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Funai teme conflito em outra área indígena

FSP, Brasil, p. A7
25 de Abr de 2004

Funai teme conflito em outra área indígena
Ministério de Minas e Energia diz que existem diamantes na reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima

Humberto Medina
Eduardo Scolese
Da sucursal de Brasília

A Funai (Fundação Nacional do Índio) teme que um novo conflito envolvendo índios e garimpeiros ocorra na terra indígena Raposa/ Serra do Sol, em Roraima.
Mapas de recursos minerais do Ministério de Minas e Energia registram ocorrências de diamantes na região. Para a Funai, a informação pode provocar uma corrida de garimpeiros ao Estado, inflando ainda mais o atual foco de tensão na reserva.
A área já é objeto de uma disputa entre índios e agricultores em torno de sua demarcação. Se for homologada de forma contínua, como deseja a Funai, englobará cidades habitadas por brancos. Segundo o Ministério da Justiça, a reserva deve ser homologada nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo de Roraima é contra a medida.
No início do mês, justamente por causa da exploração de diamantes, ao menos 29 garimpeiros foram assassinados por índios na reserva Roosevelt, em Rondônia.
Segundo o Ministério de Minas e Energia, em algumas regiões do país, incluindo Rondônia e Roraima, a ocorrência do mineral coincide parcialmente com as reservas indígenas (veja mapa abaixo).
O registro de ocorrência de diamantes, porém, não significa que haja uma jazida relevante. Indica apenas que já foram encontrados diamantes na região.
Para ter uma noção mais clara do potencial, é preciso fazer um levantamento técnico -uma atribuição do governo federal, por meio do CPRM (Serviço Geológico do Brasil).
Depois deste estudo, começa a fase a qual os técnicos chamam de "pesquisa", feita por empresas interessadas na extração, mediante autorização do governo.
No início dos anos 80, o governo parou de fazer levantamento sistemático do potencial de recursos minerais. Em áreas indígenas, esse levantamento não foi realizado também por outro motivo: proibição "tácita" da Funai. O órgão se defende e diz que permite "estudos científicos" nas áreas, vetando apenas as prospecções.
Isso significa que a discussão sobre a regulamentação da exploração de minérios em terras indígenas está sendo feita "no escuro" -o governo não sabe exatamente qual o potencial de recursos minerais disponíveis.
O Ministério de Minas e Energia é favorável à exploração, desde que os índios tenham participação. Um projeto nesse sentido tramita no Congresso desde 1996.
Apesar da falta de detalhamento sobre o potencial a ser explorado em terras indígenas, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), ligado ao Ministério de Minas e Energia, já registrou vários pedidos para exploração nessas áreas, principalmente na região amazônica.
O governo sabe, apesar da falta de estudos aprofundados, que nas áreas do alto rio Negro há potenciais focos de extração de estanho. Sabe também que em regiões do Amapá e de Roraima há ouro.
Mapeamento
De acordo com o secretário de Minas e Metalurgia do Ministério de Minas e Energia, Giles Carriconde Azevedo, o Brasil tem apenas 10% de sua área mapeada em detalhes. "A pesquisa que o governo fazia, a pesquisa básica, foi realizada até o início dos anos 80. Depois não houve mais recursos."
O dinheiro vinha de um fundo setorial, o FNM (Fundo Nacional de Mineração). Segundo Azevedo, os investimentos anuais em pesquisa chegaram a ser de US$ 55 milhões. Agora são de US$ 3 milhões. Ele afirmou, no entanto, que o governo está retomando os investimentos.
Além das restrições orçamentárias, Azevedo destaca a oposição da Funai. "A CPRM nunca foi [a reservas] porque não se podia entrar. Você não vai fazer um negócio sem a autorização do órgão responsável [Funai]. Não estava na lei, mas havia um entendimento tácito de não fazer."
De acordo com o secretário, desde o ano passado o governo tem conversado com a Funai para mudar esse entendimento. Em 2004, permitiu-se o sobrevôo. "O nosso trabalho era para flexibilizar isso. Não só voar, mas começar a entrar nessas áreas indígenas. Isso está sendo discutido com o Ministério da Justiça, para ser implementado dentro de um programa maior."
Segundo o secretário, aguarda-se "há 16 anos" a regulamentação de um artigo da Constituição que a autorize.
O governo ainda não definiu se irá editar uma medida provisória para regulamentar a exploração de minério em terras indígenas ou se irá propor o andamento do projeto que está parado há oito anos no Congresso.
De acordo com Azevedo, o projeto está "estigmatizado por desconfiança das partes". "Achava-se que o DNPM estava só do lado das empresas", disse.
Na semana passada, por meio do ministro Jorge Armando Felix (Segurança Institucional), o governo sinalizou que pretende regulamentar a exploração de minérios em áreas indígenas.
O interesse é compartilhado pelo Ministério da Justiça, que disse que há estudos conjuntos com a Segurança Institucional para propor a regularização de atividades de mineração nas reservas.
A idéia é sugerir uma forma de extração manual -e não em escala industrial-, sujeita à fiscalização da Polícia Federal, da Funai e dos órgãos ambientais. Não há prazo para uma proposta formal.
Colaborou KENNEDY ALENCAR, da Sucursal de Brasília

