VOLTAR

A guerra dos transgênicos

CB, Política, p. 2
12 de Fev de 2004

A guerra dos transgênicos
De um lado, Marina Silva, defensora do projeto aprovado na Câmara. Do outro, Roberto Rodrigues trabalha para modificá-lo. O cenário da batalha, que inclui Rossetto e José Dirceu, está montado

Helayne Boaventura e César Henrique Arrais
Da equipe do Correio

As peças do xadrez começaram a se movimentar no Senado para a votação da Lei de Biossegurança. Junto com o projeto chegaram ao carpete azul, símbolo da Casa, lobistas de entidades, empresas e do governo. Protagonistas de uma guerra marcada pela ideologia e pelos ganhos financeiros, os dois times esperam vencer no plenário do Senado a batalha final em torno do poder de autorizar a pesquisa, o plantio e a comercialização de transgênicos.

Depois da aprovação do projeto no plenário da Câmara - quando os ambientalistas, capitaneados pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, venceram o primeiro round, os proprietários de terra e empresas de transgênicos tentam virar o jogo. Na terça, desembarcou em Brasília um dos trunfos dos defensores dos produtos geneticamente modificados, o cientista genético e prêmio Nobel da Paz, Norman Borlaug.

Borlaug jantou na noite de terça-feira com parlamentares da bancada ruralista e ontem à tarde, depois de uma palestra na Embrapa Cerrados, o motivo oficial da visita, trancou-se por mais de uma hora no gabinete do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues. O que o especialista falou ao ministro, ele usará como argumento de peso com os senadores para mudar o texto votado pelos deputados. Vencido nas votações na Câmara, Rodrigues trabalha para que os interesses dos proprietários de terra desta vez sejam mais fortes.

O objetivo de toda movimentação é retomar o texto elaborado pelo ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, quando era líder do governo na Câmara. Rebelo, com a bênção do chefe da Casa Civil, José Dirceu, garantia poderes totais à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), formada por 27 doutores, para decidir sobre pesquisas, plantio e comercialização de produtos contendo organismos geneticamente modificados. Depois da articulação de Marina Silva, o projeto mudou para garantir a interferência do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama). O órgão opinará antes de permitir a plantação e comércio de transgênicos. A CTNBio passou a ter poderes apenas em relação à pesquisa.

Mudança
Ao lado do ministro da Agricultura no tabuleiro, está o senador Jonas Pinheiro (PFL-MT). Com os detalhes do projeto de Biossegurança na ponta da língua, Pinheiro já procurou os relatores da matéria nas comissões do Senado, entre eles o novo líder do governo no Congresso, Fernando Bezerra (PTB-RN). Para defender mais liberdade na venda de transgênicos, o senador conta com o apoio da bancada do Centro-Oeste.

Na região, a soja transgênica está confinada por enquanto em algumas plantações do Mato Grosso do Sul, mas os produtores do Centro-Oeste só aguardam o resultado da nova lei para também entrar no negócio, garante o senador. Espelham-se no exemplo de empresários do Rio Grande do Sul. Lá, os plantadores de soja transgênica colheram dez milhões de toneladas ano passado, que renderam R$ 7 bilhões ao setor, segundo dados da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).

Com esses números em mãos, o vice-presidente da CNA, Carlos Sperotto, também se movimenta para mudar o projeto de Biossegurança no Senado. Adotou a estratégia nesta segunda fase de pressionar representantes de setores fora da agricultura. Deseja que profissionais da área médica dividam a campanha em favor do projeto, que trata ainda da clonagem de órgãos com fins terapêuticos. ''Este assunto está sendo encarado como tema que interessa apenas à agropecuária'', justifica Sperotto.

Impacto ambiental
Para tentar retomar o projeto de Rebelo é que um grupo de cientistas também peregrina pelos gabinetes do Senado. Integrantes da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio), acusados pelos ambientalistas de defender interesses da Monsanto, empresa multinacional produtora de transgênicos, visitaram até ontem 30 senadores. Querem diminuir a ação do Ibama. ''Qual instituição vai investir em pesquisa e esperar cinco, dez anos por um estudo de impacto ambiental, com exigências absurdas?'', questiona a presidente da Anbio, Leila Oda.

Para responder à ofensiva dos ruralistas, ambientalistas e Marina Silva também se articulam. Representantes da organização não-governamental (ONG) Greenpeace imprimem os documentos para levar aos gabinetes dos senadores. E a ministra tem as primeiras conversas com os aliados para transmitir a estratégia. A regra será manter intacto o projeto. ''A avaliação é de que o texto é bom, resultado de um acordo amplo, e adequado para os interesses do país'', resume o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco.

Em seu apoio, Marina terá o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e o Movimento de Trabalhadores Sem-Terra (MST). Mas será árdua a tarefa de manter o texto, reconhecem aliados da ministra. O senador Sibá Machado (PT-AC), por exemplo, suplente da ministra no Senado, acredita na vitória, mas por uma margem mínima de votos após uma disputa acirrada. ''Em votações complexas como essa, os projetos são aprovados com pouca diferença de votos'', prevê. ''Teremos uma debate acalorado parecido com a reforma da Previdência''.

O que são os produtos geneticamente modificados
Os transgênicos são produtos que sofrem manipulações genéticas, com a adição de genes de outros organismos ao genoma que se deseja modificar. No caso da agricultura, os produtos passam por tal processo de biotecnologia para ficarem resistentes a pragas ou doenças.

CB, 12/02/2004, Política, p.3

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.