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Gestão de florestas avança na Câmara

Página 20
01 de Mai de 2005

Gestão de florestas avança na Câmara
Até agora, são poucas as restrições ao projeto de lei, que vai permitir a concessão de 1,5 milhão de hectares no Acre

Romerito Aquino

Está se afunilando na Câmara dos Deputados a decisão sobre o parecer que a comissão especial da casa vai dar sobre o projeto de lei de gestão de florestas públicas (PL 4776) proposto em março pelo governo Lula para ampliar a produção florestal sustentável e para ajudar a por um fim à política de terra sem lei que ainda prevalece na Amazônia, com destruição de floresta, grilagem de terra, biopirataria e outros males.
O relator do projeto na comissão, deputado Beto Albuquerque (PSB-RS), deve apresentar esta semana seu parecer ao projeto de lei baseado nos elogios e nas críticas que ele recebeu ao longo das últimas semanas de debates na Câmara, que foram iniciados em seminário onde o governador Jorge Viana foi o primeiro a se manifestar favorável. Afinal, o projeto interessa deveras ao Acre, que tem, segundo o governador, 1,5 milhão de hectares de floresta para serem explorados em regime de concessão comunitária e empresarial. Em toda a Amazônia, o projeto prevê a concessão, nos próximos 10 anos, do total de 13 milhões de hectares.
Até agora, o projeto tem recebido mais elogios do que críticas, que são, em sua maioria, originárias de desinformação sobre o próprio conteúdo do projeto. Algumas críticas, no entanto, são pertinentes e devem até ser incorporadas pelo relator, que foi indicado pela base aliada do governo Lula no Congresso. Essas críticas versam basicamente sobre os riscos que alguns vêem na falta de fiscalização dos órgãos públicos para um projeto de tal envergadura e na concentração das florestas ofertadas nas mãos de grandes empresas, de empresas estrangeiras e até das famigeradas madeireiras asiáticas, apelidadas pelos ambientalistas internacionais como comedoras de floresta do mundo”, numa alusão ao fato delas já terem destruído as florestas dos países por onde passaram.
Os debates travados na comissão especial da Câmara na semana passada foram muitos ricos e mostram a diversidade de opiniões sobre o assunto. Segundo o professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e diretor da ONG Pro-Natura, Peter May, 95% do comércio de madeira irregular da região amazônica podem ser legalizados com a regulamentação das concessões de exploração das florestas públicas.
Peter May afirmou que a legalização da atividade vai possibilitar o aumento da rentabilidade das empresas do setor porque os produtos poderão se enquadrar nos padrões exigidos em mercados como o europeu e o americano, sendo, assim, vendidos por preços mais elevados. O professor avaliou que, por atuar no mercado negro, a maioria das madeireiras nacionais não consegue agregar valor a seus produtos, que são boicotados pelos grandes consumidores internacionais por serem agressivos à natureza. O professor completou dizendo que a exploração ordenada e fiscalizada das florestas, além de aumentar a produtividade, vai ajudar a proteger o meio ambiente.
O deputado tucano Zenaldo Coutinho (PA), apesar de ser oposição ao governo Lula, afirmou que o projeto de lei vem ao encontro das perspectivas defendidas pelo professor Peter May porque, ao promover a exploração econômica racional na floresta, acaba transformando os particulares em aliados do Estado na preservação do meio ambiente.
O representante do Greenpeace, Nilo D´Ávila, por sua vez, anunciou que os grileiros estão vendendo terras públicas na região amazônica por R$ 40 o hectare e isto é grave na medida em que o governo não possui as ferramentas necessárias para coibir essa prática, que provoca também a devastação do meio ambiente.
Setor produtivo cobra ajustes
Os setores produtivos também fizeram questão de sugerir algumas mudanças no projeto de gestão. O representante da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Agamenon Menezes, afirmou que um dos problemas da matéria é confundir grileiros com produtores que têm a posse garantida pelo Incra, mas ainda não receberam a titularidade da terra.
Para Menezes, é preciso definir o que é grileiro e o que é consolidado”. Posse de fato são aquelas pessoas que lá moram, vivem. O grileiro não, bota pistolagem e grila para vender. Essa divisão não existe no projeto de lei, que trata todo mundo igual”, destacou o representante da CNA. Menezes acrescentou que, da forma como está, as terras ocupadas pelos produtores rurais poderão ser licitadas como as áreas ocupadas por grileiros.
O representante da CNA também disse que as propostas contidas no projeto não dão preferência às empresas locais, o que poderia, segundo ele, privilegiar as multinacionais. Menezes considera que há lacunas no texto, como a não-definição do que são comunidades tradicionais e do que são florestas públicas, florestas ocupadas e em processo de ocupação.
