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Grileiros ameaçam sobreviventes do massacre sofrido pelos Piripkura

Projeto Colabora - https://projetocolabora.com.br
Autor: MELO, Liana
13 de Out de 2020

Grileiros ameaçam sobreviventes do massacre sofrido pelos Piripkura
Mesmo suspensa pela Justiça, portaria da Funai incentiva grilagem e restringe indevidamente o direito dos indígenas às suas terras

Por Liana Melo | ODS 16 - Publicada em 13 de outubro de 2020 - 09:00 - Atualizada em 14 de outubro de 2020 - 09:07

Sobreviventes de um massacre promovido por madeireiros há 40 anos, Tamandua e Baita moram em fragmentos de floresta na Terra Indígena Piripkura, no noroeste do Mato Grosso. A dupla vive em isolamento voluntário na companhia apenas de um facão e de um machado. Tio e sobrinho não precisam de mais nada para sobreviver, a não ser, é claro, da floresta em pé. Sitiados no seu próprio território, a grilagem vem avançando em ritmo acelerado, fazendo com que a dupla corra o sério risco de sucumbir a um segundo genocídio na selva.

Dados de satélite mostram imagens de uma área de 360 hectares desmatadas entre agosto e início de setembro no centro da TI Piripkura. Foi uma destruição por corte raso, o que indica uma ação típica de grilagem. "Eles vivem sobre pressão constante em diferentes frentes de ataque", sintetiza Tiago Moreira, do Instituto Socioambiental (ISA). A nova frente de ataque é, possivelmente, reflexo, diz o antropólogo, de uma nova normativa da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Editada em abril, a Instrução Normativa número 9 facilita a ação de grileiros em terras indígenas ainda não homologadas - é o caso, por exemplo, da TI Piripkura. O Ministério Público Federal (MPF) de diferentes estados se mobilizaram. Em Mato Grosso, o Tribunal Federal da 1ª Região (TRF1) atendeu o pedido do MPF do estado e manteve a suspensão dos efeitos da portaria. "A norma representa retrocesso na proteção socioambiental, incentiva grilagem de terras e conflitos fundiários, além de restringir indevidamente o direito dos indígenas às suas terras", escreveu o MPF em seu despacho.

A decisão da Justiça, no entanto, não impediu a invasão na área. No sul da TI Piripkura, uma área de 7.200 hectares, o equivalente a 7,2 mil campos de futebol, estão ocupadas por três fazendas. Através da portaria, a Funai pode emitir uma Declaração de Reconhecimento de Limites. E ainda permite a exclusão destes territórios sobreposto a terras indígenas do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), uma ferramenta eletrônica que permite o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

A TI Piripkura, espalhada por uma área de 243 mil hectares, está legalmente definida por uma portaria de restrição de uso. A cada três anos, um funcionário da Funai precisa atestar que os dois sobreviventes continuam vivos. A última renovação foi em 2018. A próxima será em setembro de 2021. Tamandua e Baita sobrevivem escondendo-se na mata. Praticamente todos os parentes foram assassinados numa emboscada promovida por madeireiros na década de 80.

A história dos dois virou filme. Lançado em 2018 e dirigido por Mariana Oliva, Renata Terra e Bruno Jorge, "Piripkura" conta a saga do servidor público Jair Candor, da Frente de Proteção Etnoambiental da Funai, para provar, a cada três anos, que Tamandua e Baita estão vivos. É a prova de vida que garante a reedição periódica do decreto de interdição do fragmento de floresta onde a dupla vive sitiada.

Cerca de 4% dos 243 mil hectares da TI Piripkura já estão desmatados. "Os desmatamentos registrados por satélite entre agosto e setembro já somam uma área maior do que todo o desmatamento dos últimos dois anos", calcula Moreira. Com a Funai liberando geral, Tamandua e Baita, que já viviam sob fogo cruzado e cercados por madeireiros e produtores de soja, estão lutando para sobreviver a um novo massacre.

Liana Melo
Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais "Folha de S.Paulo", "O Globo", "Jornal do Brasil", "O Dia" e na revista "IstoÉ". Ganhou o 5o Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens "Máfia dos fiscais", publicada pela "IstoÉ". Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do "Blog Verde", sobre notícias ambientais no jornal "O Globo", e da revista "Amanhã", no mesmo jornal - uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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