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Guerra do clima

FSP, Ciência+saúde, p. C11
19 de Fev de 2015

Guerra do clima
Pedidos de quebra de sigilo de cientistas crescem com a proximidade da Cúpula do Clima de Paris e acentuam embate sobre aquecimento global nos EUA

Rafael Garcia Enviado Especial a San Jose (EUA)

A animosidade entre climatologistas e grupos que questionam a atribuição do aquecimento global às emissões de CO2 tem crescido, e uma nova guerra pelo controle da informação começa a ser travada nos bastidores, principalmente nos EUA.
Os métodos usados nesse embate, porém, são diferentes daquele usado às vésperas da Cúpula do Clima de Copenhague, em 2009, quando diversos cientistas tiveram e-mails roubados e vazados na internet.
Agora, céticos do clima usam pedidos formais, baseados em leis de acesso à informação, para tentar quebrar o sigilo de correspondência dos pesquisadores.
"Veremos uma escalada similar à medida que a Cúpula do Clima de Paris se aproxima, no fim de 2015", disse o climatologista Michael Mann, da Universidade do Estado da Pensilvânia, em palestra no encontro da AAAS (Associação Americana para o Avanço da Ciência), em San Jose.
Do encontro em Paris deve sair um novo acordo internacional para combater o aquecimento global, no lugar do Protocolo de Kyoto.
"Vai haver um esforço para confundir o público e os formuladores de politicas", afirmou Mann.
As petições que buscam quebrar o sigilo de e-mail e anotações de cientistas em geral alegam suspeita de fraude e se baseiam em leis de transparência de informações que garante acesso a documentos produzidos por funcionários de governo.
Segundo um novo relatório da ONG Union of Concerned Scientists, esse tipo de abordagem a climatologistas cresce desde 2010, quando o promotor Ken Cuccinelli intimou a Universidade da Virgínia a liberar e-mails e anotações de Mann, que trabalhou para a instituição.
O processo se estendeu por quatro anos e, mesmo com decisão favorável ao cientista, longas horas foram consumidas para discussões com a própria universidade --que ameaçava liberar os dados temendo ser punida.
Mann foi o único a travar uma disputa pública. Mas, segundo a AGU (União Americana de Geofísica), questionamentos do tipo têm se direcionado a cientistas de instituições como Nasa, NOAA (agência oceânica e atmosférica) e o Departamento de Energia. Alguns desistem de travar a batalha legal.
Steven Dyer, da Universidade Commonwealth da Virgínia, achou que passar mais de 100 horas compilando mensagens para responder a petições seria menos dispendioso e interrompeu seu período sábatico para fazê-lo.
A entidade autora da petição --o centro de estudos conservador American Tradition Institute-- passou então a exigir seus "livros de registro". Essa e outras entidades recebem verbas da indústria do petróleo.
"Eles acham que temos um livro onde os pós-graduandos relatam o que estão fazendo", diz Michael Helpern, autor do relatório da Union of Concerned Scientists.
Desde 2011, o congresso anual da AGU tem centro jurídico a disposição de cientistas de clima, que os orienta sobre como agir nesses casos.
"No último ano, tive muito trabalho", conta a advogada Lauren Kurtz. Ela dirige agora o Fundo para Defesa Legal da Ciência do Clima, que levanta recursos para atender a cientistas assediados.

Cientista não merece privilégio de sigilo, diz crítico

Para o meteorologista Anthony Watts, a principal voz entre os grupos que questionam a ciência vigente do aquecimento global, a ONG Union of Concerned Scientists busca criar um foro privilegiado para cientistas patrocinados por verbas federais, para que estes não sejam submetidos às mesmas exigências que outros funcionários públicos.
"O Fundo Para Defesa Legal da Ciência do Clima, uma ideia levada à frente, ao que parece, especificamente para Mann, parece ser mais um instrumento de ataque do que de defesa", escreveu Watts em seu blog, um dos sites de maior audiência com artigos questionando a ciência do aquecimento global.
Segundo o meteorologista, a aparição de Mann no encontro da AAAS reclamando do assédio a cientistas foi só um factoide com a intenção de dar publicidade a seu livro.
Para o climatologista da Pensilvânia, porém, os ataques a seus colegas têm um efeito perverso, com cientistas se amedrontando.
"Tenho visto cientistas indo contra próprias suas convicções e aguando suas descobertas, dando muito destaque a suas limitações e enterrando a parte mais importante daquilo que descobriram", diz Mann. "Esses ataques têm sido eficientes."
O cientista menciona o caso do periódico de psicologia "Frontiers in Psychology" que publicou um estudo ligando a mentalidade conspiratória ao tipo de lógica que leva alguém a não acreditar na ciência do clima.
A revista decidiu anular a publicação do estudo depois de ser pressionada por grupos que rejeitam a causa humana do aquecimento global. Os editores declararam confiar na validade do estudo, mas disseram não ter como arcar com os custos legais de levar o caso aos tribunais. (RG)

FSP, 19/02/2015, Ciência+saúde, p. C11

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/208751-guerra-do-clima.sh…

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/208752-cientista-nao-mere…

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