OESP, Geral, p. A7
21 de Jun de 2004
Governo esvazia fórum de mudança climática
Ambientalista acusa gestão Lula de esquecer órgão que analisava aquecimento global
DAVID MOISÉS
O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas está numa espécie de limbo. Criado em agosto de 2000 para estudar os impactos do aquecimento global sobre o País, para definir incentivos fiscais a projetos de energia renovável e para formular as propostas do Brasil em temas polêmicos nas conferências sobre o planeta, entre outras tarefas, o colegiado sumiu. É difícil localizar em Brasília quem responda sobre ele, apesar de seu presidente ser ninguém menos que Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da República.
O fórum é composto por representantes do governo federal, Estados, municípios, empresas, cientistas, ambientalistas e outras organizações da sociedade, condição que permitiu ao Brasil despontar nas principais assembléias mundiais como um dos líderes em questões de desenvolvimento sustentável, aprovando medidas como a criação dos créditos de carbono. Mas isso foi até 2002. No governo atual, não houve sequer uma reunião, o que só ocorre por convocação do presidente.
O alerta sobre a extinção não oficial do fórum foi feito em carta endereçada ao próprio Lula, em abril, pelo então secretário-executivo do colegiado, Fábio Feldmann. Empossado em 2000, o ambientalista, ex-deputado tucano e ex-secretário paulista do Meio Ambiente esperava desde janeiro de 2003 sua substituição por alguém indicado pelo governo petista, mas ninguém foi nomeado para o cargo - não-remunerado.
Feldmann deixou o fórum. "Pedi minha exoneração em dezembro passado e me disseram 'fique enquanto a gente escolhe alguém para o seu lugar'. Em abril mandei uma carta ao presidente pedindo novamente minha exoneração, porque estão matando o fórum e não tem cabimento continuar", disse.
Ninguém sabe - Ao longo da semana passada, o Estado procurou contato em ministérios e no Palácio do Planalto com algum encarregado de questões ligadas ao fórum, mas nenhum assessor soube dizer quem seria. O colegiado é ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), que tem em seu site um espaço reservado para ele (www.mct.gov.br/clima/brasil/forum.htm). Mas a Assessoria de Comunicação informou que a pasta não tem vínculo jurídico ou administrativo com o fórum.
A busca envolveu o Ministério do Meio Ambiente e até a Casa Civil, também sem resultado. Por último, a Secretaria de Comunicação do Planalto foi mobilizada para localizar alguém que saiba do fórum, mas não houve resposta até a noite de sexta-feira.
A pouca ou nenhuma importância dada ao fórum e sua "extinção na prática" é a principal acusação do ex-secretário-executivo. A maior preocupação de Feldmann, porém, é de que isso representa a "falta de noção do governo sobre a urgência do tema" das mudanças climáticas. "É o principal tema no mundo, depois do terrorismo, e o Brasil tem muito com o que se preocupar, especialmente depois do ciclone Catarina", disse, referindo-se ao fenômeno que foi classificado como o primeiro furacão a atingir o Sul do Brasil, em março, deixando vítimas e prejuízos.
Sem a sociedade - As câmaras do fórum iniciaram estudos, por exemplo, sobre o impacto das mudanças climáticas sobre os recursos hídricos e a regulamentação jurídica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - o sistema de cotas de emissão de poluentes trocadas por financiamento a projetos de preservação ambiental. "Há questões importantes a serem definidas: os projetos do MDL terão uma taxa de retorno maior ou menor se o incentivo fiscal for sobre o ICMS ou sobre outro tributo."
Segundo Feldmann, a desarticulação do fórum cria problemas com interlocutores internacionais e investidores. "O investidor que pode escolher entre Brasil, Índia e China vai optar por aquele país que tem políticas claras de incentivos fiscais para projetos vinculados ao MDL."
A composição do fórum, para Feldmann, também deu cacife a Fernando Henrique Cardoso para colocar o Brasil como protagonista das soluções para os desafios ambientais. "Agora, o governo está sozinho e vem perdendo o protagonismo."
OESP, 21/06/2004, Geral, p. A7
As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.