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Guaraná revela potencial econômico das plantas da Floresta Amazônica

O Globo, Economia, p. 29
16 de Ago de 2020

Guaraná revela potencial econômico das plantas da Floresta Amazônica

Famílias dedicadas ao cultivo melhoram de vida com produção sustentável, mas ainda falta estudar outros vegetais da região
Ana Lucia Azevedo

No calor de mais de 40oC, normal no Amazonas, o Rio Limão Grande tem o frescor que o nome sugere. Mas Ester Master e o marido, Sebastião Amaral, pouco olham para o rio sobre o qual se debruça sua casa. Preferem, por dever e coração, a floresta, sob a qual se esparrama seu guaranazal. É dele que tiram a renda que levou o filho à universidade e deu à família de pequenos produtores rurais conforto de cidade no meio da selva.

O guaraná materializa o potencial econômico da biodiversidade da Amazônia, da exploração sustentável da floresta para responder aos desafios do desenvolvimento. Mas a região, segundo estudo dos irmãos cientistas Carlos e Ismael Nobre, tem pelo menos 450 espécies da flora de uso tradicional cujo potencial ainda precisa ser estudado.

O guaraná é um dos poucos casos de planta nativa que se tornou viável em escala e a única marca global da Amazônia brasileira. Outros que seguem na mesma linha são a castanha e o açaí, cita Alfredo Homma, especialista em economia agrícola e política ambiental da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém. Há quatro décadas, ele diz, ouve falar de "biodiversidade abstrata", uma bioeconomia sem aplicação factível na floresta.

O desafio da Amazônia é organizar o manejo sustentável de sua riqueza biológica. Homma diz que o mero extrativismo - o pensamento de "se tem na mata, por que eu vou plantar?" - leva ao atraso e à destruição. Só a domesticação de plantas nativas de interesse alimentar, farmacêutico ou cosmético em áreas já impactadas, que padroniza os cultivares, aumenta a produtividade para viabilizar a produção.

Além do extrativismo
Homma destaca que o guaraná enquanto era apenas fruto do extrativismo não avançava. Ester, de 49 anos, personifica o sucesso do fruto. Ela chegou ao Amazonas aos 5, com os pais e os irmãos. A família deixou o Paraná seduzida pela promessa de prosperidade do governo militar. Foi para Maués, no centro do Amazonas, onde ainda só se chega de avião ou barco - está a 20 horas de Manaus por rios. O pai tentou cultivar guaraná, mas, sem assistência técnica rural, viu os esforços engolidos pela selva.

A filha descobriu outro caminho na escola. Não conseguiu levar os estudos além do ensino fundamental, mas aprendeu que guaraná comercial pega de galho e não de semente. Virou "capataz de campo", uma das raras mulheres no comando da roça. Num expediente que começa às 4h e se prolonga por 12 horas, comanda os homens da família e alguns empregados.

- É uma vida dura, mas não tenho do que reclamar. Conquistei tudo o que preciso. Minha vida hoje é muito melhor que a dos meus pais. E a dos meus filhos será melhor que a minha. Tudo com o guaraná - afirma Ester, que pagou com a produção os estudos dos filhos Rafael, de 30 anos, e Suelen, de 14, na cidade.

Rafael já terminou a universidade e se prepara para voltar, ajudar a aperfeiçoar a plantação e, um dia, substituir a mãe. A família Master está entre as que recebem algumas das 50 mil mudas de alta qualidade doadas por ano pelo Guaraná Antárctica, em Maués.

O município tem 900 produtores, um universo de 2.400 famílias. Cerca de 30 mil dos 63 mil habitantes vivem diretamente da produção do guaraná. A Bahia produz 70,3% do guaraná do país, mas o Amazonas, com 25,6%, se estabeleceu como origem do fruto, e seus produtores têm direito ao Registro de Identificação Geográfica, do INPI.

A maioria dos produtores está em comunidades às margens do Rio Maués-Açu e seus afluentes. Na São Jorge, 200 pessoas vivem do fruto orgânico que vendem para a produção do Guaraná Antarctica, e cujo excedente se preparam para exportar. Manoel Raimundo da Paz, o Seu Dico, de 75 anos, foi o primeiro dali a obter a certificação orgânica, que agrega valor na exportação.

Ramom Morato, coordenador de Produção Rural Sustentável do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesan) e do projeto Aliança Guaraná de Maués, diz que os mercados externos e internos estão em crescimento, o que estimula a produção. Por ser altamente dependente de mão de obra, cultivos como o do guaraná geram emprego e renda, acrescenta. Diferentemente de grandes plantações mecanizadas, como soja ou milho.

Sustentabilidade
Além disso, a produção de guaraná reduz a pressão sobre a floresta, porque o guaranazeiro é perene. Em geral, a árvore produz por 20 anos, mas pode chegar a 50 anos. Isso reduz o uso do fogo e a retirada de madeira, explica Morato.

Roosevelt Hada Leal, engenheiro agrônomo na Fazenda Santa Helena, do Guaraná Antarctica, diz que a produção só não é maior porque mudanças climáticas têm atrasado a floração, reduzindo a safra. Ainda assim, uma parceria com a Embrapa já resultou numa variedade com mais cafeína.

Para Alfredo Homma, a Amazônia precisa de pesquisa para transformar a bioeconomia de conceito em prática:

- Existem ilusões amazônicas, como a de que a floresta é inesgotável.

* A repórter viajou a convite da Ambev

O Globo, 16/08/2020, Economia, p. 29

https://oglobo.globo.com/economia/guarana-revela-potencial-economico-da…

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