 malárias. O tratamento da doença em si também é muito violento, e depois da segunda malária o organismo começa a enfraquecer, surgem problemas graves de fígado, anemias, gastrite crônica, úlcera, etc. Nós ainda temos acesso a tratamento, mas se houver contaminação de hepatite e outras doenças entre os índios isolados,morre todo mundo", afirma.
Como parte das atividades do Abril Indígena, que reunirá cerca de 800 representantes de mais de 100 povos de todo o país em Brasília, entre os dias 16 e 19, para discutir com o governo as políticas para o setor, 15 representantes do Vale do Javari devem se reunir com representantes do ministério público federal, Funai, Funasa e Ministério da Saúde para buscar soluções.

"Queremos uma atenção, um programa especial de saúde para o Vale do Javari. Também queremos uma auditoria na gestão dos projetos de saúde da prefeitura de Atalaia do Norte e do distrito sanitário indígena da Funasa no município. Estamos denunciando a situação calamitosa da saúde indígena no Javari desde a década de 1990, mas os projetos iniciados não são concluídos", afirma Jecinaldo Saterê Mawé, coordenador da Coiab.

Dificuldades
Uma das principais dificuldades de atendimento da população indígena do vale do javari, segundo a Funasa, é a dificuldade de acesso às comunidades, uma vez que o meio de transporte são basicamente os barcos, e nem sempre os rios da região são de fácil navegabilidade.

Segundo Francisco Aires, há um ano e meio coordenador da Superintendência da Funasa no Amazonas, o órgão tem ciência da gravidade do problema da hepatite e da malária entre os indígenas, mas, depois de tantos anos sem uma intervenção eficiente de saúde pública na região, o trabalho de detecção das causas e combate às doenças é lento e demorado.
Segundo Aires, o inquérito sorológico que já avaliou 10% da população do Javari continua em andamento e deve abranger 100% dos indígenas. Ao mesmo tempo, a Funasa também está buscando mecanismos para interromper o ciclo de contaminação da hepatite, como a instalação de geladeiras movidas à energia solar nas aldeias para a conservação de vacinas.

Tanto a Funasa quanto as organizações indígenas dizem desconhecer a origem dos surtos de hepatite e malária, mas, segundo Aires, a hepatite A é típica das periferias urbanas onde há problemas de saneamento. Como esta doença se desenvolveu em áreas de floresta fechada não é explicado. Diagnosticar os vetores de contaminação é um dos objetivos da Funasa agora, diz Aires.
"Nos últimos 15 anos realmente não houve uma atenção para o problema. Mas o que temos que levar em conta é que o Brasil está começando agora a tratar as populações tradicionais, e estamos engatinhando neste âmbito. Por outro lado, estamos criando um processo, tentando integrar e respeitar a cultura e as tradições indígenas neste trabalho. O problema de saúde que atinge as populações tradicionais não é só delas, é um problema do sistema de saúde do país", pondera o coordenador da Funasa.

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