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Guarani depõe na Procuradoria da República e pede providências quanto às arbitrariedades na expulsão de Eldorado do Sul

CTI - www.trabalhoindigenista.org.br
07 de Jul de 2008

Ministério Público Federal

Procuradoria da República no Rio Grande do Sul

TERMO DE DEPOIMENTO

Aos dois dias do mês de julho de dois mil e oito, estiveram nesta Procuradoria da República, situada à Praça Rui Barbosa no 57, os Srs. Santiago Franco e José Cirilo Pires Morinico, indígenas Mbyá-guarani, para relatar acontecimentos ocorridos no dia primeiro de julho no Município de Eldorado do Sul com grupos familiares mbyá que estavam próximo ao Arroio do Conde, na faixa de domínio da estrada. Santiago falou que o local é antigo caminho guarani, que Cirilo complementou dizendo que este é o jeguatá tapé porã. Seguiram dizendo que ali tem um cemitério antigo e que o xeramói Anúncio Benitez morou por ali há uns quarenta anos atrás. Informaram que, neste local, chegou o Oficial de Justiça - Bruce -, dizendo que veio para "retirá-los de qualquer forma", estando acompanhado de um Batalhão da Brigada Militar, do Conselho Tutelar de Eldorado do Sul e de servidores da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (FEPAGRO). Na ocasião, o Oficial de Justiça fez a leitura do mandado, informando que deveriam sair do local onde estavam, pois "a área era de propriedade da FEPAGRO". Diante isso, Santiago falou ao Oficial de Justiça que eles não eram indígenas Kaingang, tal como expressado no mandado, e que, além disso, não haviam passado a cerca que delimita a propriedade. Sugeriu ao Comandante da Brigada Militar que era preciso ir com calma para não assustar as crianças, mas que, diante disso, o Comandante falou que, caso "eles colocassem as crianças na frente, estariam sendo índios covardes". Falou ao Oficial Bruce que pedia a presença da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) no local e, assim, deu ao Oficial o número telefônico do Administrador Regional da FUNAI de Passo Fundo, João Alberto Ferrareze. Em seguida, Santiago foi informado pelo Comandante da Brigada Militar que um representante da FUNAI somente poderia deslocar-se até o local na parte da tarde e que, diante disso, havia sido realizado contato telefônico com a Juiza Luciane di Domenico, a qual teria autorizado a continuidade do cumprimento do mandado, mesmo sem a presença da FUNAI. Então, o Oficial de Justiça perguntou para onde gostariam de ir e Santiago disse que não decidiria naquele momento, pois gostaria de esperar a presença da FUNAI. Santiago afirmou que, na visão dos mbyá, eles estavam buscando um entendimento pacífico com a Brigada e com o Oficial Bruce, procurando dialogar sobre o que estava acontecendo e solicitando a presença de outras instituições responsáveis pela questão indígena no país. Nesse momento, os membros do Conselho Tutelar disseram que estavam ali para levar as crianças. Depois disso, Santiago afirma que foi algemado por "não estar cumprindo a decisão do juiz" e por "desobediência", sendo levado, então, para o micro-ônibus da Brigada. Enquanto estava sendo conduzido, percebeu que chegavam ao local Luiz, Gustavo, Jota e Guilherme, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Depois de trinta minutos, aproximadamente, foi transferido para uma viatura policial, sendo colocado na parte traseira do "camburão", e levado ao hospital para realizar um exame. Chegando lá, o colocaram na frente de um médico que nem falou com ele e tampouco o examinou. Retornaram, então, ao arroio do Conde e retiraram suas algemas, falando que deveria subir diretamente no ônibus. Nesse momento, Santiago pediu para verificar se todos os pertences do grupo tinham sido recolhidos, lembrado por suas crianças que alguns animais teriam ficado para trás, principalmente um galo