Por sua vez, o presidente do Sindicato das Indústrias de Transformação de Madeira de Ji-Paraná (RO), Jurandir Almeida, criticou as exigências do Ibama para os interessados em atuar no setor madeireiro. Segundo ele, o projeto mantém o que chama de filosofia burocratizante” do setor público, que aumenta os custos das empresas. Em resposta, o relator Beto Albuquerque disse que a desburocratização deve ser abordada em seu parecer por ser um ponto reivindicado pelos setores envolvidos.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), instituição que no passado foi fundamental para a organização dos trabalhadores rurais do Acre, surpreendeu com sua posição contrária ao projeto. Para o consultor jurídico da entidade, Ivaneck Perez Alves, a proposta só atende aos interesses dos madeireiros. Isso não vai resolver o problema das madeireiras ilegais, vai aumentar os conflitos na região. Além disso, não leva em conta o desenvolvimento sustentável”, disse Alves.
O consultor da Contag também reclamou que a proposta não questiona o modelo de desenvolvimento adotado no país, que, segundo ele, é sempre voltado ao crescimento a qualquer custo. Os funcionários do Ibama, também são contrários à proposta. O presidente da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama), Jonas Corrêa, criticou o projeto dizendo ele enfraquecerá o órgão e que não foi discutido com os seus técnicos.
Já o presidente do Grupo de Produtores Florestais Certificados, Carlos Alberto Guerreiro, considerou o projeto das florestas públicas importante para o setor, mas ressaltou que é preciso fazer alguns ajustes. É necessário discutir a constitucionalidade de alguns artigos, os prazos para zoneamento ambiental e ainda a centralização de poder sobre a autarquia a ser criada (Serviço Florestal Brasileiro)”, disse Guerreiro, ao informar que o setor madeireiro gera 345 mil empregos na região amazônica, com 3.132 empresas instaladas.
O relator deputado Beto Albuquerque rebateu as críticas que apontam que o regime de urgência constitucional vai prejudicar as discussões do projeto. Acho que 100 dias são mais do que necessários. Vamos ficar assistindo à floresta ser derrubada? Os parlamentares e os setores que tiverem interesse devem participar das audiências que estamos promovendo”, disse o relator. (R.A.)
CNS quer solução para as posses
O secretário-executivo do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), Atanagildo Matos, também demonstrou preocupação com a questão fundiária. Matos lembrou que não há floresta sem terra” e que não é possível a gestão equilibrada dos recursos florestais se as disputas em torno da posse das terras não forem resolvidas. Na avaliação do representante da ONG Amigos da Terra, Roberto Smeraldi, o projeto não vai promover a privatização das terras públicas, como muitos dizem, até porque o processo de privatização já existe irregularmente há décadas, por causa da grilagem”.
Outro representante da sociedade civil, o representante do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, André Lima, fez questão de alertar para a necessidade de o governo reconhecer os direitos das populações que vivem atualmente em florestas antes de conceder a particulares o direito à exploração. Lima criticou o fato de não haver o mapeamento do lugar onde essas populações estão localizadas, o que faz ensejar a realização dos zoneamentos ecológicos e econômicos nos estados amazônicos onde eles ainda não existem. No Acre, o zoneamento já está quase completo.
O representante do Fórum de ONGs também ressaltou ainda ter dúvidas sobre a capacidade do governo de controlar a atuação dos agentes produtivos concessionários de florestas públicas, uma vez que o Ibama contaria apenas com 40 fiscais em toda a região, o que representa uma média de apenas um fiscal para cada 100 mil quilômetros quadrados. A dúvida sobre a capacidade do governo de promover a fiscalização necessária, aliás, tem sido destacada pela maioria dos expositores na comissão especial da Câmara.
A deputada Ana Pontes (PMDB-PA) falou do seu temor de que a ausência do Estado possa ter como conseqüência a internacionalização da Amazônia por conta da penetração de empresas estrangeiras na região. A parlamentar sugeriu que o projeto assegure que apenas empresas nacionais possam ser concessionárias das florestas públicas.
Diante das queixas sobre a fiscalização dos contratos de concessão de florestas, o relator Beto Albuquerque revelou que seu relatório vai prever a destinação direta de recursos para o Ibama, que terá a função de controlar a atividade desenvolvida nas florestas concedidas para a iniciativa privada. (R.A.)

Página 20, 01/05/2005

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