Governo quer aliviar pressão de garimpeiros
Da sucursal de Brasília
O governo federal vem tentando, desde abril do ano passado, aliviar a pressão dos garimpeiros sobre as terras indígenas. Como a lavra nas reservas não está regulamentada, o trabalho vem sendo feito de maneira indireta.
Em abril de 2003, o DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), ligado ao Ministério de Minas e Energia, editou uma portaria facilitando a obtenção de outorga para permissão de garimpo.
A emissão desse tipo de autorização vinha sendo postergada. Causa: segundo o Ministério de Minas e Energia, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) só analisava os pedidos de liberação se os garimpeiros tivessem a outorga. De acordo com o DNPM, a outorga só poderia ser analisada depois da liberação do Ibama.
O procedimento foi modificado. Agora o governo pretende liberar o garimpo em áreas concedidas às empresas de mineração, que exploram forma industrial. A idéia é estabelecer um acordo para que as empresas permitam que os garimpeiros lavrem em parte das áreas concedidas a elas.
Imagina-se que, com essas providências, sejam criadas novas oportunidades de trabalho para garimpeiros em lavras situadas fora de reservas indígenas. Ainda que isso ocorra, há no próprio governo autoridades que não crêem na diminuição do interesse pela exploração de riquezas presentes nas terras dos índios.
Na terra indígena Roosevelt, em Rondônia, por exemplo, 29 garimpeiros foram assassinados por índios no início do mês porque procuravam diamantes na reserva.
Em Roraima, na reserva indígena Raposa/Serra do Sol, o Ministério de Minas e Energia tem estudos que indicam a presença de diamantes. (HM E EDS)

SITUAÇÃO ATUAL
Exploração de recursos minerais em terras indígenas está proibida desde 1988, inclusive para os índios.A Constituição prevê que só poderá haver exploração depois que o assunto for regulamentado. Projeto de regulamentação tramita desde 1996

O QUE PREVÊ O PROJETO
? Exploração:
Pode haver exploração de minério nas reservas, desde que os índios sejam ouvidos e participem dos resultados da exploração. 0 garimpo artesanal só poderá ser praticado pelos índios - Depois da autorização, o governo se responsabiliza pela segurança do patrimônio e das equipes de pesquisa
? Autorização:
- Cabe ao Congresso autorizar a exploração
- Os editais para exploração serão elaborados pelo DNPM
(Departamento Nacional de Produção Mineral) e pela Funai
? Participação:
- Índios terão renda pela ocupação do solo (paga anualmente) e pela participação no resultado da lavra - A participação na lavra não pode ser menor do que 2% do faturamento bruto obtido após a última etapa do processo de beneficiamento, antes da transformação industrial do minério - A receita de participação será depositada em caderneta de poupança.A comunidade indígena poderá movimentar livremente os rendimentos
- A movimentação do principal da conta só poderá ser feita se houver projeto específico de interesse da comunidade, com autorização da Funai e do Ministério Público Federal
- Parte do dinheiro da participação -2,5%- será destinada a um fundo para comunidades indígenas carentes
TRÂMITE DO PROJETO
o SENADO
Foi aprovado em 1996
o CÂMARA
Já foi aprovado pela Comissão da Amazônia, Integração Nacional e Desenvolvimento Regional. Está na Comissão de Defesa do Consumidor
o CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) - Caso seja aprovado pela CCJ, não precisa ir ao plenário, a menos que haja algum recurso. Se houver modificações, elas serão votadas no Senado
CRÍTICAS
Governo ainda não sabe se apoiará projeto em tramitação ou se regulamentará o assunto por medida provisória. 0 projeto em tramitação é criticado por indigenistas e ONGs ligadas à questão: dizem que a proposta não prevê garantias à manutenção e conservação do ambiente nem da cultura indígena

FSP, 25/04/2004, Brasil, p. A7

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