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Grilagem no Terra Legal

O ECO Amazônia - www.oecoamazonia.com/br
Autor: Karina Miotto
06 de Ago de 2010

O Terra Legal Amazônia, programa de regularização fundiária lançado no ano passado e coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tem sido alvo de polêmicas envolvendo aumento de ocupações irregulares em terras federais na Amazônia. Funcionários do Incra afirmam que em Apuí, no sul do Amazonas, já existem pessoas ampliando suas posses ilegais de 500 para até 1500 hectares com a expectativa vantajosa de se ter um pedaço maior de terra graças à regularização sem licitação determinada pelas próprias regras do programa, uma iniciativa do governo federal.

A denúncia foi publicada por Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, no blog Amazônia Sustentável, de sua autoria. "Infelizmente o que prevíamos em nossos trabalhos está ocorrendo: o Terra Legal está estimulando mais apropriação ilegal de terras públicas (...)." alertou. "Espero que os órgãos supervisores como o Ministério Público investiguem a situação no sul do Amazonas e eventualmente em outras regiões", afirmou em seu site.

O Ministério Público Federal do Amazonas informou à reportagem que nenhuma investigação a este respeito está sendo conduzida no Estado devido à falta de denúncia formal em relação ao assunto. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, denúncias podem ser feitas por meio do site www.pram.mpf.gov.br ou pessoalmente na sede do MPF/AM, em Manaus.

Enquanto isso, em Apuí...

Apuí está localizado bem na fronteira do arco do desmatamento, região onde a destruição começa a comer pelas beiradas o estado que possui, até agora, a maior área de floresta preservada da Amazônia Legal. Está bem distante de outros centros comerciais e próximo a estradas como a Rodovia Transamazônica (BR-230), a AM-174 e a BR-319. Em linha reta, fica a 500 km de Manaus, capital do Amazonas. É o quarto município mais desmatado do estado (16%), atrás de Lábrea, Boca do Acre e Itacoatiara. De acordo com o boletim Transparência Florestal da Amazônia Legal, do Imazon, em maio de 2010 o Amazonas foi o estado que mais desmatou e Apuí, por sua vez, apareceu entre os municípios mais afetados.

"Algumas pessoas já estão demarcando terras e ocupando mais, esperando que a propriedade seja legalizada. Isso se intensificou após o surgimento do Terra Legal, mas não dá para atribuir o aumento do desmatamento e da ocupação irregulares diretamente ao programa, apesar de ele poder ser, sim, um fator que tem contribuído para acelerar esse processo", afirma Gabriel Carrero, mestre pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pesquisador do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam).

"O lado positivo do Terra Legal é o fato de o governo admitir que esse é um problema que deve ser resolvido. É preciso fazer a regularização, mas de forma segura. Este sistema está super confuso, sua metodologia é distorcida", afirma Paulo Barreto, do Imazon.

Ele acredita que, enquanto houver a combinação Terra Legal + infraestrutura prometida pelo governo, haverá ocupação e desmatamento irregulares na Amazônia. "A regularização é essencial para melhorar o controle do desmatamento, mas não deve ser generosa ao ponto de estimular novas ocupações - especialmente quando combinada com promessas de anistia de multas. Há sempre a crença de que é permitido ocupar hoje, porque este pedaço de terra poderá ser regularizado amanhã. E a intensificação da ocupação, mais cedo ou mais tarde, leva ao desmatamento", afirma.

"A ideia de que as pessoas estão ocupando e desmatando é verdadeira. O preço da terra em Apuí é baixo. O ciclo 'ocupa-desmata-espera a terra valorizar' é visto como um investimento pelos desmatadores. Desmata-se com a expectativa de que a terra seja valorizada e regularizada no futuro", complementa Gabriel. Ele acredita que é preciso reforçar a fiscalização. "O estado é frágil na implementação da lei, na execução de políticas de comando e controle. É preciso ter mais gente no campo. O Terra Legal pode ser benéfico para muita gente, mas ao mesmo tempo ele abre brechas. Resolve problemas, mas cria outros".

Uma das maiores polêmicas do programa é em relação aos preços cobrados pela terra. Posses cuja área total seja de um módulo fiscal (cerca de 100 ha) não custarão nem um centavo ao posseiro. Especialistas do Imazon afirmam que "a oferta de terra gratuita torna mais lucrativo invadir e desmatar novas áreas do que investir no aumento de produtividade das áreas já abertas". Até quatro módulos fiscais os valores serão abaixo de mercado, com pagamento até 20 anos. O valor do hectare a ser considerado pode variar de acordo com o preço de mercado estabelecido em cada região.

Marcelo Afonso, do Terra Legal, afirma que em casos extremos o hectare custará no máximo de R$ 50 a R$ 2300. A média para a grande maioria, de acordo com ele, será de R$ 200 a R$ 600. No entanto, se a propriedade for pequena, com acesso precário e já tiver sido ocupada há muitos anos, o posseiro pagará apenas 10% do valor mínimo. Ou seja, um hectare de terra pública na Amazônia poderá ser vendido por cerca de R$ 5. Mais ou menos o preço da banana.

Fraudes descobertas

Marcelo Afonso Silva, diretor de planejamento do Terra Legal, admite já ter descoberto esquemas de fraude em Apuí. "Identificamos laranjas, venda de CPF e até de cadastro com o objetivo da falsa legitimidade sobre grandes áreas", diz. Ele explica que o posseiro que receber o título não será esquecido pelo programa. "Pode ser que passe alguma irregularidade, mas esse é um processo de acompanhamento de até 20 anos. Qualquer movimentação contrária nos dará tempo para reparação. Se identificarmos fraude, poderemos entrar com uma ação judicial e reverter todo o processo".

No Amazonas, já foram feitos seis mil requerimentos de posses - 400 deles em Apuí. Luiz Antonio Nascimento de Souza, coordenador de regularização fundiária do programa no Amazonas, explica que a maioria não chega a 400 hectares e que os primeiros títulos de regularização em Apuí serão entregues daqui um ano.

De acordo com Marcelo Afonso, quem estiver desmatando a mais para se beneficiar da regularização sem licitação até 15 módulos fiscais pode se dar mal. "Ampliar a terra de 500 para 1500 hectares implica em não se tratar de área consolidada, que já foi ocupada há muito tempo. Se isso tem acontecido, então não faz parte do foco de regularização do Terra Legal. Se o posseiro disser que está naquela propriedade há anos, vai ter que provar", afirma.

Assentamento do Rio Juma

Afirma-se que Apuí, cuja área é de 5.210.000 ha, surgiu graças à criação do Projeto de Assentamento do Rio Juma (PARJ) pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 1982. Ele é o maior do país e atualmente responde por 74% do desmatamento no município. Outro problema que faz parte do assentamento é em relação à regularização dos lotes. "São 690 mil ha e, 28 anos depois de sua criação, apenas 17,6% estão titulados", explica Gabriel Carrero.

Dentro deste cenário, nasceu uma parceria entre o Incra e o Terra Legal. "Ela veio da necessidade de conter o desmatamento do PARJ e também de organizar a regularização dos lotes", explica Adriana Lima, da divisão de desenvolvimento do Incra-AM. Durante mais de 120 dias equipes foram a campo coletar informações sobre o assentamento. Em julho, um relatório de 400 páginas foi enviado para Brasília que levantará, entre outros assuntos, a possibilidade de ou diminuir a área do projeto, ou de extingui-lo de uma vez, para que o Terra Legal possa realizar a regularização fundiária de propriedades com até quatro módulos fiscais no local.

E será que esta parceria vai ajudar a conter o desmatamento e a ocupação irregulares que vêm ocorrendo em Apuí? "Quando se tem RG e CPF envolvidos, a conversa é outra. Regularizar é responsabilizar", afirma a assessoria de imprensa do programa.

Histórico do Terra Legal

O Terra Legal foi criado pelo governo Lula com o objetivo de fazer a regularização fundiária na Amazônia, região em que a maioria das terras públicas federais e estaduais são ocupadas de forma ilegal através da falsificação de títulos em cartório (as famosas grilagens).

Tudo isso começou graças à política do presidente Emilio Médici que, na década de 70, fez uma campanha para a ocupação da região com o slogan "terra sem gente para uma gente sem terra". Seu legado são 53% do território da Amazônia Legal padecendo da incerteza sobre o direito de propriedade.

A indefinição dificulta o desenvolvimento econômico, a gestão ambiental, os direitos das populações locais e de agrava problemas sociais. Entre 1999 e 2008, 5.380 conflitos por terra ocorreram na Amazônia, envolveram 2,7 milhões de pessoas e provocaram 253 assassinatos.

Para tentar resolver a situação, o governo federal publicou em fevereiro de 2009 a Medida Provisória 458, apelidada de "MP da Grilagem" por grupos ambientalistas por tratar de doação e venda de terras públicas na Amazônia .

Não obstante todas as polêmicas envolvendo a MP ela foi convertida, com poucas mudanças, na Lei 11.952 em 25 de junho de 2009. De acordo com Deborah Duprat, vice-procuradora geral da república, a lei "instituiu privilégios injustificáveis em favor de grileiros que, no passado, se apropriaram ilicitamente de vastas extensões de terra pública".

A implementação da lei passou a ser feita através do programa Terra Legal, que pretende regularizar cerca de 300 mil posseiros que ilegalmente ocuparam terras públicas federais e estaduais até dezembro de 2004. As áreas devem ser caracterizadas como ocupação consolidada para a concessão do título de posse e uma das principais condições é que nela se exerça alguma atividade de subsistência - de pecuária à agricultura.

Em até cinco anos 67 milhões de hectares, o equivalente a 13,42% da Amazônia Legal (ou quinze vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro), deverão ser regularizados - até o momento, 293 imóveis foram legalizados, o equivalente a pouco mais de 79 mil hectares.

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