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Autor: Juliana Radler
26 de Nov de 2017
Mais um passo importante foi dado pelos povos indígenas do Amazonas rumo à construção dos planos de gestão territorial e ambiental (PGTAs) de sete Terras Indígenas (TIs) do Alto e Médio Rio Negro, que abrangem uma população de 23.919 pessoas de 22 etnias. Esse dado demográfico atualizado foi obtido pelo levantamento socioambiental do PGTA realizado entre setembro de 2016 e março de 2017 nas comunidades e sítios das TIs do Alto Rio Negro, Rio Apapóris, Balaio, Cué-Cué Marabitanas, Médio Rio Negro I e II e Rio Téa.
Reunidos por 10 dias na ilha de Duraka, na TI Médio Rio Negro I, em São Gabriel da Cachoeira, coordenadores indígenas dos PGTAs rionegrinos tiveram a oportunidade de dialogar com instituições públicas para apresentar suas demandas e prioridades na governança de seus territórios. A elaboração dos planos de gestão vem ocorrendo desde 2015 e envolve um amplo processo de pesquisa territorial e consulta à população, com data prevista de conclusão dos documentos finais em 2019. Ao todo serão elaborados oito PGTAs, sendo um documento para cada Terra Indígena e um documento para a toda a região.
"Os povos indígenas do Rio Negro puderam apresentar nesse encontro demandas sobre o que precisa ser assumido pelas instituições públicas no âmbito da gestão das Terras Indígenas. Vemos os PGTAs como planos importantes que apontam como o indígena quer viver. Por isso também é vital discutirmos os protocolos de consulta e questões nas quais o governo não tem nos respeitado. O que queremos com os nossos planos de gestão é que a nossa governança seja respeitada e priorizada", ressalta Marivelton Barroso, do povo Baré, presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), uma das partes responsáveis pela elaboração dos PGTAs, junto com a Funai e o Instituto Socioambiental (ISA).
Para Vera Olinda, da Coordenação Geral de Gestão Ambiental e Territorial Indígena da Funai (CGGAM), em Brasília, o PGTA precisa ser fortalecido como um instrumento de poder para os povos indígenas e como o principal meio de garantir sua autonomia de decidir aquilo que é melhor para o seu território. "Quem cuida do solo, das águas e de toda a natureza aqui são os índios. Portanto, o PGTA valoriza essa governança e permite que as comunidades conversem entre si e com as instituições sobre a situação dos seus territórios e como podem avançar em diferentes aspectos, como saúde, educação e cultura", disse Olinda, que participou das mesas de diálogo com as instituições públicas no encontro em Duraka.
Com 11.110 crianças e jovens entre 5 e 24 anos nas Terras Indígenas analisadas, o que representa 46,45% da população, é um grande desafio para a gestão territorial e ambiental trazer alternativas de educação, saúde e geração de renda capazes de satisfazer os anseios e prioridades dessa juventude. Conciliar os meios de vida tradicionais e a cultura com as necessidades de aquisição de bens materiais e de melhoria de infraestrutura nas comunidades, sobretudo nas áreas de geração de energia e de comunicação, estão entre os aspectos mais debatidos pelas lideranças do PGTA. Para se chegar a propostas que reflitam essas necessidades, foram realizadas 32 oficinas de consultas junto às comunidades indígenas em toda a região de abrangência dos PGTAs, entre julho e outubro deste ano.
"Adequar políticas públicas a partir do que a população indígena vem demandando foi um dos nossos principais objetivos ao promover o diálogo com as instituições públicas neste encontro. As informações que vieram da etapa de consulta às comunidades serão sistematizadas e organizadas nas próximas etapas para serem encaminhadas para as instituições públicas federais, estaduais e municipais como propostas para melhoria do bem viver nas Terras Indígenas", afirma Carla Dias, antropóloga do ISA.
