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'Gatos' desviam 5,4 bi de litros d'água

OESP, Metrópole, p. C1, C3
17 de Jan de 2009

'Gatos' desviam 5,4 bi de litros d'água

Marici Capitelli

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) identificou no ano passado 21.165 imóveis com equipamentos de medição de água fraudados na capital e em outros 36 municípios da região metropolitana. O volume de água desviado chega a 5,4 bilhões de litros em um ano. Esse montante abasteceria mensalmente uma cidade com 1,5 milhão de habitantes - atenderia Guarulhos, com 1,2 milhão de pessoas, e sobrariam litros para a demanda de Suzano, com 270 mil, por exemplo.

Para encontrar os fraudadores, foram realizadas 155.569 vistorias por técnicos da Sabesp nas cidades da Grande São Paulo, com exceção de Diadema e Santo André, que operam sistemas próprios de distribuição. Com a regularização dos "gatos", voltam a ser arrecadados para a Sabesp R$ 26,1 milhões por ano.

O consumo irregular de água na região metropolitana não faz distinção social. Moradores de regiões carentes, concentradas na periferia, e de bairros nobres, como Higienópolis, Pacaembu, Jardins, Moema e Campo Belo, fraudam equipamentos de medição. "Temos casos de estabelecimentos famosos nos Jardins, como restaurantes, que adulteram os hidrômetros", afirmou José Antonio Soares de Oliveira, gerente da Unidade de Negócios Centro da Sabesp.

No ano passado, após vistoria, um famoso restaurante em Moema, que violava o hidrômetro, teve de pagar R$ 70 mil à Sabesp. Um edifício de luxo no mesmo bairro da zona sul também fez uma ligação clandestina. Quando a fraude foi descoberta, o condomínio pagou o que devia: R$ 87 mil. Quanto mais nobre o fraudador, mais estratégias, no entanto, para driblar os fiscais são adotadas, como não deixar pistas à mostra. "Existem pessoas especializadas que prestam esses serviços", disse Oliveira.

Um outro exemplo de violação foi usado em um restaurante na Haddock Lobo, nos Jardins, que violava o hidrômetro no ano passado. A carcaça do equipamento foi arrancada e a água passava sem medição. Normalmente estabelecimentos de áreas nobres deixam a água passar por um tempo e depois voltam o hidrômetro ao normal para driblar os fiscais, segundo a Sabesp.

De acordo com o assistente executivo da Diretoria Metropolitana do órgão Nilton Seuaciuc, existe uma correlação direta entre poder aquisitivo e consumo de água. "Enquanto nos bairros nobres o consumo por pessoa por dia é de 400 litros de água, nos conjuntos habitacionais é de 100 litros." Ou seja, o rombo para a Sabesp é maior em bairros ricos. Além disso, segundo técnicos, nessas regiões estão concentrados serviços e comércios, com competição acirrada.

Quando os técnicos detectam a fraude, a pessoa recebe um auto de intimação e tem cinco dias para regularização na Sabesp. Um sistema calcula o quanto de água deixou de ser pago e seu valor. Isso é possível porque há o histórico de cada imóvel nos últimos cinco anos. Não há cobrança de multa.

Fraudes no centro correspondem a 50% dos prejuízos
Na região, 4.910 pontos desviaram 1,9 bilhão de litros de água; zona leste, com 7.566, lidera ranking de 'gatos'

Marici Capitelli

A região central concentrou o maior volume de água desviada na Grande São Paulo, no ano passado. Dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) apontam que a área registrou 4.910 pontos irregulares que furtaram 1,9 bilhão de litros de água. A empresa conseguiu recuperar desses fraudadores R$ 13,5 milhões - metade dos R$ 26,1 milhões arrecadados pela companhia nas 37 cidades atendidas na região metropolitana.

O mapa da Sabesp, no entanto, difere do mapa territorial. A região com o maior volume de água desviada, além dos bairros centrais, estende-se da Lapa, na zona oeste, a São Mateus, na zona leste, e da Marginal do Tietê, nas zonas norte e leste, até a Avenida dos Bandeirantes, na zona sul. A área, com 3 milhões de habitantes, tem 1,4 milhão de ligações de água.

A companhia constatou que a maior parte das ligações irregulares ocorre em casas. Foram 3.839 imóveis residenciais notificados, ante 696 comerciais. Fraudes foram identificadas também em casas de alto padrão. "Uma bela fachada (residencial) não significa que não exista fraude. O que os fraudadores precisam entender é que os custos desse ato acabam recaindo sobre os outros usuários", disse Milton Seuaciuc, assistente executivo da Diretoria Metropolitana da Sabesp.

Há também quem burle a Sabesp por não ter condições de pagar pela água. Na Rua Independência, no Cambuci, 90 famílias - quase 500 pessoas - ocupam um prédio invadido e desviam água. "Para recolher R$ 5 de cada um por mês para limpar o prédio já é uma dificuldade, imagine pagar a conta de água", afirmou Maria da Costa Filha. Com dez filhos e três netos, Uina dos Santos, de 38 anos, disse que gasta "muita água", mas considera natural não pagar. "Se não temos condições, o que fazer?" A Sabesp informou que cortaria a água.

