VOLTAR

Governo vai fazer mudanças no sistema de saúde indígena

ISA
Autor: Oswaldo Braga de Souza.
23 de Jun de 2007

Portaria deverá estabelecer controles para os repasses feitos a prefeituras que fazem o atendimento aos índios O documento deve receber os últimos retoques até o final de julho. A intenção seria fortalecer o controle social sobre os gastos. Funasa diz que vai fazer "PAC do saneamento indígena".

O Ministério da Saúde (MS) está finalizando o texto de uma portaria que deve introduzir uma série de mudanças no sistema de saúde indígena gerido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A proposta pretende estabelecer controles para os repasses feitos a prefeituras que atendem os índios. A intenção seria obrigar os municípios a aplicar os recursos que recebem - o que nem sempre acontece hoje - abrindo espaço para o controle social dos gastos e estabelecendo sanções para quem não prestar bons serviços.

Danilo Fortes, presidente da Funasa, recebe dos índios kuikuro o relatório do DSEI do Alto Xingu

O documento deve receber os últimos retoques no dia 26 de julho, durante a reunião do conselho tripartite de gestores da saúde, que envolve autoridades estaduais, municipais e do ministério. A minuta da portaria foi discutida na reunião do colegiado que aconteceu esta semana, em Brasília. No "mérito", ela foi aprovada, de acordo com José Carvalho de Noronha, secretário de Atenção à Saúde do MS. "Acho que chegamos a um bom termo com os representantes dos municípios. Ficaram pendentes apenas detalhes operacionais".

Noronha fez a afirmação durante a reunião dos chefes dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS) e presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi), que aconteceu em Brasília, de terça a quinta-feira desta semana. A crítica à atuação dos municípios na assistência à saúde dos povos indígenas deu o tom dos debates. A proposta também foi discutida no evento e sofreu modificações.

Apesar do anúncio de Noronha, representantes dos municípios têm feito um intenso lobby no MS para atenuar restrições às transferências recebidas da Funasa. Hoje, elas têm quase nenhum controle. A execução municipal dos recursos vindos do órgão tornou-se uma "caixa preta".

Já há algum tempo, as lideranças indígenas vêm denunciado que muitos governos locais acabam usando a verba para outros fins e deixando de prestar assistência às comunidades. Dizem ainda que a contratação de apadrinhados políticos com o dinheiro da saúde indígena é uma constante. Além disso, muitos gestores públicos são declaradamente anti-indígenas. E, por todas essas razões as lideranças indígenas têm reivindicado a regulamentação e fiscalização dos repasses.

Em 2004, sem discutir o assunto com as organizações indígenas, o governo Lula promoveu alterações polêmicas no sub-sistema de atenção à saúde indígena. A Funasa retomou o controle sobre a maior parte das verbas destinadas ao atendimento e deixou a outras instituições o papel de contratar pessoal e comprar insumos. Desde 1999, quando foram implantados os DSEIs, o órgão passara a firmar convênios com estados, municípios, organizações não-governamentais e fundações para prestar serviços de saúde indígena. Apesar do aumento do orçamento da Funasa para o setor - neste ano, estão previstos cerca de R$ 300 milhões - a burocratização causou atrasos nos repasses, no pagamento de fornecedores e dos profissionais envolvidos.

Portaria
O texto apresentado pelo governo estabelece que a aplicação dos recursos deverá seguir um termo de conduta pactuado entre os DSEIs, os conselhos locais e distritais de saúde indígena e as prefeituras. Elas terão de prestar contas dos gastos aos conselhos. Caso não cumpram o estabelecido ou não apresentem informações, os repasses serão suspensos. A futura portaria também vai fortalecer o monitoramento dos tribunais de contas e do ministério público. Ainda não estão definidos os valores per capita por região que servirão para calcular os recursos destinados aos municípios. A Funasa trabalha com a hipótese de algo em torno de R$ 300 para a Amazônia, R$ 225 para o Nordeste, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul e R$ 150 para o resto do País.

O documento foi bem recebido pela maior parte dos chefes dos DSEIs e Condisis - já que significa um freio à qualquer tendência de municipalização do atendimento. Os princípios da proposta vêm sendo discutidos pelas organizações e conferências indígenas há alguns anos. Alguns conselheiros, no entanto, cobraram um pouco mais de tempo para discuti-la e mudanças mais profundas.

