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Garimpo em terra Yanomami cresce 46 por cento em 2021, aponta relatório

Valor Econômico, Brasil, p. A2.
Autor: CHIARETTI, Daniela
11 de Abr de 2022

Garimpo em terra Yanomami cresce 46% em 2021, aponta relatório
Levantamento da Hutukara Associação Yanomami indica também que há distribuição de armas e aliciamente do jovens indígenas na região

Por Daniela Chiaretti - De São Paulo
11/04/202

O garimpo cresceu 46% em 2021 na Terra Indígena Yanomami. O patamar da ilegalidade é alto, sendo que já havia sido registrado um salto de 30% em relação a 2020. A atividade, inteiramente ilegal, impacta diretamente 56% dos indígenas. Os casos de malária explodiram, assim como a desnutrição infantil provocada pelas invasões ao território, o desmatamento e o consequente desaparecimento da caça. Além disso, o garimpo está aliciando jovens indígenas, que abandonam a escola e as aldeias.

A situação é muito grave, alerta o relatório "Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo". É um panorama de 84 páginas que retrata o avanço da destruição garimpeira na maior terra indígena do país lançado hoje pela Hutukara Associação Yanomami.

O cenário repete a invasão garimpeira da década de 80 à terra yanomami, que completa 30 anos em maio e tem área equivalente à de Portugal distribuída entre os estados de Roraima e Amazonas. Na época o território foi invadido por mais de 40 mil garimpeiros. As tensões entre índios e garimpeiros levaram ao massacre de Haximu, o primeiro e único crime no Brasil julgado como genocídio, e resultou na morte de 16 crianças, mulheres e idosos indígenas.

"Os algozes continuam os mesmos, mas com um poder de destruição muito maior", diz o texto. Dados do MapBiomas mostram que de 2016 a 2020 o garimpo na terra indígena cresceu espantosos 3.350%. Em janeiro, um sobrevoo da equipe de entidades não governamentais que monitora a área mostrou que a atividade continua intensa. O garimpo afeta mais a TI em Roraima, mas está espalhado em todas as direções. "Há aliciamento de jovens e distribuição de armas, o que irá aumentar o conflito nas aldeias", diz uma fonte que está ameaçada. "O que está se criando ali é uma situação desesperadora. A crise sanitária e a destruição social são gravíssimas."

No sobrevoo de áreas invadidas na terra indígena foram vistos helicópteros e aviões do garimpo, além de máquinas e bombas. O garimpo está muito próximo das aldeias. É fácil ver malocas comunitárias cercadas de destruição. Há postos de saúde indígena abandonados e pistas de pousos sob controle do garimpo, diz a fonte.

"Uma das nossas comunidades, que está perto do rio Uraricoera, onde o garimpo está mais concentrado, está destruída", diz Julio Ye'kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seduume). Existem cerca de 700 ye'kwana na TI Yanomami espalhados em três comunidades principais. "O garimpo começou a aumentar em 2017 e acelerou no governo Bolsonaro", diz o líder.

"O lugar onde a gente pesca foi destruído. O rio morreu, está barrento. A malária está descontrolada. O desenvolvimento das crianças não é mais normal", segue Julio Ye'kwana. "A gente sente forte os garimpeiros aliciando os jovens, que deveriam estar estudando e não mexendo com dinheiro sujo. Mas desistem da escola e só ficam os mais velhos na comunidade".

"A Funai é como se tivesse ficado nossa inimiga. Está difícil para a gente. Esperamos que na eleição venha alguém que apoie os indígenas. E que seja feita operação para retirada dos garimpeiros", diz Julio Ye'kwana. "E tem esses projetos de lei tramitando. Somos contra, não queremos mineração nem nada na terra. Só queremos viver do jeito que sempre vivemos", diz ele.

"É o combo da destruição", resume o médico Paulo Cesar Basta, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e que trabalha há mais de duas décadas com saúde indígena e com os ianomami. "Hoje a terra indígena vive o caos sanitário que viveu na primeira corrida do ouro, na década de 80."

Depois de uma década de relativa estabilidade, diz o médico, em 2014 iniciou nova ocupação do território. "Foram feitas umas dez operações do Ibama e da PF de retirada dos garimpeiros, mas com Bolsonaro as ações foram interrompidas e sabemos as consequências", afirma Basta. Hoje há mais de 20 mil garimpeiros ilegais na região, estima-se.

"A primeira providência do garimpo, quando entra no território, é abrir áreas e mudar o curso dos rios. Com isso os grandes animais de caça, como veado e anta, são afugentados, os rios, contaminados por mercúrio, e diminui a fonte de frutos e a coleta tradicional", explica o médico. "As fontes naturais de alimentos saudáveis tornam-se escassas e as áreas remexidas na floresta tornam-se criadouros de mosquitos", segue o pesquisador da Fiocruz.

Um relatório recente da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) no distrito sanitário ianomami (Dsei) diz que há 29.633 indígenas vivendo em 366 aldeias, de duas etnias (ianomami e ye'kwana), em Roraima e no Amazonas. O relatório indica a explosão da malária no distrito com 6.225 casos registrados em 2016 e subindo ano a ano até chegar a 27.087 casos em 2020 e 23.655 em 2021.

"O garimpeiro 'compra' uma permissão para continuar no território", diz Basta. Às vezes a "troca" se dá por meio de alimentos industrializados ricos em gordura, sódio e açúcar. "Agora há casos de hipertensão e diabetes, desnutrição e obesidade", afirma o médico. "Digo que a contaminação por mercúrio é só a ponta do iceberg de muitas outras doenças", diz. "Não são os índios que são vulneráveis. Quem os coloca em vulnerabilidade é o Estado, na medida em que nega a eles os serviços essenciais."

Valor Econômico, 11/04/2022, Brasil, p. A2.

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/04/11/garimpo-em-terra-yano…

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