VOLTAR

Guerrilheiro à vista

CB, Mundo, p. 18
09 de Mar de 2008

Guerrilheiro à vista
Abin intensifica os trabalhos na região amazônica depois da morte do número dois das Farc, há uma semana. Rebeldes colombianos armados e fardados foram observados a 2km da fronteira

Edson Luiz
Da equipe do Correio

Guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) já estão sendo vistos a 2 km do território brasileiro, na Amazônia.
A informação foi confirmada pela área de inteligência do governo, que intensificou a vigilância na Região Norte depois da morte de Raúl Reyes, número dois do grupo guerrilheiro, em uma ação militar colombiana no último dia 1o. A movimentação é considerada atípica, já que os integrantes do grupo não costumam se aproximar da fronteira com o Brasil - de onde recebem suprimentos por meio de vendedores ambulantes - usando fardas e armados com fuzis. Documentos da Polícia Federal também mostram que as Farc montaram uma base perto de uma vila na região do Alto Rio Negro, no Amazonas.
"Temos informações de que, recentemente, elementos fardados foram vistos se movimentando próximos à nossa fronteira, nas regiões de floresta", afirma um integrante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que intensificou seus trabalhos na região amazônica. Mas, da mesma forma que a Polícia Federal, a agência descarta a presença dos guerrilheiros dentro do Brasil, conforme afirmara o presidente do Equador, Rafael Correa. As autoridades não revelam o período em que ocorreram as movimentações, mas avaliam que ainda não há razão para grandes preocupações.
Grupo enfraquecido
O serviço secreto do governo brasileiro aguarda alguns dias para fazer uma avaliação do comportamento das Farc após a morte de Reyes, que acabou desencadeando um conflito diplomático entre Colômbia e Equador. O bombardeio ao acampamento do guerrilheiro ocorreu em território equatoriano. Pela análise de autoridades brasileiras, as Farc são hoje um grupo enfraquecido e com muitas perdas, que pode contar com até 8 mil guerrilheiros. Elas teriam, ainda, um grande problema: a ex-senadora franco-colombiana Ingrid Betancourt. "Na verdade, hoje isso parece ser um abacaxi que a facção não consegue descascar", diz um analista da Abin, explicando que a questão pode piorar por causa da saúde frágil da ex-candidata à presidência colombiana, paciente de hepatite B.
A desestruturação da guerrilha pode fazer com que os guerrilheiros ocupem áreas mais abrangentes, de difícil acesso para o exército colombiano. Isso ocorre na floresta, perto da Amazônia brasileira, para onde parte das Farc migrou no período em que foi desencadeado o Plano Colômbia - que tinha financiamento norte-americano
e planos de erradicar o tráfico de drogas e combater o grupo. Em 2003, por exemplo, um ano depois de o plano ter sido colocado em ação, era comum o deslocamento da guerrilha para áreas próximas à fronteira, onde se formaram novas bases.
Hoje, as Farc têm duas bases bem próximas do Brasil, segundo documento da Polícia Federal ao qual o Correio teve acesso. Elas são chamadas de cuadrillas e estão no denominado Bloco Sul, comandado por Isaías Perdomo.
Com ele, um contingente de 80 homens, que atuam no departamento (estado) do Amazonas, na fronteira com o Brasil. O grupo exerce influência principalmente nas localidades perto do município de Puerto Nariño, sendo uma delas, La Pedrera, ao lado de Vila Bittencourt, em território brasileiro. No mesmo local, em 2002, houve confronto entre militares brasileiros e supostos guerrilheiros. Recentemente, moradores locais disseram que homens fardados têm andado pela região.
Os integrantes das Farc tentaram recrutar índios baniwas da localidade de Tunuí, também no Alto Rio Negro, no norte do Amazonas. O assunto só ficou conhecido depois da visita de policiais a várias vilas da região. Porém, em apenas um caso houve uso de violência, o que não é comum entre integrantes do grupo e moradores ribeirinhos.
"Muitas vezes, eles (os guerrilheiros) usam os habitantes dessas áreas para conseguir suprimentos", conta um delegado que atua na região. Isso forçou o Comando do Exército a reforçar o contigente local, criando mais um posto militar nas proximidades.
Só depois do naufrágio de um barco é que as autoridades verificaram que não apenas mantimentos estavam sendo entregues aos guerrilheiros. "Na embarcação haviam também remédios desviados da rede pública de saúde", diz um agente da área de inteligência. O material seria enviado a outra base das Farc, em Mitú, no departamento de Vaupés. A região é comandada por Mono Jojoy, sexto na hierarquia da guerrilha e braço direito do líder da facção, Manuel Marulanda. Este mesmo grupo é suspeito de ser o autor das tentativas de recrutamento de indígenas.

