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Gabeira está certo

Valor-Econõmico-São Paulo-SP
Autor: José Eli da Veiga
21 de Out de 2003

[Há contradição entre o longo tempo de maturação das opções ambientalmente benéficas e a pressa imposta pelo calendário eleitoral.]

Foram mais do que suficientes os nove primeiros meses de hegemonia petista para que não reste a menor dúvida sobre a sorte reservada à natureza e às outras dimensões incluídas na noção de meio ambiente: a pior.

Quando a governabilidade se apóia numa aliança entre trabalhadores acossados por crescente desemprego e empresários angustiados com sua inserção subordinada na globalização unilateral, não sobram brechas para ponderações sobre os custos do crescimento econômico, por mais sensatas que possam ser. A ínfima suspeita de que algum cuidado com o ambiente resultará em obstáculo à expansão desta ou daquela atividade econômica, fará com que qualquer hesitação seja superada pela vitória dos que dizem: a única restrição cabível ao crescimento é a estabilidade, o resto que se dane.

Como a prudência ecológica quase sempre atrapalha os planos de algum grupo de interesse econômico, continuarão freqüentes esses conflitos que jogam o Partido dos Trabalhadores no colo de seus preciosos aliados patronais, cujos expoentes começam com os avulsos ministros do Desenvolvimento e da Agricultura e chegam ao "liberal" vice-presidente, passando pelo tucano presidente do Banco Central. Quando Lula anuncia que pretende industrializar o Pantanal, ou quando seu ministro da Justiça se afoba em oficializar acordo de fazendeiros do sul do Pará com caiapós da reserva Baú, eles só dão novas confirmações de que Gabeira não se enganou, nem se precipitou.

A única coisa que poderia contrabalançar o já assustador passivo ambiental do governo Lula seria investir pesado nos raros projetos em que a conservação pode incentivar - em vez de atrapalhar - o surgimento de novos empreendimentos geradores dos tão imprescindíveis empregos. Um bom exemplo mereceu destaque no capítulo que o próprio Gabeira publicou na recém lançada coletânea "Meio Ambiente no Século 21" (org. André Trigueiro, Ed. Sextante): "mesmo sem contribuição legal decisiva, a reciclagem avança no Brasil e o setor de latas de alumínio, abrindo mais de 100 mil postos de trabalho, nos colocou entre os líderes mundiais de reaproveitamento".

Não fosse a ausência desse tipo de preocupação entre os líderes políticos atuais, a reforma tributária poderia multiplicar estímulos a muitas outras formas amigáveis de crescimento. Só que aqui a contradição é mais entre o longo tempo de maturação das opções ambientalmente benéficas e a incontornável pressa imposta pelo calendário eleitoral. Bom exemplo está na vontade manifestada por vários prefeitos de grandes capitais em reduzir as tarifas dos transportes públicos mediante pesado subsídio federal ao consumo de óleo diesel. Não os cativa a alternativa de que tais recursos sejam investidos em programa de incentivo à produção de biodiesel, opção que transformaria uma virtual vantagem comparativa do Brasil em real vantagem competitiva.

O país chega a ser mais carente em diesel do que em gasolina. Seu impacto nos custos da produção agrícola é comparável ao dos fertilizantes químicos. Dos barcos amazônicos às colhedoras do Sul, passando pelos tratores do Centro-Oeste, precisa-se de muito diesel. Ora, esse tipo de motor foi inventado com óleo de amendoim, e atualmente pode funcionar com outros óleos vegetais. Que seja de palma, de dendê, ou de girassol, o fato é que várias fontes de energia renovável já são exploradas e bem avaliadas nos quatro cantos do país. Mas a generalização de tal procedimento depende de incrementos tecnológicos e institucionais que poderiam ser decisivamente impulsionados por iniciativa do governo federal.

O biodiesel emite 63% menos monóxido de carbono que o diesel de petróleo, além de praticamente não emitir enxofre e fuligens. Por isso, um programa pró-biodiesel teria ainda mais êxito que o velho Proalcool, pois estimularia uma infinidade de novos arranjos produtivos baseados na soja, no girassol, no amendoim, na mamona, no dendê, em babaçu, no nabo forrageiro, ou na colza. De resto, óleos utilizados em frituras também podem deixar de ser simples poluidores ao virarem biocombustíveis, usando a mesma rede de reciclagem dos alumínios, plásticos, vidros ou papelões.

Pelos cálculos dos agrônomos Armando Portas e Sylmar Denucci, seriam suficientes uns 10 milhões de hectares de dendê para substituir o atual consumo de diesel de petróleo, gerando simultaneamente 20 milhões de empregos. E estão disponíveis uns 40 milhões de hectares sem que se derrube nem mais um metro quadrado de floresta nativa, e sem que falte luminosidade ou água. Mas as necessárias adaptações institucionais e tecnológicas exigirão firmes empurrões governamentais. Por isso, é lamentável constatar que o tema nem faça parte das cogitações dos que estão formulando a tal nova política industrial.

A nação pagará altíssimo preço se inovações deste tipo ficarem na dependência exclusiva de um governo marcado pela miopia de zelosos socialistas e desenvolvimentistas do século passado. Sem uma forte pressão social nessa direção, esse governo poderá ser até mais dilapidador e medroso que os anteriores. Daí a crucial importância da campanha "Amansa Brasil" que acaba de ser anunciada pelo Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org). Ela pretende mobilizar esforços de múltiplos colaboradores e instituições dos mais diversos setores da sociedade para fazer um balanço prospectivo dos rumos do desenvolvimento no país e gerar um movimento pela responsabilidade ecológica.

O que também servirá para mostrar que o presidente do PT, José Genoino, perdeu ótima oportunidade de ficar calado quando declarou que Gabeira "é um político especializado em marketing pessoal e é isso que ele está fazendo". O que o Brasil precisa é de muitos outros genuínos gabeiras, e não de contorcionistas que evocam Lenin para justificar concessões das mais temerárias.

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