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Guerra de palavras

CB, Brasil, p. 10
09 de Dez de 2008

Guerra de palavras
Governador de Roraima defende demarcação da reserva em ilhas e diz que índios são manipulados por ONGs. Líderes das tribos rebatem declarações. Supremo Tribunal Federal retoma julgamento sobre a área amanhã

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

Preocupado com o resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal que vai decidir sobre a constitucionalidade da demarcação em área contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), afirmou ontem que os índios estão sendo "usados por interesses escusos internacionais" no processo. Questionado três vezes sobre a acusação, ele se recusou a dar nomes, mas insinuou que mineradoras estrangeiras não querem que o Brasil desenvolva todo o potencial no que diz respeito às riquezas naturais.

Mesmo sem dizer de onde tirou essa informação, Anchieta Júnior garantiu que o mapa de todas as terras indígenas brasileiras coincide com os locais onde há mais riquezas minerais e insinuou que o país se submete a desmandos dos Estados Unidos. "Antigamente, o Brasil tinha dependência econômica do FMI (Fundo Monetário Internacional). Mas hoje não precisa mais disso, pois tem suas próprias reservas cambiais." Por meio da assessoria de imprensa, a Fundação Nacional do Índio (Funai) respondeu que o órgão do Ministério da Justiça "submete-se única e exclusivamente aos interesses da União e dos povos indígenas, conforme determina a Constituição".

O governador afirmou que 80% dos 19 mil índios de cinco etnias que vivem na reserva são contrários à demarcação em áreas contínuas, pois dependem economicamente dos fazendeiros e das benfeitorias do estado. "Os índios já criaram uma dependência salutar dos não-índios e do governo estadual. Criar uma área contínua vai deixá-los isolados como em um zoológico humano."

"Isso é uma mentira. Os fazendeiros fazem a cabeça de alguns índios, dão um trocadinho para eles e os manipulam. Por que precisaríamos dos arrozeiros? Nós sabemos nos virar, não precisamos trabalhar de escravo para os outros", reagiu o coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Dionito José de Souza. Ele negou as acusações, feitas por Anchieta Júnior, de que o CIR recebe dinheiro de organizações internacionais para defender interesses estrangeiros. "Recebemos o apoio de algumas ONGs, sim, mas não é para nada disso. É um apoio institucional", disse.

Soberania
Para sustentar o argumento de que a demarcação é "absurda", como definiu, o governador voltou a alegar que a reserva em área contínua ameaça a soberania nacional, por ter cerca de 2 mil quilômetros nas fronteiras com a Venezuela e a Guiana. "O artigo número 4 do decreto de homologação diz que a Polícia Federal e as Forças Armadas devem garantir a segurança. Não existe ameaça alguma", rebate Joênia Wapichana, líder indígena que vive em Raposa Serra do Sol e é uma das advogadas que defendem a demarcação conforme o decreto presidencial de 2006. Ontem, ela participou de uma cerimônia no Ministério da Justiça, na qual índios moradores da reserva fizeram um ritual, pedindo que os ministros fossem iluminados durante o julgamento.

Embora tenha afirmado que o estado de Roraima vai respeitar a decisão da Justiça, qualquer que seja ela, o governador mandou um recado ao governo federal. Disse que há riscos de conflitos e que "toda responsabilidade sobre a segurança é federal". Segundo ele, pode haver briga entre índios favoráveis e contrários à demarcação contínua, deixando os produtores rurais de fora do possível confronto. Irritado quando perguntado se os fazendeiros não estariam se armando, conforme denúncia feita por índios em agosto, data da primeira sessão do julgamento, disse que não estava em Brasília para "defender os interesses dos arrozeiros".

De acordo com o governador, a questão não se resume a arrozeiros versus índios. Ele argumenta que existem provas em cartórios de que não-índios chegaram à região antes das tribos e obtiveram a posse da terra já na primeira década do século 20. A advogada Joênia Wapichana explica que Anchieta Júnior pode estar certo sobre a presença dos brancos no local, mas que ele desconhece um artigo da Constituição que anula a posse de propriedades em terras indígenas.

"Não haverá resistência"

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, discordou do governador de Roraima, José Anchieta Júnior, sobre a possibilidade de conflitos na terra indígena Raposa Serra do Sol devido ao julgamento que será retomado amanhã pela Corte. "Não haverá resistência. Podemos ter aqui ou acolá críticas à decisão, mas ela, certamente, será cumprida", disse o ministro à Agência Brasil.

Gilmar Mendes disse ainda que o julgamento não vai tratar apenas do caso de Raposa Serra do Sol, mas deve servir para dar diretrizes seguras para a demarcação de novas terras. "É natural que possa haver alguma discussão que vá além do caso concreto de Raposa", afirmou.

Para o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, uma decisão contrária à demarcação contínua poderá abrir "brechas perigosas" em relação às demais áreas indígenas do país. "A demarcação contínua garantirá que todas as terras sejam preservadas", defendeu.

CB, 09/12/2008, Brasil, p. 10

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