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Genocídio de indígenas em curso

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: KAXUYANA, Angela
28 de Mar de 2022

Genocídio de indígenas em curso
Para a Funai, parentes isolados são obstáculos a grilagem e roubo de madeira

Angela Kaxuyana
Coordenadora-executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)

Os povos isolados, como são chamados pelo Estado brasileiro nossos parentes que vivem autônomos no interior das matas, dependem exclusivamente dos recursos naturais para sobreviver, ao mesmo tempo em que cuidam e manejam a biodiversidade existente nas florestas.

No entanto, o avanço desenfreado da fronteira do desmatamento no sul do Amazonas, além da falta de ações de proteção territorial, vem ameaçando a existência dos povos indígenas isolados da região.

De acordo com estudo do Instituto Socioambiental (ISA), se o cenário de desgovernança continuar, o desmatamento em território de ocupação de indígenas isolados pode quadruplicar e alcançar cerca de 170 mil km2 em 2050 -quatro vezes mais do que a média histórica para os anos de 2012 a 2016.

Em 2021, dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais) analisados pelo Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) já alertavam que nos últimos cinco anos um avanço veloz de devastação aconteceu na região, onde opera parte de um grande cinturão do agronegócio.

Ali, entre os municípios de Lábrea e Canutama, fica a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, habitada por indígenas isolados conhecidos na região como Katawixi, cujos vestígios de sua presença foram encontrados em uma expedição de 2011 da Funai.

Desde 12 de dezembro de 2021, porém, o território está totalmente vulnerável. Apesar de pedidos do Ministério Público Federal e da pressão do movimento indígena e das organizações não governamentais, a portaria que deveria manter a restrição de acesso à área e, logo, garantir a proteção, não foi renovada pelo órgão indigenista.

Sob forte pressão de grilagem e de madeireiras, a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi é também um obstáculo para a pavimentação da BR-319, projeto de rodovia que liga Manaus a Porto Velho, iniciado na ditadura militar e reativado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL).

Mais recentemente, às margens do médio rio Purus, foi confirmada a presença de um grupo de indígenas isolados. A informação chegou à Funai em setembro de 2021, mas nenhuma das medidas de proteção recomendadas pelos servidores -como instalação de bases de proteção, restrição de acesso ao território e realização de um cordão sanitário- foi aplicada até o momento.

Observamos a cada dia o avanço desenfreado do desmatamento na Amazônia e o incentivo à invasão dos territórios indígenas. Nas cinco terras indígenas mais desmatadas em 2020 no Brasil, todas têm a presença dos povos chamados "isolados" ou de "recente contato".

Isolados são nossos parentes mais resistentes, que rejeitam qualquer tipo de contato com não indígenas devido ao histórico de massacres e perseguições. O isolamento é uma maneira que encontraram para seguir existindo. Trata-se de um direito.

A função da Funai é garantir a proteção de territórios e vidas indígenas. No entanto, sob a atual política de proteção de povos indígenas isolados, o órgão mostra trabalhar contra seus princípios, tal qual raposa cuidando do galinheiro.

FSP, 28/03/2022, Tendências/Debates, p. A3

https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/03/genocidio-de-indigenas-em…

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