Vale do Javari
Jorge Marubo, presidente do Condisi do Vale do Javari, município de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas, aprovou a idéia do governo, mas acha que ela não vai resolver o problema. "Os DSEIs têm várias regras, mas elas não são cumpridas. Precisamos mudar todo o sistema de saúde indígena". A prefeitura de Atalaia é acusada pelo Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja) de discriminar os povos nativos e fazer uso indevido dos recursos destinados ao atendimento das comunidades. O Civaja acionou o ministério público contra a prefeitura, mas o problema não foi resolvido.
A Terra Indígena Vale do Javari abriga cerca de 3,7 mil índios e vive uma das piores crises sanitárias entre populações indígenas do País, com epidemias de hepatite e malária. A própria Funasa realizou um inquérito sorológico, em dezembro passado, em 309 índios e descobriu que 56% deles portam o vírus da hepatite B. Deste total, 44 desenvolveram a doença. Um novo levantamento em 336 pessoas apontou que 56 estão com a enfermidade. Só na aldeia de São Sebastião, onde vivem 90 índios Marubo, ocorreram 350 casos de malária em um ano, ou seja, cada pessoa pegou a doença mais de três vezes no período.

A minuta de portaria não trata dos convênios firmados com organizações não-governamentais, que criticam o excesso de burocracia do governo para analisar suas contas e liberar os repasses. A Funasa garante que vai aprimorar e intensificar o monitoramento da prestação de contas, mas ainda não tem um plano detalhado para isso. "A responsabilidade de acompanhar essa parte operacional também é dos DSEIs, dos conselhos locais e distritais", defende Wanderley Guenka, diretor substituto do Departamento de Saúde Indígena (DSAI) da Funasa. Ele avalia que, apesar dos problemas, a grande maioria das ONGs vem prestando um serviço de boa qualidade.

A maior parte dos conselheiros e das organizações indígenas defende que os DSEIs tenham autonomia administrativa e orçamentária. O principal caminho para concretizar a idéia seria a criação de um fundo distrital de saúde indígena. O mecanismo daria maior liberdade aos distritos, controlados pelos Condisis, para definir com o quê, como e quando gastar. Hoje, se é identificada alguma irregularidade em um convênio e os repasses à conveniada são suspensos, por exemplo, o recurso volta para o governo. Com o fundo, isso não aconteceria.

PAC do saneamento
Lideranças e organizações indígenas argumentam que a terceirização é a responsável pela piora de vários indicadores da saúde indígena e pelo colapso no atendimento em algumas regiões. Além do Vale do Javari, a morte de crianças por desnutrição entre os Guarani, no Mato Grosso do Sul, e a volta da malária entre os Yanomami têm sido objeto de manchetes constantes na grande imprensa.

De 2003 a 2006, o total de casos de malária em Terras Indígenas aumentou de 19,9 mil para 29,8 mil, de acordo com a Funasa. Apesar da média da mortalidade infantil ter caído nos últimos anos em todo Brasil, ela cresceu bastante entre algumas populações. No Vale do Javari, o índice subiu de 20 para 133,3 (por 1 mil nascidos vivos), de 2004 a 2006. Entre os Yanomami, a taxa subiu de 69,8 para 125 e, no Rio Negro, passou de 48,6 para 68,4, no mesmo período.
Quase 60% das doenças apresentadas pelas crianças indígenas têm vinculação com a má qualidade da água que elas consomem. O presidente da Funasa, Danilo Fortes, promete gastar R$ 220 milhões nos próximos três anos no que chama de "PAC do saneamento indígena". Fortes diz que o programa estaria sendo finalizado e aguardando liberação de recursos na Casa Civil. O presidente da Funasa diz que a intenção é levar água encanada à quase 90% das aldeias do País – na Amazônia, a média hoje é de 7%. E aumentar o percentual de aldeias servidas por sistema de esgoto de pouco mais de 20% para quase 70%. A Fundação também estaria investindo na capacitação de seus funcionários e dos agentes de saúde e na compra de equipamentos para controlar os surtos de malária e hepatite.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.