VOLTAR

Guaranis mostram filmes próprios em mostra indígena

Folha de São Paulo (São Paulo - SP) - www.folha.uol.com.br
Autor: Edwirges Nogueira
11 de Ago de 2015

Desde criança, Ariel Ortega, 30, via repórteres e cineastas visitarem sua aldeia, Koenju, em São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul), gravarem imagens da rotina local, e irem embora sem nunca mais voltar. Sua curiosidade pelo cinema era alimentada à distância, até o dia em que pegou em uma câmera.

O resultado desta experiência será exibido nesta sexta-feira (14) na 1a Mostra Agosto Indígena, que acontece até dia 19 de agosto no Cine Olido, em São Paulo. O evento é organizado pelo Centro de Trabalho Indigenista (CTI) em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura.

"Queria fazer do meu jeito, mostrar o olhar de dentro da aldeia, e não de fora", diz Ariel, falando por telefone do Canadá, onde participava de um intercâmbio cultural com o povo Inuit.

O filme que irá apresentar, "Bicicletas de Nhanderú", sobre a espiritualidade no cotidiano dos mbya-guarani, foi gravado em 2012 com a colega Patricia Ferreira, como resultado do projeto Vídeo nas Aldeias -que realiza desde 1997 oficinas de audiovisual em comunidades indígenas. Hoje, no site do projeto, criado pelo antropólogo e documentarista Vicent Carelli, há mais de 70 vídeos disponíveis, falados em línguas locais (com legendas em português).

"O objetivo dos filmes é que as pessoas vejam os problemas que envolvem a aldeia", conta Patrícia, 29, que já levou a produção para ser exibida nos Estados Unidos e na França. "Nossos filmes passam mais em outros países do que no nosso próprio", completa Ariel.

O Retorno da Terra Tupinambá

Assim como eles, o guarani Wera Alexandre Ferreira apresentará uma produção própria, "Guairaka'i ja - O Dono na Lontra", feito em 2012 quando realizava um trabalho em uma aldeia próxima.

"[O vídeo] não foi planejado. Fui enviado a uma aldeia para gravar um ritual da planta guembe. Um dia me acordaram para filmar um acontecimento. Um jovem tinha pego uma lontra e eles mostraram como, entre os guaranis, não se pode matar o animal, porque o espírito-dono dele pode levar algum membro da sua família".

Wera, 20, teve seu primeiro contato com a câmera em 2009, quando morava na aldeia no Rio Grande do Sul. Hoje mora em São Paulo e realiza edições de vídeo para o CTI.

Desde que participaram de sua primeira oficina, os três continuaram envolvidos com audiovisual, e planejam projetos futuros: Wera trabalha em um documentário sobre a yvyrupa, ou território guarani, localizado entre Brasil, Argentina e Paraguai. Patrícia já tem o primeiro corte de um curta sobre o papel da mulher na aldeia, protagonizado por sua própria mãe. Ariel planeja uma ficção-documentário sobre a lenda de um índio que se transforma em onça.

OLHAR DE FORA

A mostra, que teve início no dia 5, exibe também filmes feitos por não indígenas, mas que têm como temática questões relacionadas à luta pela terra ou à relação entre os povos. Até agora, foram exibidos "À Sombra de um Delírio Verde" (2011), de Cristano Navarro, e "A Nação que Não Esperou por Deus", de Lucia Murat.

No dia 18, às 15h, será a vez "O Retorno da Terra Tupinambá" (2015), média-metragem da jornalista e antropóloga Daniela Alarcon sobre a disputa por terras no sul da Bahia, mostrada pela perspectiva dos Tupinambás -que há dez anos esperam a conclusão de um processo de demarcação. Após a exibição, a primeira do filme em São Paulo, a diretora participará de um debate ao lado do cacique Babau, preso em abril do ano passado por suspeita de ter assassinado um produtor rural da região. Ele foi solto alguns dias depois.

"Acho um momento importante para o cinema indígena. Não só o feito por eles, mas também o que aborda questões importantes para os índios. Espero que os brasileiros possam entender mais e quebrar esse preconceito que têm", diz a diretora, que gravou o filme em cinco dias com dinheiro arrecadado por meio de uma campanha de financiamento coletivo.

Para ela, a divulgação do cinema indígena faz parte de um processo mais amplo, que envolve da chegada de tecnologia às tribos ao ingresso dos índios nas universidades.

"Ter a oportunidade de apresentar a perspectiva deles, como sujeitos produtores de suas histórias, é muito interessante. Passamos a ver esse grupo de outro lugar de fala. A chegada de câmeras e celulares, por exemplo, tem permitido inclusive que eles registrem a violência pela qual passam."

A mostra é acompanhada ainda da exposição "Nhande kuery São Paulo Pygua - Os guarani da cidade de São Paulo", com fotografias, vídeos e objetos tradicionais guarani.

1a MOSTRA AGOSTO INDÍGENA
QUANDO até 19 de agosto
ONDE Cine Olido, av. São João, 473, tel: (11) 3331-8399
QUANTO R$ 1
Veja a programação completa aqui.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/08/1668126-guaranis-apresen…

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.