que sua esposa recém havia ganho de seu sobrinho, Jorge Morinico, filho do cacique da Lomba do Pinheiro, José Cirilo Morinico. O referido galo foi dado de presente para trazer alegria e força, pois a esposa de Santiago está bastante doente. Com isso, caminhou até o local onde estavam, pedindo novamente aos policiais que aguardassem a chegada de algum representante da FUNAI. Porém, nesse momento, um dos policiais disse que já haviam aguardado o suficiente e que iriam algemá-lo novamente para poder iniciar o deslocamento. Assim, o policial levou-o à força, empurrando-o para dentro do ônibus e dizendo que ali deveria ele permanecer. Nesse momento, Santiago perguntou para onde estavam sendo levados, dizendo que gostariam de ir para a Lomba do Pinheiro. Não obteve resposta, ouvindo apenas que "não tinha mais conversa". Dentro do ônibus, estavam junto com ele os demais Guarani, não havendo presença de nenhum policial. Santiago percebeu que uma viatura policial estava conduzindo o ônibus e que não estavam indo na direção da Terra Indígena Lomba do Pinheiro. Ligou, então, para João Ferrareze, da FUNAI, na intenção de que o local de destino respeitasse o desejo guarani e, assim, foi informado por João que o indigenista Francisco Witt estava sendo enviado pela FUNAI para negociar esta decisão. Chegaram na Terra Indígena Coxilha da Cruz por volta das quatorze horas, descendo todos do ônibus, sempre afirmando sua vontade de ir até a Lomba do Pinheiro. Nesse momento, chegaram quatro carros ao local, trazendo os pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o professor José Otávio Catafesto de Souza, também da UFRGS, bem como o cacique da Lomba do Pinheiro, José Cirilo Pires Morinico, acompanhado de outros Guarani. Santiago, então, contou para o cacique Cirilo sua vontade de ir até a Lomba do Pinheiro e este, em resposta, afirmou que isso era tranqüilo. Então, a viatura policial e o ônibus deixaram o local, permanecendo apenas o caminhão da Prefeitura de Eldorado do Sul, com os pertencentes dos Guarani. Santiago afirmou que, então, os presentes se prontificaram em fazer contatos telefônicos visando a concretizar a vontade dos guarani de ir até a Lomba do Pinheiro. Após algum tempo, chegou ao local nova viatura policial trazendo o Comandante da Brigada Militar de Barra do Ribeiro, que, logo se dispôs em conseguir transporte para o deslocamento dos Guarani até a Lomba do Pinheiro, município de Porto Alegre. Ao final do dia, chegou ao local, em viatura da FUNAI, o indigenista Francisco Witt. Um tempo depois, chegou ao local um ônibus oficial, identificado como sendo da FEPAGRO, que realizou o deslocamento. Esse movimento foi acompanhado pelo caminhão da Prefeitura de Eldorado do Sul, trazendo os pertences guarani,e pela viatura da FUNAI.

Após o relato, enfatizaram que, enquanto povo indígena, seus direitos originários não foram respeitados e que a ação relatada teve vários equívocos. O local onde estavam é de ocupação tradicional guarani e, mesmo assim, nunca estiveram dentro da propriedade que se referia o mandado. Ressaltaram que a forma da ação foi muito agressiva culturalmente, deixando marcas nas mulheres e crianças, que ainda hoje estão assustadas, inclusive com relação a atuação do Conselho Tutelar. Não houve escuta aos Guarani, osquais sempre se pautaram pelo diálogo e a conversa com as diversas instituições, tal como é o seu modo de ser. Ressaltaram que as instituições responsáveis pela questão indígena, tal como a FUNAI e o Ministério Público Federal, precisam estar presentes nas situações que envolvem os Mbyá-guarani.

Nesse sentido, solicitam providências ao Ministério Público Federal. Nada mais havendo a relatar, eu , Guilherme Orlandini Heurich, lavrei o presente termo.

SANTIAGO FRANCO
JOSÉ CIRILO PIRES MORINICO

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