Um estacionamento recém-inaugurado na Rua Cesário Mota, em Santa Cecília, já adulterou o hidrômetro. A água havia sido cortada por falta de pagamento - uma dívida de quase R$ 9 mil -, mas, quando os fiscais chegaram, as torneiras estavam fartas. Os funcionários disseram que não sabiam do corte. O proprietário foi procurado, mas não deu retorno.

Embora o centro lidere em volume de desvio, a região leste, com 3,6 milhões de habitantes, foi a campeã em quantidade de hidrômetros adulterados. Na área que inclui Penha, Itaquera e São Miguel, na capital, e cidades como Arujá, Suzano e Mogi das Cruzes, foram localizados 7.566 pontos de fraude, que consumiram irregularmente 976,2 milhões de litros de água. O volume de dinheiro ressarcido foi de apenas R$ 567 mil.

A região oeste, com 3 milhões de pessoas, teve 3.434 fraudes, menos da metade da zona leste. No entanto, a arrecadação para pagar 1,1 bilhão de litros desviados foi de R$ 3,4 milhões. A área sul da Sabesp, com 3,8 milhões de habitantes registrou 1.625 pontos de fraude. Foram desviados 378,9 milhões de litros de água e arrecadados à Sabesp R$ 2,2 milhões. Na região norte, onde vivem 2,7 milhões, foram 3.630 fraudes que consumiram 1,082 bilhão de litros de água. A Sabesp recuperou na região R$ 3,1 milhões.

Contra esses prejuízos, a Sabesp tem utilizado sistema de inteligência. Ao todo são 50 equipes de caça às fraudes que saem às ruas. A mudança de cobrança individual nos apartamentos vai facilitar os trabalhos. Denúncias podem ser feitas pelo 195.

Caça-fraudadores sofrem ameaças constantes

Os caça-fraudadores da Sabesp têm de enfrentar ameaças de fraudadores. "Já passei por muitos apuros", diz o caça-fraude José do Carmo Gomes, há 12 anos na função. Ele atua na região central. Recentemente, foi ameaçado por uma policial que tinha ligação irregular em casa. "Fique tranquilo, a gente se encontra por aí", disse, com ironia.

Outra característica comum dos fraudadores: ninguém admite a fraude. "As pessoas inventam todas as desculpas que se pode imaginar", explica o encarregado Flávio Joaquim dos Santos. Uma vez um proprietário reclamou contra a palavra fraude. "Ele disse que não era fraudador mas um consumidor em dificuldades." Não existe cobrança de multa, mas quem fraudou tem que pagar a conta.

No Rio, delegacia especializada e força militar

Talita Figueiredo

A Nova Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto), estatal de saneamento básico do governo fluminense, já arrecadou mais de R$ 4 milhões só em multas administrativas em quase 600 operações de combate aos "gatos" (ligações clandestinas para furtar água) desde janeiro de 2007. De acordo com o presidente da empresa, Wagner Victer, para cada golpe que a equipe de técnicos da Assessoria de Segurança Empresarial da Cedae desmonta, pelo menos cem outros são regularizados. O motivo é o temor, pelos consumidores, de ter de enfrentar uma ação criminal. No Rio, há até uma DP especializada em combater desvios de água e luz, a Delegacia de Defesa dos Serviços Delegados (DDSD).

"O combate é feito com participação policial, porque o 'gato' é crime de furto, artigo 155 do Código Penal, que gera processo judicial e tem pena prevista de até 4 anos de prisão. Como ninguém quer ser preso, as pessoas têm medo e regularizam."

A empresa usa 25 militares da reserva nas operações de inteligência para mapear locais da cidade onde possam haver ligações clandestinas por meio de fotos feitas por satélite. Por exemplo, escolhem um hotel de luxo, pesquisam num guia de viagens o número de quartos que ele tem, fazem uma estimativa do consumo e conferem com as contas pagas. Se der menos, montam uma operação ali. Há regiões da cidade, como a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes (zona oeste) em que a receita da empresa subiu entre 20% e 30%.

As operações têm nomes curiosos como Gato Chique (áreas de classe média alta), Gato Gordo (churrascarias), Gato Guloso (restaurantes), Gato Mecânico (oficinas), Gato Internado (hospitais). Eles estão dentro da campanha Ser Legal Não Custa Nada, que permite que os clientes regularizem a situação sem pagar nada, caso procurem agências da Cedae.

Equipes de vistoria são sempre acompanhadas de policiais. Quando encontram 'gato', os agentes dão voz de prisão ao dono. "Com essas ações, donos de restaurante de luxo da Barra e do Leblon, síndicos de grandes condomínios e donos de escola já foram detidos e hoje respondem a processo por furto. Tem muita gente com currículo invejável com ficha criminal por furto de água", afirma Victer.

Recentemente, Victer, assistindo a um programa de TV, descobriu um "gato". Na atração, uma família expunha toda a sua despesa mensal com a casa. "Percebi que eles não falavam da conta de água. Achei estranho. Fizemos uma batida. Na mesma rua, descobrimos outros 18 casos."

OESP, 17/01/2009, Metrópole, p. C1, C3

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