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Gestão da água é democrática, mas deixa decisões mais complexas, dizem estudiosos

O Globo, País, p. 6
07 de Abr de 2014

Gestão da água é democrática, mas deixa decisões mais complexas, dizem estudiosos
Normas sobre uso e regras de cobrança são definidas pelos comitês de bacias

BRASÍLIA- Criado em 1997, o modelo de gestão dos recursos hídricos do país é elogiado por especialistas por ter democratizado e dado transparência ao setor, mas em casos de conflito, como o que envolve o Rio Paraíba do Sul, as soluções são mais complexas. O sistema de gestão de recursos hídricos adotado com a Lei das Águas (1997) e implementado a partir de 2000 com a criação da Agência Nacional das Águas (ANA) foi inspirado no modelo francês, que prevê a participação compartilhada dos governos federal e estaduais e dos usuários do bem público, por meio da sociedade civil organizada.
As decisões sobre o uso da água e sua cobrança são tomadas pelos comitês de bacias, formados por membros de todas essas áreas. Para o pesquisador de Hidrologia da Coppe/UFRJ, Paulo Carneiro, o fato de haver conflitos por conta da água de uma bacia não é ruim. Ao contrário é parte do modelo escolhido, o qual ele defende como sendo a opção mais adequada para o país:
- O conflito não é uma disfunção do sistema de gestão participativo que o Brasil adotou, é parte intrínseca dele. É justamente quando o conflito surge que as diferentes questões podem ser colocadas. Esta é a maior virtude do nosso sistema.
Carneiro pondera que o sistema é novo e ainda está em teste. E que a disputa entre São Paulo e Rio pelas águas do Paraíba do Sul será uma grande prova para demonstrar que a gestão compartilhada é funcional:
- Este talvez seja o desafio de maior proporção que a ANA já teve de enfrentar. Vamos ver como a agência se comporta e se está imune a pressões políticas.
Um dos responsáveis pelo Plano Estadual de recursos hídricos do Rio, Carneiro adianta que a retirada de água da Bacia do Paraíba do Sul prejudicará o abastecimento da população fluminense. Simulações para o ano de 2030 apontam que 95% das águas que alimentam o Sistema Guandu, do qual dependem 75% da população fluminense, estarão comprometidas com o abastecimento urbano e industrial.
E que a Bacia do Paraíba do Sul é o único manancial possível para essa finalidade, já que a maior parte do estado está no litoral, onde os rios são mais curtos. O estado de São Paulo, por outro lado, diz, conta com outras alternativas, como as águas do Vale do Ribeira, no Paraná.
- É preciso buscar uma solução de ganha-ganha. Mas para isso São Paulo terá de recorrer a outra alternativa, porque captar do Paraíba do Sul criaria uma situação em que São Paulo ganharia e o Rio perderia - disse. Primeiro presidente da ANA, o professor Jerson Kelman, da Coppe/UFRJ, aponta que para que o sistema de gestão de recursos hídricos funcione de forma ideal, é preciso aperfeiçoar a atuação dos comitês de bacias. Ele pondera que os setores usuários da água, especialmente a indústria e agricultura, devem se envolver mais para que não acabem se tornando "vítimas da tragédia do uso dos bens comuns":
- Os comitês em geral atuam aquém de suas responsabilidades e possibilidades. Ou seja, têm claudicado no cumprimento da missão para a qual foram criados, principalmente devido à dificuldade de seus integrantes para o exercício de uma atividade para a qual não há precedentes na prática política do país. Para Marco Neves, da ANA, momentos de crise, como o da disputa pelas águas da Bacia do do Paraíba do Sul, apresentam o cenário ideal para fomentar o amadurecimento dos colegiados dos comitês de bacias.
- Momentos de crise apresentam situações reais que demandam participação mais ativa e convicta das pessoas. Uma água que nasce em Minas não tem naturalidade, não fica parada, corre para outros estados. Se for mal gerida num estado vai afetar outro que vai recebê-la mais abaixo. Especialistas concordam que a consolidação da gestão hídrica leva tempo. Estudos realizados em 2003 já indicavam problemas ambientais que a Bacia do Paraíba enfrentava na época. Mas só agora, 11 anos depois, é que o enfrentamento coordenado foi formalizado no plano estadual, que começará a ser executado a partir de maio. O documento prevê investimentos de R$ 10,5 bilhões em 16 anos para ampliar a coleta de esgoto para 90% e o tratamento para 70%. Hoje só 40% do esgoto do Rio é tratado.

O Globo, 07/04/2014, País, p. 6

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