Fluxo de refugiados

Nos últimos quatro anos, o Brasil recebeu 270 colombianos que deixaram seu país fugindo da violência, principalmente da guerrilha e dos combates. A maioria estava assentada em outros territórios também afetados pela guerra ou a perseguição, como no Equador, onde grupos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) se refugiaram nos últimos meses, escapando dos ataques dos militares. Só neste ano, 37 colombianos procuraram o Ministério da Justiça para se tornar refugiados.
Angola, com 1.684 pessoas, lidera o número de refugiados no Brasil, seguida pela República do Congo, com 281 processos abertos desde 2004 e pouco à frente da Colômbia - o país é o primeiro no ranking dos sul-americanos. "Muitos deles estavam no Equador, mas sem se sentirem em segurança", afirma o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto Teles, também presidente do Conselho Nacional de Refugiados (Conare). Barreto Teles explica que os números foram maiores entre 2004 e 2005.
"Não podemos dizer que os processos de refúgio aumentaram. O que houve foi um deslocamento de pessoas que já estavam fora da Colômbia", observa.
O secretário-executivo ressalta que o número de refugiados poderia ser maior, caso muitos moradores da fronteira soubessem de seus direitos. "Desconhecem que podem deixar seu país com a ajuda internacional", explica Barreto Teles. Os destinos preferidos dos colombianos são o Equador, Panamá, Venezuela e Costa Rica.
Como há uma grande tensão entre Bogotá, Caracas e Quito, o Brasil pode receber cada vez mais fugitivos, como ocorreu nos momentos em que a situação no país vizinho se tornou degradável.
Os reassentados colombianos que chegaram ao Brasil a partir de 2004 estão morando no interior do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Goiás e Rio Grande do Norte. Eles recebem ajuda humanitária por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), que repassa recursos para o governo brasileiro mantê-los em segurança. (EL)

Para saber mais
Luta sangrenta pelo poder

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) surgiram em 1964 como um grupo armado socialista, com a missão de reduzir o abismo social no país sul-americano.A organização teria hoje entre 8 mil e 12 mil combatentes. Há uma década, antes da dura repressão iniciada no governo de Álvaro Uribe, eram pelo menos 17 mil.O grupo usa o multibilionário comércio de cocaína para angariar fundos nos últimos 20 anos. O conflito foi reduzido em muitas regiões a batalhas por lucrativas terras para produção da folha de coca. Além do narcotráfico, a organização obtém recursos por meio de seqüestros, pedágios e extorsão de moradores. No último dia 1o, as Farc sofreram o maior golpe desde sua fundação. Raúl Reyes, integrante desde a década de 60, porta-voz internacional e número dois da guerrilha, foi morto em um bombardeio colombiano no Equador, a 2km da fronteira. A presença dos rebeldes é mais forte na região sul da Colômbia. As Farc são consideradas uma organização terrorista pelos Estados Unidos e pela União Européia, mas não pelos demais pelos governos sul-americanos.

CB, 09/03/2008, Mundo, p. 18

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.