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A guerra aos sujos

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: NOVAES, Washington
27 de Fev de 2004

A guerra aos sujos

Washington Novaes

No mundo todo, os chamados ambientalistas comemoram, desde a semana passada, duas vitórias importantes. Primeiro, a 50.ª ratificação da Convenção de Estocolmo, que permitirá a entrada em vigor, em 90 dias, desse tratado internacional que pretende banir no mundo a produção, uso e disposição final de substâncias tóxicas - principalmente os "12 Sujos", que incluem nove pesticidas e PCBs (bifenilas policloradas), assim como subprodutos involuntários, entre eles as dioxinas e furanos, que provocam câncer. A segunda vitória é a entrada em vigor, nesta semana, da Convenção de Roterdã, um sistema de alerta no comércio de pesticidas perigosos. Ela exige que o país importador seja informado quando um pesticida ou produto químico é banido em outro(s) país(es) por implicar riscos à saúde ou ao meio ambiente.
E dá ao país receptor o direito de barrar a entrada do produto.
Nem tudo são flores. Os Estados Unidos ainda não ratificaram a Convenção de Estocolmo. No Brasil, ela tramita pelo Congresso, para homologação, e depende de sanção presidencial. Mas os "ambientalistas" têm mais a comemorar: a União Européia está cancelando a aprovação de herbicidas à base de atrazine (os mais usados nos EUA nas lavouras de milho, cana e sorgo), já banidos pela França, Dinamarca, Alemanha, Noruega e Suécia. Estudos recentes responsabilizam essa substância por anormalidades nas funções sexuais de rãs e pela alta incidência de câncer da próstata em trabalhadores de empresas produtoras. Essa substância está incluída entre os "12 Sujos".
Em compensação, ainda não está terminada a batalha para que a Europa decrete o banimento total dos quatro últimos promotores de crescimento usados na alimentação de animais e já proibidos na pecuária leiteira dos EUA e da própria Europa. Estudos mostram que podem favorecer a proliferação de bactérias e vírus super-resistentes aos antibióticos, também usados em seres humanos.
Em outro front, como já foi comentado neste espaço, a Europa quer exigir que se reduza em até 100 vezes o limite de resíduos de 320 pesticidas em produtos que importa, entre eles soja, laranja e café. Há no Brasil quem aponte essa ameaça como protecionismo comercial disfarçado, porque as exportações brasileiras nessa área já têm alto significado econômico. Pode ser que haja isso também. Mas a segurança alimentar está-se tornando obsessão no mundo todo. De qualquer forma, a União Européia já está anunciando que a partir de 2007 banirá também o aldicarb, muito usado em várias culturas.
É uma tendência que cresce, ao mesmo tempo em que avança o comércio de insumos químicos, que inclui herbicidas, fungicidas e inseticidas, além de fertilizantes. Ele já se aproxima dos US$ 30 bilhões anuais, altamente concentrado nas 10 maiores empresas do setor, que detêm 80% do faturamento.
A concentração está também no comércio de sementes, onde as 10 maiores detêm um terço das vendas de US$ 23,3 bilhões, e em outros produtos para animais, onde ficam com 62% do faturamento de US$ 13,4 bilhões.
No Brasil, só o comércio de fertilizantes significou 21 milhões de toneladas em 2002 e pode ter crescido mais 10% no ano passado. Na área dos pesticidas, 60% das vendas cabem aos herbicidas. O País já é o terceiro maior consumidor mundial de insumos químicos, com um valor anual em torno de US$ 2,5 bilhões.
Mas em consumo de princípio ativo por hectare é o nono colocado (o primeiro lugar cabe à Holanda). Já se prevê que, com a expansão das monoculturas, principalmente em Mato Grosso e no Tocantins, o Brasil estará em breve passando para o segundo lugar.
Tanto a Organização Mundial de Saúde como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) têm-se mostrado muito preocupadas com essa área, por dois motivos: 1) uso de produtos obsoletos; 2) problemas para a saúde humana.
Em 2002, diz a FAO, havia no mundo 500 mil toneladas de pesticidas obsoletos (120 mil só na África), que significam riscos para as lavouras e para os consumidores. Já a Organização Mundial de Saúde, há mais de uma década, contabilizava 3 milhões de casos de envenenamento por pesticidas no mundo a cada ano e 20 mil mortes. Estudo bem mais recente conduzido pela Universidade de Cingapura em quatro países lhe permitiu deduzir que hoje são 25 milhões de casos anuais nos países ditos em desenvolvimento. Este balanço menciona 700 mil casos de dermatoses, 37 mil casos de câncer de pele, dezenas de milhares de intoxicações por organofosforados e de tentativas de suicídio. O pesquisador brasileiro Sérgio Koifman, da Fundação Oswaldo Cruz, que estuda a relação entre agrotóxicos e infertilidade, verifica a hipótese de os pesticidas prejudicarem a cadeia hormonal humana. Espermogramas acusam redução da quantidade e qualidade dos espermatozóides em seres humanos e mamíferos, assim como se verifica aumento de casos de câncer da próstata, dos testículos, da mama, ovário e tireóide entre pessoas que trabalham com esses insumos.
Pesquisa da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com produtos à venda em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco acusou excesso de resíduos de agrotóxicos (além do que a legislação permite) em 22,17% das frutas, legumes e verduras pesquisados, principalmente alface, cenoura, laranja, mamão, morango e tomate. Só 18,8% das amostras não tinham nenhum resíduo. Mais grave ainda, foram encontrados resíduos de pesticidas não autorizados em 74 amostras. Quando a pesquisa foi divulgada, a Secretaria paulista de Agricultura informou ter apenas 150 agrônomos e 300 técnicos para fiscalizar 400 mil propriedades rurais.
A preocupação mais recente na área no Brasil está em um herbicida (paraquat) incluído entre os "12 Sujos", que se anuncia será usado em larga escala na dessecação da soja transgênica. Ele já foi banido em 14 países, entre eles Estados Unidos e cinco da União Européia, apontado como gerador de graves problemas de saúde. Mas está autorizado aqui.
Não haja dúvida: o tema vai esquentar muito mais, com a seqüência de dramas que se vive hoje na área da segurança alimentar.

Washington Novaes é jornalista

OESP, 27/02/2004, Espaço Aberto, p. A2

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