Grande Maloca
Dois convidados especiais da Colômbia vieram à São Gabriel da Cachoeira para promover o intercâmbio de experiências entre a gestão dos territórios indígenas na Amazônia brasileira e colombiana. A premiada gestão do território Yaigojé Apaporis foi apresentada pelo cacique Robin Elkin Diaz, que enfatizou a necessidade da preservação histórica de sítios sagrados e da diversidade cultural indígena do macro território ancestral que conecta as bacias do Rio Negro e Japurá/Caquetá. "Esse intercâmbio de experiências é muito importante porque essa é uma luta conjunta de defesa dos nossos territórios ancestrais. Entender essa política de gestão territorial deve servir principalmente para fortalecimento da nossa cultura", avaliou Elkin, da Aciya (Associação dos Capitães Indígenas do Yaigojé Apaporis), que recebeu em 2015 o prêmio Equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) pela gestão sustentável do seu território.
A partir da imagem de uma grande maloca, Elkin e o biólogo da Fundação Gaia, da Colômbia, Nelson Ortiz, trouxeram elementos inspiradores para a construção do chamado "plano de vida" do território do Apaporis. "Nosso plano de vida nasceu em 2002 da preocupação entre equilibrar o mundo indígena com o mundo externo e pensar o nosso futuro. Seguimos defendendo o nosso plano de vida ao longo dos anos e o bom manejo de nossa terra. Consideramos nosso macro território como uma grande maloca dos povos indígenas. Essa é nossa maloca comum, temos que protegê-la conjuntamente, tanto no Brasil, quanto na Colômbia", finalizou Elkin.
Para além das tradicionais discussões sobre educação e saúde, os PGTAs do Rio Negro aprofundam o debate sobre o futuro da maior área contínua de Terras Indígenas demarcadas no Brasil, trazendo aspectos como alternativas para geração de renda nas TIs, pesquisas interculturais e patrimônio cultural indígena na Amazônia. Durante o encontro houve a pré-estreia do documentário "Pelas Águas do Rio de Leite", com direção da antropóloga do ISA, Aline Scolfaro, que mostra uma viagem ao longo do Rio Negro com conhecedores indígenas (da família linguística Tukano Oriental). Eles contam sobre locais sagrados e histórias da rota de origem de seus ancestrais. O lançamento oficial do documentário será em fevereiro do ano que vem, na Maloca da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira, assim como a distribuição do DVD para as comunidades indígenas da região.
Ilha de Duraka
"O PGTA é uma novidade para nós e estamos felizes porque tivemos a oportunidade de entender melhor sobre esses planos", afirmou Zeferino Namuncurá Borges, de 71 anos, da etnia Tukano, capitão da comunidade de Duraka. Considerada um exemplo de gestão comunitária, sua organização foi elogiada pelos mais de cem participantes que estiveram presentes ao grupo de trabalho. A limpeza, organização das casas e dos espaços comunitários, assim como o modo harmonioso como vive a comunidade multiétnica de Duraka foi um exemplo para todos os que se reuniram para pensar o bem viver e o futuro em seus territórios no Rio Negro. Ao final da oficina, a comunidade de Duraka ofereceu um dabucuri lindo e farto aos visitantes participantes, o que também reforçou a importância do sistema cultural como base de uma boa gestão territorial ambiental e bem viver.
"A natureza sempre foi a garantia do futuro e da vida do índio. Agora isso se ampliou, pois temos que nos preocupar também com a defesa dos nossos direitos, do nosso território e com a economia, pois muitas coisas que precisamos hoje necessitam do dinheiro. O PGTA não é para nos ensinar a viver como índio e, sim, para adequar as políticas públicas para os índios e ser uma forma de diálogo com as instituições. Então, vamos aproveitar essas ferramentas para melhorar as nossas vidas", enfatizou Bráz França, tradicional liderança indígena do Rio Negro, da etnia Baré, ao falar especialmente para os jovens presentes ao encontro.
Os PGTAs do Rio Negro estão sendo elaborados pela Foirn, Funai e ISA com o apoio da Aliança pelo Clima, Fundação Gordon e Betty Moore, Horizont 3000, Fundação Rainforest e Fundo Amazônia/BNDES. Saiba mais sobre os PGTAs do Rio Negro através dos boletins Governança e Bem Viver Indígena (Planos de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas do Alto e Médio Rio Negro).
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