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Garimpo ilegal de facções criminosas cresce no território yanomami e desafia governo brasileiro

RFI - https://www.rfi.fr/br/podcasts/linha-direta/20240117-
17 de Jan de 2024

Garimpo ilegal de facções criminosas cresce no território yanomami e desafia governo brasileiro

Raquel Miura, correspondente da RFI em Brasília
Publicado em: 17/01/2024 - 12:10

Governo federal diz que expulsar garimpeiros e garantir atendimento a comunidades indígenas são prioridades, mas a ministra Sônia Guajajara admite que há poucas aeronaves disponíveis para acessar a reserva e que a solução definitiva não virá em 2024. Especialista chama atenção para a presença de garimpeiros armados, perigosos e ligados a outros crimes, como tráfico de droga e lavagem de dinheiro.

Parece uma tenebrosa lembrança de um ano atrás: crianças em pele e osso, adultos com tamanho de criança, explosão de malária, cruéis relatos de abusos. Mas o cenário é atual e mostra o fracasso das medidas do governo Lula em salvar o povo Yanomami, depois de vários anos de invasão, com o ápice na gestão Jair Bolsonaro, que estimulou abertamente o garimpo em áreas indígenas.

A atividade ilegal já devastou mais de 5.400 hectares da reserva, 6% somente no ano passado. Dados apresentados pela Hutukara Associação Yanomami mostram ainda que o número de mortes de indígenas praticamente não diminuiu de 2022 para 2023.

"São 308 pessoas que morreram este ano, de janeiro até novembro, sendo que 50% eram crianças com menos de 5 anos. É um número muito alto. Em 2022, no governo anterior, foram 343 óbitos", afirmou Dário Kopenawa, vice-presidente da Associação. "Em 2023 foram devastados 330 hectares na terra Yanomami, quando já estavam em ação as medidas de emergência. Crise humanitária, crise sanitária, a precariedade continua na terra Yanomami", completou.

A repercussão desses números e o flagelo Yanomami estampado em fotos mundo afora levaram a ministra dos povos indígenas Sonia Guajajara a fazer uma live nesta terça-feira para dizer que o governo atual e o anterior não são diferentes apenas no discurso.

"Essa situação da invasão de garimpeiros no território Yanomami, todo mundo sabe, é uma situação de décadas, que se intensificou há quatro, seis anos. Tinha essa conivência do governo federal com essa exploração ilegal. E hoje há o nosso compromisso de tirar o povo Yanomami dessa situação", salienta.

Guajajara admitiu, no entanto, que a solução definitiva não virá em 2024. "É importante compreender a complexidade do território Yanomami para não só falar 'ah, um ano e não resolveu". Não resolveu e possivelmente não se resolverá em 2024 o problema em toda a sua dimensão, porque é de fato uma região complexa, de difícil acesso, que depende de toda uma logística aérea para transportar material de construção, cesta básica. A gente dispõe de pouquíssimas aeronaves ou helicópteros da defesa, que é o que nos dá esse apoio hoje".

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Garimpo do crime organizado

O presidente do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental Marcio Santilli, que já presidiu a Funai, disse à RFI que houve empenho maior de áreas do governo como Meio Ambiente, Direitos Humanos e Povos Indígenas, mas que é preciso melhorar a presença militar e também a articulação entre os vários órgãos que atuam ali para lidar com um tipo de garimpo mais perigoso e armado.

"Parte do território que continua invadido está nesse momento ocupado por grupos que não são garimpeiros comuns. Esses já saíram. Mas são grupos armados, são grupos que praticam o garimpo também como uma forma de lavar dinheiro e de se valer da infraestrutura ilegal desses garimpos para apoiar o crime organizado, o tráfico de drogas na região de fronteira. Então é uma situação muito grave", frisa.

Para Santili, o combate efetivo a esses criminosos exige uma parceria com o governo da Venezuela. "Esses grupos têm apresentado uma capacidade de resistência grande e é preciso que as forças de repressão se adaptem a essas condições. Seja no reforço do trabalho de inteligência ou seja numa articulação mais forte com o governo da Venezuela, porque parte da infraestrutura que apoia esses grupos que permanecem na área está em território venezuelano.

Para ilustrar o desafio de estrangular o garimpo, fontes do governo federal com atuação na área indígena citam o caso do mercúrio, metal altamente tóxico, usado na separação do ouro. O esforço para impedir que o mercúrio abasteça o garimpo ilegal é jogado por terra porque parte do produto acabada entrando pelo lado venezuelano.
Malária e contaminação com mercúrio

"Nós temos provas de que a invasão garimpeira acabou gerando, além dos problemas da malária, a contaminação das águas com mercúrio. Isso gera desagregação, altera os modos de vida da comunidade, reduz significativamente a capacidade produtiva do povo Yanomami, gerando inclusive a desnutrição grave", disse o secretário de saúde indígena, Weibe Tapeba, que participou ao lado de Guajajara da fala em redes sociais.

Diante de fotos chocantes que reacenderam o alerta vermelho para o risco de genocídio dos Yanomami e com a Justiça Federal de Roraima cobrando novo cronograma de ações do governo na área, o presidente Lula reuniu sua equipe no início deste ano e pediu atuação mais firme de vários órgãos para equacionar uma situação que considerou emergencial e prioritária.

Uma das medidas anunciadas é a criação de um posto permanente em Roraima para coordenar as forças que atuarão na região. Mas indígenas dizem que não foram consultados ou chamados para discutir a situação. Eles temem que o orçamento seja consumido pela estrutura e pela burocracia, sem resolver de fato a tragédia Yanomami.

"A gente não sentou ainda na mesa de discussão, o governo não articulou, o governo não consultou as lideranças. E o governo está querendo investir mais de R$ 1 bilhão nessa Casa do Governo. Só que, na visão da Hutukara Associação Yanomami, não será investido dinheiro especialmente na terra Yanomami. Isso vai ser investido na casa do governo, no estado de Roraima. Não vai resolver morte, não vai resolver desnutrição, não vai resolver casos de malária", teme Dário Kopenawa.

Segundo Márcio Santili, seria importante o governo montar postos permanentes nos maiores acessos à reserva Yanomami. "Deveria ser analisada também a possibilidade de instalação em caráter permanente de uma estrutura física para o controle do acesso à área, seja através do rio Uraricoera, seja através de outras frentes de invasão utilizadas pelos garimpeiros."

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