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Governo do DF e indígenas entram em conflito após abertura de via no Noroeste

G1 g1.globo.com
Autor: Letícia Carvalho
29 de Nov de 2017

Indígenas que cobram a demarcação de terras sagradas no setor Noroeste - área nobre do Distrito Federal - questionaram, nesta quarta-feira (29), a legalidade de obras de pavimentação iniciadas pela Novacap no local. Segundo o grupo, funcionários derrubaram parte da vegetação nativa que estaria no perímetro reivindicado na Justiça.

Em nota ao G1, a Novacap confirmou que 11 servidores foram ao local para limpar a via W10, a ser construída entre as quadras 707 e 709. Em seguida, há planos para iniciar a topografia e a pavimentação. De acordo com a Terracap - reponsável pela gestão das terras públicas do DF -, a área "onde o serviço estava sendo executado está fora da delimitada pela ação judicial".

O impasse pelo direito à terra entre povos tradicionais e o governo do Distrito Federal completou nove anos em outubro (entenda abaixo).

O G1 questionou o Palácio do Buriti, a Terracap, a Novacap e a Justiça do DF sobre o perímetro exato das terras reivindicadas pelas comunidades, a distância entre a W10 e as construções indígenas e, ainda, sobre a continuidade das obras. Até a publicação da reportagem, nenhuma dessas perguntas tinha sido respondida.

Queixas de agressões

Durante a ação, os indígenas disseram que os funcionários da Novacap "estavam armados", não se identificaram e "apenas alegaram que tinham uma ordem para executar a obra".

"Meu filho ficou em pé diante de uma das máquinas. Ele foi empurrado pelo veículo. Tentei falar com eles, gritei, mas disseram que eu tinha que calar a minha boca. A gente tem uma liminar determinando que o governo não pode agir aqui", afirmou Marcia Guajajara, representante da Terra Indígena do Santuário dos Pajés.

O governo, no entanto, diz que os servidores foram abordados pelos indígenas e que "imediatamente, o responsável pela equipe determinou a retirada dos funcionários do local, conforme recomendação da Novacap para este tipo de situação".

De acordo com a companhia, um dos funcionários que operava uma pá mecânica foi agredido e encaminhado ao Hospital de Base do DF.

O presidente da Associação dos Moradores do Noroeste, Antônio Custódio Neto, explicou que governo procurou a entidade para dizer que teria encontrado uma alternativa para aliviar o trânsito da região, que seria a construção da via W10.

"Seria um paliativo, já que a via W9 fica exatamente nas terras questionadas pelos indígenas. Eu argumentei que seria bom o GDF conversar com os representantes dos indígenas, porque poderia dar problema", disse Neto.

Marcia Guajajara afirmou à reportagem que nenhum integrante da comunidade foi avisado sobre a intervenção. "Só ouvi o barulho dos tratores por volta das 12h. Uma hora depois, eles já tinham derrubado o cerrado. Não sabíamos desse projeto do governo. Ninguém falou com a gente."

Durante o encontro, Neto afirmou que os mapas das regiões foram checados e que a via W10 estaria fora da poligonal das terras que estão em conflito na Justiça.

Impasse pelo direito à terra

Ao todo, 55 famílias indígenas se dividem em uma área de 35 hectares no setor Noroeste. O impasse pelo direito à terra entre povos tradicionais e o governo de Brasília completou nove anos em outubro deste ano.

O conflito começou em 2008, quando lotes do setor Noroeste começaram a ser vendidos. À época, os índios da etnia Fulniô-Tapuya alegavam que a área seria um santuário ou um cemitério indígena antes da construção de Brasília e que, por isso, teria valor sagrado.

O cacique Francisco Guajajara aponta "falta de diálogo" na negociação com o GDF e diz que a totalidade dos índios "não foi ouvida" no acordo firmado entre a Terracap e a Funai, em 2014.

"Somos os primeiros habitantes do Brasil, mas hoje estamos sofrendo pelo massacre e invasão de prédios em cima da gente. Só estamos defendendo o que é nosso direito."

O acordo - publicado em 7 de outubro de 2014 no Diário Oficial do DF - concederia 22 hectares de terras públicas às famílias indígenas, mas em um outro local. Três anos depois, a área não foi entregue. Por meio de nota enviada ao G1, a Terracap informa que, apesar da celebração do acordo, o órgão ambiental (ICMBio) "não autorizou as obras".

"A Terracap já tem um novo local para a construção, já apresentou aos indígenas e está aguardando a análise por parte da Funai de uma área de, aproximadamente, 22 hectares."

A reportagem questionou à Terracap por que a terra já ocupada pelos índios - desde 1971, segundo o Ministério Público Federal (MPF) - não poderia ser apenas reconhecida como oficial. O órgão informou que a área contestada pelo grupo "incide sobre o projeto de construção de novas quadras no Noroeste". A região é considerada o metro quadrado mais caro de Brasília (R$ 9,4 mil).

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - órgão federal responsável por conceder a autorização - comentou o motivo da negativa. Em resposta, o ICMBio disse que "o projeto em questão previa o uso direto de recursos (água) de dentro da unidade de conservação" e, por isso, se manifestou "contrário a realocação dos indígenas" na região próxima ao Parque Nacional de Brasília.

O que diz o Ministério Público

O G1 teve acesso a um parecer do Ministério Público Federal que trata do impasse territorial entre o GDF e indígenas. No documento, o MPF acusa a Fundação Nacional do Índio (Funai) de "omissão" no processo de regularização das terras, "mesmo diante da existência de indícios suficientes [...] ao procedimento de identificação e demarcação das terras".

No entendimento do MPF, basta a "natureza declaratória" para embasar as demarcações de terras indígenas. O órgão diz, ainda, que o direito desses povos às terras tradicionais é garantido pela Constituição Federal.

Por meio de nota, a Funai reconhece que o território em questão é utilizado pelos povos para "realização de rituais e manutenção de sua cultura", mas não comenta sobre o caráter sagrado do local. De acordo com o órgão, 6.128 indígenas de diversas etnias moram no Distrito Federal.

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/governo-do-df-e-indige…

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