VOLTAR

Gastronomia sustentável ganha adeptos no Brasil

OESP, Vida, p. A26
06 de Out de 2010

Gastronomia sustentável ganha adeptos no Brasil
Programa em Curitiba pretende popularizar o conceito; em São Paulo, quiosques e restaurantes caros estão aderindo à tendência

Andrea Vialli, Afra Balazina

No prato, ingredientes orgânicos, sazonais e cultivados nas redondezas - de modo que não sejam transportados por grandes distâncias e emitam gases de efeito estufa. Carne, só de fazendas com rastreabilidade e de peixes que não estejam ameaçados de extinção. Na hora de cozinhar, aproveitamento integral dos alimentos para evitar desperdício.
Esses são alguns ingredientes da chamada gastronomia sustentável, um movimento que vem crescendo e ganhando adeptos entre chefs de renome no Brasil.
A conexão entre a comida do dia a dia e seus impactos ambientais está levando os chefs a repensarem seus cardápios. Um exemplo é o paranaense Celso Freire, que está à frente de um movimento para popularizar a gastronomia verde que envolve 15 restaurantes em Curitiba.
Dentro do programa Gastronomia Responsável, o chef propôs a cada um dos restaurantes convidados que elaborassem pelo menos um prato seguindo os preceitos da sustentabilidade, com preço máximo de R$ 30 - a cada prato, R$ 1 é convertido para programas de pesquisa e conservação da biodiversidade apoiados pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, parceira do projeto.
"É fundamental que os restaurantes se envolvam, porque o setor impacta significativamente o ambiente, seja na geração de lixo ou no uso de matérias-primas de origem animal e vegetal", diz Freire, um dos chefs mais premiados do País, que já comandou a cozinha da embaixada do Brasil em Londres.
"Não há como não se preocupar com o fato de que há peixes que estão ameaçados de extinção, como alguns tipos de atum. Ou mesmo o palmito-juçara, também em perigo no Brasil", diz Freire, que é dono do Guega Ristorante, em Curitiba.
Em São Paulo, o chef Alex Atala, dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito, também é um adepto da tendência, especialmente na busca por fornecedores. "O trabalho lado a lado com pequenos fornecedores e pequenas comunidades é um fato recorrente no nosso cotidiano nos restaurantes", diz Atala.
De acordo com ele, "o comércio justo dos ingredientes brasileiros, principalmente os vindos de comunidades extrativistas ribeirinhas ou ainda os cultivados pelo pequeno agricultor, fomenta a cultura e o benefício econômico e social". Atala avalia que na gastronomia "existe grande potencial de conversão desse mercado em ferramenta de conservação da natureza".
O chef participou recentemente do maior evento de gastronomia sustentável do mundo, o Cook It Raw (mais informações nesta página).
Slow food. Quando abriu o restaurante Julia, há dois anos e meio, a chef Anayde Lima achou prudente não alardear que era adepta do slow food - movimento que faz oposição à comida industrializada. Ela temia assustar os clientes e ficar estigmatizada. "Ainda havia muito preconceito", conta.
O estabelecimento se preocupa em ter alimentos sempre frescos e de origem orgânica. Por causa dessa preocupação, já aconteceu de ficar sem bife ancho para servir. Foi preciso explicar ao cliente que não compra a carne de qualquer fornecedor.
Mas ela diz não ter perdido público - em vez disso, ganhou mais respeito. Hoje, quase metade das pessoas vai ao lugar por causa da proposta diferenciada. Outra preocupação que Anayde tem é com o lixo - ela recicla os resíduos desde o início do restaurante. "O mundo não dá conta, está sendo sugado. Precisamos fazer a nossa parte", diz.
O chef João Belezia, que tem serviço de buffet, diz que muitas empresas têm pedido cardápios mais sustentáveis para eventos. Ele também criou pratos que são servidos nos quiosques da BioGourmet (um deles fica no shopping Market Place, na zona sul de São Paulo) com produtos orgânicos e integrais, como o arroz vermelho.
João Eugênio Martins do Amaral, sócio do bar e restaurante Pé no Parque (próximo ao Parque do Ibirapuera), acredita que a preocupação com uma alimentação sustentável seja uma "tendência irreversível".
O local serve "porções saudáveis", como palitos de legumes, e usa ingredientes orgânicos. "Temos boa aceitação, principalmente entre o público jovem", diz.

Alguns princípios
Orgânicos
São alimentos produzidos da maneira mais natural possível, sem insumos químicos, fertilizantes e pesticidas.
Produtos regionais
Os alimentos produzidos perto do local de consumo não precisam se transportados por longas distâncias. Com isso, a emissão de poluentes é menor.
Risco de extinção
Evite fazer pratos que utilizem espécies ameaçadas de extinção, como o palmito-juçara.
Aproveitamento total
O aproveitamento integral dos alimentos, como talos e raízes, minimiza reduz o
desperdício e a geração de lixo.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101006/not_imp621086,0.php

No Cook it Raw, cogumelos selvagens e carne de rena
Evento internacional reuniu nomes como Alex Atala para cozinhar com baixo impacto ambiental

Andrea Vialli, Afra Balazina

A terceira edição do evento gastronômico Cook it Raw (Cozinhe Cru, em tradução livre), realizada em agosto na Lapônia, extremo norte da Escandinávia, colocou chefs de cozinha de renome internacional para coletar cogumelos selvagens e preparar pratos à base de carne de rena.
O evento, criado em 2009 às vésperas da Conferência do Clima de Copenhague (COP-15), impõe um desafio aos chefs participantes: voltar aos ingredientes selvagens e cozinhar com o menor impacto ambiental possível, com mínimo consumo de energia ou fontes alternativas.
O brasileiro Alex Atala, dono dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito, em São Paulo, embarcou na empreitada. De Helsinque, na Finlândia, viajou mais 14 horas de trem, até ficar bem perto do Polo Norte. "O Cook It Raw vem se transformando em um dos eventos mais importantes da gastronomia mundial, pois coloca questionamentos e dificuldades no dia a dia dos chefs. Não é fácil sair de nossos ambientes, sem equipamentos nem ajudantes, e usar uma nova cozinha e um novo lugar sem conhecer os ingredientes", disse o chef ao Estado.
Morte. Atala explica que o evento não é um festival de comida crua, embora o nome possa aludir a isso. "O cru é um conceito que nos traz muita reflexão. Falamos de cru não no sentido de não cozido, mas no sentido de ter a menor interferência possível. Fazer uma cozinha com menor impacto ambiental também é gastar o mínimo de energia. Também é afrontar a morte."
Ele explica que, nas três edições do evento - as anteriores foram realizadas em Collio, na Itália, e em Copenhague, na Dinamarca -, chefs tiveram de ver os animais que utilizariam em suas receitas, como porcos, renas e galinhas, sendo abatidos sob seus olhos.
"Isso cria uma questão ética, de como a gente se relaciona com o fato de um ser vivo perder a vida para alimentar outro", contou o chef. "Muitas vezes nos parece selvagem assistir à morte de um animal, mas é importante lembrar que nossas avós e bisavós, com a sua meiguice e doçura, faziam isso de forma cotidiana."
O retorno às origens da culinária, sem a onipresença da indústria de alimentos, é outro princípio da sustentabilidade na gastronomia, além do apelo para que espécies hoje consumidas pela humanidade não sejam extintas.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20101006/not_imp621087,0.php

OESP, 06/10/2010, Vida, p. A26

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.