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Gosto por raiz criou humanidade, diz teoria

FSP, Ciencia 2, p.A9
27 de Ago de 2005

Órgãos subterrâneos de vegetais teriam permitido que ancestrais colonizassem a savana africana
Gosto por raiz criou humanidade, diz teoria
Esqueça as machadinhas de pedra, a invenção do fogo ou o primeiro jogo de futebol. Para uma dupla de paleoantropólogos dos Estados Unidos, o elemento que deu a partida na evolução da linhagem humana se encontra alguns palmos debaixo da terra e ainda faz qualquer um salivar diante de um prato de batata ou mandioca frita: raízes.
Para Greg Laden, da Universidade de Minnesota, e Richard Wrangham, da Universidade Harvard, raízes, tubérculos e outros USOs (sigla em inglês para "órgãos subterrâneos de armazenamento" das plantas) permitiram que os primeiros hominídeos, como são conhecidos os ancestrais do homem, saíssem da mata fechada e colonizassem ambientes abertos a partir de uns 6 milhões de anos atrás.
Segundo a dupla, os USOs foram úteis não como cardápio preferido dos hominídeos, mas como uma fonte confiável e relativamente rica de nutrientes em tempos de escassez -o equivalente evolutivo do arroz com feijão, pode-se dizer. "É claro que os alimentos preferidos, como frutas e carne, também foram importantes. No fim, contudo, é o fator limitante que conta mais. Quando tudo dá errado, o que faz com que você morra ou consiga se reproduzir? É aí que a seleção geralmente vai ser mais forte", explicou Laden à Folha.
É claro que, sem provas mais concretas, a teoria não passaria de mais uma historinha interessante sobre as origens humanas. Os paleoantropólogos, porém, reuniram uma série de indícios no mínimo intrigantes, que podem começar a corroborar a idéia.
No princípio era a mata
O cenário inicial da história provavelmente era uma mata tropical fechada, habitat de quase todos os grandes macacos. Nesses locais, há relativamente poucas raízes e tubérculos comestíveis. A idéia é que um grupo de seres muito parecidos com os chimpanzés de hoje tenha passado a se aproximar da borda da floresta e das savanas além dela -onde os USOs abundavam. Esse, aliás, talvez seja o calcanhar-de-aquiles da proposta: há indícios de que os mais antigos hominídeos, como o Sahelanthropus, com 6 milhões ou 7 milhões de anos, ainda vivessem em ambiente fechado.
Laden rebate: "As savanas provavelmente eram um ambiente raro nessa época. Mas pense nas raízes como uma corrente marítima que carrega os animais. Um primata da floresta que começasse a incorporar raízes como alimento secundário teria vantagens em se dirigir para a borda da floresta, e mais ainda na savana."
Para provar a idéia, os pesquisadores compilaram dados sobre raízes que são comestíveis sem cozimento dentro e fora da savana, algumas das quais ainda usadas por tribos africanas hoje, e viram que estavam corretos. Também verificaram se havia uma correlação entre a presença de fósseis de ratos-toupeira, um grupo de roedores adaptados a comer USOs, e os fósseis de hominídeos em sítios africanos. De 28 locais, 17 tinham ambos os tipos de animal, enquanto apenas quatro tinha só hominídeos e sete só ratos-toupeira -o que sugere que os dois grupos estavam aproveitando o mesmo recurso.
Finalmente, vários dos mais antigos hominídeos são caracterizados por mandíbulas fortes, dentes com grandes coroas e esmalte grosso. Para a dupla, é sinal de que eles estavam adaptados para mastigar raízes duras. "Espero analisar o desgaste desses dentes em busca de sinais deixados pelos USOs, bem como a composição química deles", afirma Laden. Assim, a teoria ficaria mais sólida.
O estudo estará numa edição futura do periódico científico "Journal of Human Evolution"

Bastão de cavar seria o primeiro instrumento
Questão essencial: se raízes, tubérculos e assemelhados foram mesmo tão importantes para os primeiros hominídeos, como é que eles alcançavam a iguaria? A questão é menos óbvia do que parece, e poderia fornecer uma nova janela sobre os primeiros instrumentos feitos pela linhagem humana, avalia Greg Laden.
"Aha!", brinca ele ao ouvir a pergunta. "Ok, os chimpanzés do Congo chegam às raízes cavando com as mãos, mas seria muito mais fácil usar um bastão de cavar. Bom, aí você também precisa afiar o bastão. Meu palpite é que muitos dos estilhaços de ferramentas de pedra com idade entre 2,5 milhões e 1,8 milhões de anos [a época em que os primeiros instrumentos surgem] vêm do ato de afiar pedaços de pau."
Segundo ele, o desgaste dessas ferramentas sugere que a principal função delas era mesmo trabalhar a madeira. Mais tarde, com o uso do fogo (cujas origens ainda são controversas), novas raízes poderiam ter sido incorporadas à dieta.

FSP. 27/08/2005, p. A9

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