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Grupo quer recompor fauna de Era do Gelo

FSP, Ciencia, p.A22
18 de Ago de 2005

Ecólogos propõem substituir grandes mamíferos extintos na América do Norte por parentes vivos da África
Grupo quer recompor fauna da Era do Gelo
Cláudio Angelo
Editor de Ciência
Recriar os dinossauros numa ilha remota do Caribe, por enquanto, é terreno da ficção. Mas que tal recompor os mamíferos extintos da Era do Gelo na vastidão das pradarias da América do Norte? A proposta está sendo feita por um grupo de biólogos de instituições respeitáveis dos EUA. E, acredite, há quem a leve a sério.
Não se trata, diga-se logo, de algum truque da biotecnologia para ressuscitar mamutes, tigres dente-de-sabre ou outras figuras da chamada megafauna do Pleistoceno, extinta nas Américas há cerca de 13 mil anos. A proposta, desta vez, é povoar a América do Norte com parentes próximos desses animais que ainda sobrevivem: elefantes, cavalos, leões, guepardos e camelos, deixando-os ocupar os nichos ecológicos deixados vagos pelos seus primos.
"A idéia é promover ativamente a restauração dos grandes vertebrados selvagens da América do Norte, preferindo-os às pestes e ervas-daninhas que de outra forma dominarão a paisagem", afirma Josh Donlan, pós-graduando em ecologia na Universidade Cornell, em artigo na edição de hoje da revista científica britânica "Nature" (www.nature.com).
Afinal, argumentam Donlan e colegas de várias instituições acadêmicas dos EUA, há vários precedentes "ecológicos, evolutivos, éticos, estéticos e econômicos" para transformar o centro-sul dos EUA em Parque Pleistocênico.
Para começo de conversa, segundo os autores, a Terra não tem mais nada de "selvagem". A influência humana se faz sentir em todos os ecossistemas do planeta -e propostas de conservação em larga escala precisam levar em conta a possibilidade de manipulação desses ecossistemas.
Crime de responsabilidade
Depois, Donlan e seus colegas afirmam que a humanidade teve um papel na extinção da megafauna americana e que, portanto, teria uma espécie de obrigação moral de restaurá-la. A polêmica hipótese de que a culpa pelo fim de mamutes e companhia é dos humanos foi proposta na década de 1980 por Paul Martin, da Universidade do Arizona. Martin é co-autor do artigo na "Nature".
Um outro ponto (politicamente carregado) da proposta é que a megafauna sobrevive hoje apenas na África e na Ásia, continentes pobres, nos quais a ameaça de extinção no futuro próximo é alta.
Por fim, afirmam os autores, é preciso levar em conta que muitos animais hoje extintos na América do Norte, como os cavalos e os camelos, surgiram naquele continente. Portanto, estariam apenas sendo reintroduzidos. Uma reintrodução dividida em fases, que começaria com herbívoros e terminaria, no futuro, com leões e guepardos correndo soltos pelas pradarias. Para quem acha bizarro, Donlan dá um dado: já existem hoje 77 mil grandes mamíferos africanos e asiáticos em fazendas de caça do Texas.
A proposta soa maluca. Mas muitos biólogos vêem sentido nela. "Seria certamente a maior intervenção humana no planeta a favor de espécies silvestres", disse à Folha o zoólogo Mario de Vivo, do Museu de Zoologia da USP. "A idéia é um pouco chocante para mim. Mas o fato é que somos uma das maiores forças de transformação planetária em ação. Transformar na direção da conservação pode ser uma das saídas para a manutenção de parcelas da biodiversidade que demandam amplos espaços, como a megafauna."
O ecólogo Stuart Pimm, da Universidade Duke (EUA), diz que a idéia é a princípio factível. "Podemos trazer a megafauna de volta? Acho que sim. Muitos desses animais sobrevivem em fazendas no Meio-Oeste. Será que eles iriam se adaptar? Provavelmente."
Já os especialistas em Era do Gelo discordam. "Um projeto desses teria de supor a existência das mesmas espécies extintas para reintrodução, o mesmo clima e a possibilidade de criar um ambiente muito semelhante", diz o paleontólogo Jorge Ferigolo, da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. "Acho muito interessante, mas só para ganhar dinheiro. É uma palhaçada chamar isso de Pleistoceno."
Claro, ninguém consultou os africanos a respeito. "Essas realocações afetariam o turismo na África no futuro", disse à agência de notícias Associated Press Elizabeth Wamba, do Ifaw (Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal) no Quênia.

FSP, 18/08/2005, p. A22

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