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Guardiões da floresta: a mata atlântica ainda prospera no vale do Ribeira

Horizonte Geográfico n. 152, abr., 2014, p. 58-63
30 de Abr de 2014

Guardiões da floresta: a mata atlântica ainda prospera no vale do Ribeira
No vale do Ribeira, ao sul do estado de São Paulo, a natureza resiste às pressões e os quilombolas zelam pela mata Atlântica

Texto Sucena Shkrada Resk
Foto: Caio Vilela

Onde começa a floresta e termina a horta? Sob a sombra das árvores, Benedito da Silva, 58 anos de idade, caminha pela roça com a intimidade de quem vive da terra. "Ditão", como ele é conhecido entre os moradores do Quilombo de Ivaporunduva, é mais ligado a esse pedaço de mata Atlântica do que se possa imaginar. Sob esse chão estão enterrados, junto às touceiras de bambu, os umbigos de várias gerações de sua família. No passado, quando os parentes da gestante recebiam da parteira o cordão umbilical cortado, era preciso enterrá-lo às pressas para garantir que o bebê tivesse rumo na vida. Uma crença tão antiga quanto a jabuticabeira centenária plantada pela avó de Ditão. Aos pés da árvore carregada de frutos, o homem distancia o olhar. Depois de um silêncio tomado por memórias, diz: "Ela está aqui há 300 anos".

No quilombo, localizado no município paulista de Eldorado, no vale do Ribeira, a 242 quilômetros de São Paulo, há muito mais do que jabuticabas: bananas de diferentes tipos, milho, mandioca, taioba, chuchu. Há, também, várias espécies de palmeiras, com destaque para a juçara. Nativa, e de comércio proibido, essa variedade tem seu fruto explorado, de forma controlada, por Ditão e seus companheiros. Durante a coleta, os homens preservam o caule (muito apreciado na culinária brasileira) para garantir a sobrevivência da própria árvore: é que, quando se extrai o palmito da juçara, a planta perece.

Uma variedade diferente é cultivada no Quilombo de São Pedro, também em Eldorado, onde a comunidade planta, além de hortaliças e legumes, a palmeira pupunha, espécie exótica adaptada à região. Ali, José da Guia Morato, 38, está de casa nova. Feita de alvenaria, foi construída ao lado da antiga moradia de pau a pique na qual ele nasceu. "Para tentar uma vida diferente", relata Morato, "muita gente foi embora daqui, mas depois voltou." A oferta de alimento e o modo de vida tradicional parecem funcionar como um irresistível chamado para os filhos desse preservado trecho de mata Atlântica.

Patrimônio da humanidade
No vale do Ribeira se encontra um dos mais extensos e conservados fragmentos da floresta original do bioma. Além da natureza, o amontoado de morros e vales foi capaz de manter redutos usados por negros fugidos da escravidão - comunidades voltadas à pesca artesanal nos estuários, manguezais, costões rochosos e restingas do trecho litorâneo. Ao percorrer as estradas de terra que margeiam o rio Ribeira de Iguape, o que se avista são oásis de mata nativa entre plantações de banana e pupunha, hoje as principais fontes da economia local. Mas agora novos atores estão para entrar em cena e causam apreensão.
O reduto de floresta verdejante é alvo de projetos de mineração e de construção de usinas hidrelétricas, perspectivas conflitantes para a área onde está concentrado o maior número de cavernas calcárias do Brasil - um potencial turístico ainda não explorado por inteiro e que, de tão importante, rendeu à região o título de Patrimônio Natural da Humanidade, outorgado em 1999 pela UNESCO graças ao reconhecimento da importância do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar). Por outro lado, os 23 municípios dos arredores apresentam alguns dos mais baixos índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado de São Paulo. Faltam serviços básicos de saneamento e infraestrutura.
O que não falta é contato com a floresta. Depois de discorrer sobre a importância se manter intacta a vegetação na beira dos rios, Ditão dá uma aula: "O jaborandi dá frutos em fevereiro e o quati e outros animais vêm comer. Já o jatobá é alimento de aves verdes de bico redondo, como o periquito, além de macacos, como o bugio e o mono-carvoeiro. Quando as frutas caem no chão, eles comem a massa e deixam o caroço. Aí, as pacas, as cotias e os porcos-do-mato também matam a fome e ajudam a espalhar as sementes".
Sementes apreciadas também pelos humanos. Os quilombolas cultivam variedades tradicionais {crioulas}, que constituem um traço importante da cultura do vale. As comunidades realizam a cada ano a Feira de Sementes e Mudas, com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA), ONG atuante na região. O evento, que acontece no mês de agosto, foi criado para divulgar as variedades locais, como o arroz do seco.
Outro cultivo bastante tradicional, como se sabe, é o da banana. A partir do ano 2000, os moradores da comunidade Ivaporunduva conquistaram a certificação do produto como orgânico. Eles também agregaram valor aos seus cultivos com a produção de artesanato baseado na fibra da bananeira, que é transformada em bolsas, tapetes e outros objetos.
As novas atividades econômicas resultaram em mudanças sociais e as mulheres ganharam espaço. "Desde 1994 sou artesã e faço peças com palha de banana", diz Aracy Pedroso, 69. "Ajuda a gerar renda e a descobrir o nosso valor. Hoje estudamos e lutamos pela floresta", conta.
Além da banana, a cultura do palmito pupunha foi bastante disseminada. De acordo com o cientista social Nilto Tatto, coordenador do Programa do Vale do Ribeira, do ISA, a pupunha tem se difundido pela área por diferentes motivos, entre eles a adaptação dessa espécie amazônica ao clima quente e úmido, o fato de se reproduzir no roçado inúmeras vezes de um mesmo tufo e o curto ciclo até a colheita, que é de até cinco anos, quase a metade do juçara.

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Horizonte Geográfico n. 152, abr., 2014, p. 58-63

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