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Funai quer 13,5% do território para índios

OESP, Nacional, p. A1, A4
30 de Jan de 2006

Funai quer 13,5% do território para índios
Presidente da instituição planeja cem novas reservas

Em entrevista exclusiva ao Estado, o presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, diz que o objetivo da instituição é ampliar as reservas indígenas para 13,5% do território brasileiro. