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A grande sensação

CB, Brasil, p. 16
23 de Set de 2007

A grande sensação
Sucesso em todo o país e cada vez mais cobiçado no exterior, o açaí agora está desaparecendo das mesas populares na terra natal

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

No passado, ninguém dava nada por ele. Hoje, todo mundo corre atrás e paga uma pequena fortuna para tê-lo à mesa. De alimento essencial na Região Norte, o açaí tornou-se sensação nacional recentemente e, agora, foi parar em cozinhas norte-americanas, européias e japonesas. Na lista das frutas mais exportadas pelo Brasil, o suco violeta rico em energia já ocupa o primeiro lugar, desbancando o coco, o abacaxi e até a laranja.

Na lista de 12 produtos naturais que o Ministério do Meio Ambiente elegeu como frutas do futuro (espécies potenciais que podem ser exploradas economicamente), o açaí também está em primeiríssimo lugar. Mas esse feito não é motivo para comemorar. Na Amazônia, onde o açaí até pouco tempo atrás era a principal refeição de comunidades carentes, hoje é alimento de luxo. Em outras palavras: o pobre não tem mais condições de comprá-lo.

Até meados da década de 1990, os pontos de vendas de Belém do Pará vendiam um litro do açaí mais consistente por R$ 3, em média. O litro do suco mais fino podia ser encontrado até por R$ 1. Dava para a família toda. Hoje, como a prioridade é o mercado internacional, já se encontra nas esquinas um litro de açaí sendo vendido a R$ 8. "O pobre não toma mais açaí porque ficou mais caro do que comprar 1kg de carne", explica o sociólogo Carlos do Amaral, da Universidade da Amazônia. Nas comunidades ribeirinhas, muitas vezes, o açaí com peixe é a principal refeição do dia.

Dona Celeste Aquino, 52 anos, trabalhou vendendo açaí no Amapá durante 30 anos. Ela lembra que as pessoas endinheiradas torciam o nariz para o suco de cor escura. "Era coisa de pobre mesmo. Hoje, vende-se açaí em supermercado batido até com água mineral", conta.

A popularização da fruta no Brasil começou em 1995, quando entrou no ar a novela Malhação, da Rede Globo de Televisão. Ambientada numa academia de ginástica, os personagens mais fortes viviam com uma tigela de açaí na mão. Rapidamente, o suco, rico em fibras e cálcio, virou moda. "O problema é que o fruto é nativo de uma única região do país. O avanço do consumo em outros estados implicou na redução da oferta na Amazônia", analisa o economista Carlos Consuelo, da Universidade Federal do Amapá.

Em 2005, o Brasil produziu 12,3t de açaí. Noventa e cinco por cento da produção veio do Pará. Desse total, 3t da fruta foram exportadas do mercado paraense para o Rio de Janeiro, 1,5t para São Paulo e 1t para o Japão e Estados Unidos. Hoje, duas empresas estrangeiras têm representações em Belém só para comprar, embalar e mandar açaí para a América do Norte.

No Pará, a colheita do açaí tem outros problemas graves. O primeiro é que o cacho do fruto é apanhado no alto da palmeira. Como o tronco da árvore de mais de 5m de altura é fino, só crianças conseguem subir até lá. Outra questão é que a maior parte da colheita é feita em áreas nativas, isto é, a plantação da palmeira não acompanha a escalada da colheita, o que pode fazer com que o açaí falte também na mesa dos mais afortunados.

A exploração sem critérios do fruto também resulta em um problema de saúde pública. O barbeiro que transmite o mal de Chagas tem sido triturado na hora da extração da polpa. Desde o início do ano, foram registrados 57 casos da doença. Quatro pessoas morreram vítimas da doença. Duas na semana passada. A Secretaria Estadual de Saúde reconhece que os números podem ser bem maiores, uma vez que o Pará não tem o serviço de verificação de óbitos.

E a Mangaba está ameaçada de extinção
Além do açaí, o Ministério do Meio Ambiente reconheceu como frutos do futuro o araçá, bacuri, cajá, cajuí, murici, jabuticaba, jenipapo, pequi, pitanga, umbu, umbucajá e o maracujá-do-cerrado, entre outras. Mas entre as espécies que podem ser exploradas economicamente em todo o país, a mangaba vem chamando a atenção de especialistas. Na lista de frutas do futuro, a mangaba, além de ter enorme potencial econômico, é a única que aparece como ameaçada de extinção.

A mangaba é uma das mais tradicionais e saborosas frutas do Nordeste. No entanto, em vários estados, as áreas nativas de mangabeiras vêm perdendo espaço para a especulação imobiliária, canaviais, coqueirais e para os criatórios de camarão.

Um dos exemplos mais graves ocorre em Pernambuco. Segundo a Embrapa, o estado já perdeu 90% das áreas originais de mangaba. "A situação também é crítica em Alagoas e Paraíba, onde as mangabeiras estão sendo substituídas por monocultivos e ampliação das infra-estruturas turísticas", aponta o pesquisador Josué Francisco da Silva Júnior.

A mangaba é muito importante para os nordestinos porque faz parte da cultura do povo, além de ser explorada economicamente pelas comunidades da região. Na época da colheita, que ocorre de novembro a março, comunidades inteiras conseguem seu sustento da coleta dos frutos nas áreas nativas e da venda em mercados e feiras livres. "O desaparecimento da mangaba significará a perda da fonte de renda para centenas de famílias", observa o chefe da área de Recursos Genéticos do Ministério do Meio Ambiente, Lídio Coradin.

A maior parte da produção da mangaba é vendida para a agroindústria, que a utiliza para a fabricação de polpa, sorvete e suco. "Apesar de ser uma importante matéria-prima, existem vários gargalos que vão desde a seleção de variedades de mangaba até a comercialização", relata Silva Junior.

Os locais em que as áreas de mangabeiras estão mais conservadas são em Sergipe e no litoral norte da Bahia. "Percebemos que nessas áreas a especulação imobiliária e a monocultura ainda não são tão predominantes", explica o pesquisador. Os trabalhos da Embrapa para salvar a mangaba da extinção são realizados nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Pará.(UC)

CB, 23/09/2007, Brasil, p. 16

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