O Globo, O País, p. 8
14 de Dez de 2008
Grupo se recusa a aceitar propostas de indenização
Casais de índios e não-índios temem ser separados
Os arrozeiros não são os únicos brancos - ou não-índios - que resistem em deixar Raposa Serra do Sol. De um total de 311 ocupantes ilegais da reserva, que estavam na área no início deste ano, 51 pessoas não aceitam negociar com o governo e se recusam a receber as indenizações propostas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão indigenista depositou em juízo cerca de R$ 5 milhões para esse grupo. Mas eles querem mais, muito mais, para deixar Raposa.
Dona de uma mercearia na Vila Surumu, no centro de Raposa, a comerciante Alaíde Rebouças diz que não sai da área por menos de R$ 100 mil. A Funai ofereceu a ela R$ 25 mil.
- Levo uma vida tranqüila, não incomodo ninguém, e minha família há décadas está na reserva. Antes mesmo de muitos índios. É segregação racial.
Se querem me tirar, que paguem decentemente - disse Alaíde.
O desempregado Antônio Almeida Lima é dono de uma pequena casa e de um quiosque na vila e também de uma história inusitada. No início do ano, foi preso por vender bebida alcoólica - cerveja Polar, da Venezuela - na reserva. Ficou nove meses numa penitenciária de Boa Vista. O bar funcionava no quiosque onde hoje está o posto de vigilância da Polícia Federal e da Força Nacional na vila. Quando ele saiu da prisão, os policiais já estavam lá. Para evitar problema e como ainda responde ao processo, resolveu não implicar com o quiosque. Pela casa, a Funai ofereceu R$ 15 mil.
Quer cinco vezes mais.
"Se tiver que sair, será uma grande discriminação"
O pastor Oséas Ribeiro diz que a Funai ofereceu R$ 20 mil pelo prédio de sua igreja, a Assembléia de Deus.
- A partir de R$ 60 mil dá para conversar - disse o pastor.
Oséas é um indígena e casado com uma não-índia. Casais como eles existem vários na reserva. Todos temem ser obrigados a deixar a reserva quando se consumar a decisão do STF. Nilo Carlos Coelho, que é branco, é casado com a macuxi Aldenora dos Santos. Eles têm dois filhos, e Aldenora está grávida de mais um. Nilo é funcionário do arrozeiro Paulo César Quartiero, onde trabalha como tratorista.
- Se tiver que sair daqui, será uma grande discriminação.
Vim buscar uma mulher indígena, me apaixonei, casei e tive meus filhos. Será que isso não prova que estou integrado a esse povo? - questiona ele.
Clóvis Pereira Costa, não-índio, é casado com a professora macuxi Maria Cecy Costa. Eles têm três filhos. Cecy teme até perder o marido, que poderia ser expulso da reserva.
- O que Deus uniu no casamento o Lula agora quer separar - disse Maria Cecy, que culpa o presidente da República pela situação. (Evandro Éboli)
O Globo, 14/12/2008, O País, p. 8
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