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Futuro agora

Valor Econômico, Especial, p. F1
26 de Jul de 2013

Futuro agora

Por Roberto Rockmann | Para o Valor, de São Paulo

Ao longo dos próximos meses, técnicos da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), órgão estatal de planejamento do setor de energia, se debruçarão sobre o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, o planejamento do setor para as próximas quatro décadas, buscando identificar a potencial composição da matriz energética até 2050, o consumo e a demanda da população. A expectativa é de que o estudo possa ser concluído e divulgado ao público no próximo ano.
Detentor de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, baseada no etanol e na hidreletricidade, o país terá como desafio manter a trajetória sustentável ao longo dos próximos anos, o que não será fácil. No setor de cana-de-açúcar, será preciso destravar um ciclo de investimentos para que o país possa atender à demanda crescente. O Brasil tem atualmente 5,5 habitantes por veículo, enquanto nos EUA essa paridade é de 1,6, na Europa, de 1,9, e na Argentina, de 3,7. Já, no setor elétrico, 70% do potencial hidrelétrico está na região Amazônica, em que nos últimos anos tem prevalecido a construção de usinas a fio d'água.
"Estamos iniciando as discussões para o PNE 2050 e nossa intenção é de que ele seja publicado no primeiro semestre de 2014. Queremos privilegiar as fontes renováveis", afirma o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim. "O Brasil tem um desafio positivo e diferente do resto do mundo. Nossa matriz é mais renovável do que a dos outros países e podemos ter várias saídas ainda para mantê-la nessa posição", destaca Nivalde de Castro, coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da UFRJ. As fontes renováveis representam 45% da energia produzida, por conta do etanol e das hidrelétricas, percentual muito acima dos 10% apurados nos países que integram a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Apesar da posição privilegiada, o futuro apresenta vários obstáculos. O primeiro deles se refere à hidreletricidade, que representa cerca de 80% da geração de energia elétrica no país. Desde a década de 1990, por conta de pressões ambientais, o Brasil tem privilegiado investimentos na construção de hidrelétricas sem grandes reservatórios de armazenagem. "Antes tínhamos reservatórios que permitiam que pudéssemos guardar água por dois ou três anos. Sem isso, viramos reféns da chuva", afirmou o físico José Goldemberg, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP).
Neste ano, com os reservatórios nos níveis mais baixos nos últimos dez anos, para aumentar a segurança no abastecimento, o governo tem recorrido à geração de gás natural para térmicas e já sinalizou com a contratação de carvão para construir novas térmicas nos próximos anos. "A sustentabilidade da matriz elétrica, hoje calcada na geração hidrelétrica, está em xeque, o que evidencia a importância de se investir em biomassa de cana-de-açúcar para gerar eletricidade, por exemplo", destaca o físico.
Mesmo com reservatórios menores, a construção de hidrelétricas enfrenta dificuldades. Exemplo pode ser visto na usina de São Manoel, no rio Teles Pires. O governo tenta há mais de dois anos obter licenciamento para o empreendimento. Em outubro de 2011, durante processo de audiência pública de discussão da obra, quatro funcionários da Funai, dois da EPE e um antropólogo foram sequestrados pela tribo indígena Kururuzinho, que não quer a usina. "Se conseguirmos avançar com as hidrelétricas, mesmo que sejam a fio d'água, será um progresso, mas temos visto muitas dificuldades. São Manoel não tem reservatório e seu impacto sobre a comunidade indígena é nulo", diz Tolmasquim.
Esse tipo de problema pode reduzir a participação dessa fonte ao longo das próximas décadas. Isso é o que aponta estudo da FGV Projetos sobre o cenário do setor elétrico até 2040. "Começamos a viver uma transição na matriz de energia elétrica, o custo marginal de expansão hidrelétrica será crescente e a fronteira de expansão, no Cerrado e na Amazônia, trará uma grande sensibilidade ambiental, então deveremos ver uma diversificação maior de fontes", afirma Otavio Mielnik, coordenador do estudo. Com base em três cenários e em diferentes projeções de crescimento da demanda até 2040, a participação das hidrelétricas, hoje em cerca de 80%, poderá cair para 57% a 46% da geração de energia elétrica.
"Energia de usinas eólicas, de biomassa de cana e nucleares deverão ganhar espaço", ressalta. O gás natural poderá ampliar sua presença. Portaria da Agência Nacional do Petróleo (ANP) determina que, a partir de 2015, a queima de gás terá de ser apenas de 3% nos campos de petróleo. Isso se combina ao cenário do pré-sal, em que há gás associado ao óleo. "O gás terá de ser mais usado, mas existem algumas incógnitas, como o custo de transporte e a eventual adoção de novas regras ambientais, já que a emissão de dióxido de carbono poderá ser precificada nas fontes em algum momento do futuro, o que poderá ter impacto", destaca o especialista da FGV Projetos.
Outro desafio será dosar o avanço gradual de cada fonte alternativa na matriz, permitindo que cada uma consiga espaço de forma equilibrada ao longo dos anos. As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), vedetes do setor elétrico no início da década de 2000, agora passam por um momento de entressafra. Os projetos de biomassa de cana também estão com baixa atratividade, enquanto o destaque está com as usinas eólicas. Entre dezembro de 2009 e dezembro de 2011, foram contratados 6.759 MW de capacidade instalada de eólica, que poderá chegar até o fim da década com potência superior a 12 mil MW, o tamanho de Itaipu.
Destravar um ciclo de investimentos no setor sucroalcooleiro, que responde por cerca de 20% da energia nacional principalmente do abastecimento de etanol, é outra questão importante. Estima-se que a demanda pelo combustível poderá saltar dos atuais 22 bilhões de litros 47 a 68 bilhões de litros em 2020. Em 2012, o país registrou um déficit de 4,6 bilhões de litros no etanol hidratado. Esse déficit poderá aumentar quase cinco vezes até o fim da década.

Valor Econômico, 26/07/2013, Especial, p. F1

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