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Genoma contra extinção do peixe-boi

O Globo, Ciência, p. 26
18 de Fev de 2010

Genoma contra extinção do peixe-boi
Cientistas promovem mapeamento genético para evitar sumiço do animal

Letícia Lins e Renato Grandelle

Antes abundante na costa brasileira, do Rio de Janeiro ao Amapá, e atualmente restrito a grupos esparsos no litoral do Nordeste, o peixe-boi marinho está reduzido a cerca de 500 indivíduos, o que o torna o mamífero aquático mais ameaçado de extinção no país.

O levantamento é do Instituto Chico Mendes (ICM), que, agora, promove um mapeamento genético da espécie para tentar aumentar sua população.

A análise de alguns peixesbois permitirá aos pesquisadores misturá-los melhor, evitando a aglomeração de exemplares com baixa variedade genética.

Segundo a analista ambiental Fábia Luna, chefe do Centro de Mamíferos Aquáticos do ICM, algumas doenças atingem tipos específicos de gene.

Por isso, se toda a população tiver composição genética semelhante, a chance de que seja dizimada é maior.

- Vamos escolher casais mais compatíveis, ou seja, aqueles que podem ter um filhote com uma grande variedade genética - explica Fábia. - Essa mistura fará com que ele possa suportar mais facilmente certas doenças, mudanças bruscas de temperatura ou até alterações provocadas pela degradação ambiental, como a maré vermelha.

Não haverá introdução de genes em laboratório ou captura em série dos animais. O mapeamento genético é feito em indivíduos aleatórios, recolhidos pelo litoral e soltos onde houver mais chances de variedade genética.
Alto preço do couro estimulou a captura
O crescimento populacional do peixe-boi, embora desejável, não deve acontecer a curto prazo. A reprodução da espécie é muito lenta: a fêmea demora pelo menos três anos entre as gestações. Mais rápida tem sido a aniquilação da espécie. Embora sua caça seja proibida, os relatos colhidos pelo ICM dão conta de que os bandos, antes de 20 indivíduos, hoje têm apenas cinco.

Os peixes-bois foram dizimados ao longo dos séculos, devido ao alto valor de exportação de seu couro. O material também era resistente, e, por isso, chegou a ser usado na fabricação de correias de máquinas de costura manuais. A carne, por sua vez, alimentava por semanas pequenas comunidades litorâneas. A gordura, segundo a crença, curava uma série de doenças.

Nem o habitat conspirou a favor da espécie: a opção por águas pouco agitadas, manguezais e praias rasas, onde se alimentam de capim, tornaram-na presa fácil do homem.

Com a destruição dos manguezais e a especulação imobiliária, os peixes-bois têm dificuldade até para amamentar. Os filhotes terminam desgarrados e encalham à beira-mar.

- Há mais de 30 anos não há relatos do peixe-boi marinho no litoral do Rio à Bahia - lamenta Fábia. - Quanto mais restrita a área em que se distribui a espécie, maior é sua vulnerabilidade.
Reprodução entre espécies diferentes preocupa
Outra preocupação da analista ambiental é com a reprodução entre duas espécies de peixe-boi - marinho e amazônico -, muito comum na Ilha de Marajó, no Pará. Os filhotes têm um código genético consideravelmente menos variado, e muitos já nascem doentes.

Não há esperanças de que esta "nova" população vingue.

- Também poderemos promover ações relacionadas ao peixe-boi amazônico, que está ameaçado de extinção, mas ele ainda é muito mais presente do que a espécie marinha - ressalta Fábia. - A espécie que vive na bacia da Amazônia transita em uma área muito grande e de água turva, o que nos impede de determinar o tamanho dessa população.

Contagem aérea
Mamífero é registrado em sobrevôos

O censo do peixe-boi marinho teve início há três semanas.
De avião, em sobrevoos baixos e lentos, os pesquisadores do Instituto Chico Mendes (ICM) repetem uma técnica já usada para contagem de golfinhos e baleias. Trata-se de uma evolução significativa em relação ao último levantamento, promovido em 1997, quando chegou-se a uma estimativa populacional dos animais por meio de questionários respondidos por pescadores.

Desde que foi implantado, há três décadas, o Projeto Peixe-Boi - responsável pelo primeiro censo e agora incorporado ao ICM - já fez o resgate de 56 animais encalhados. Vinte e dois foram reintroduzidos à natureza (destes, dez são monitorados por radiotelemetria ou satélite).
Além desse contingente, 72 animais foram manejados.

Os pesquisadores acreditam que há peixes-bois voltando a usar áreas há muito tempo não frequentadas pelos mamíferos - alguns, inclusive, ficaram encalhados nestes pontos. A constatação desta mudança de hábito foi um dos fatores para que uma nova contagem da espécie ganhasse as praias nordestinas. (L.L. e R.G.)

O Globo, 18/02/2010, Ciência, p. 26

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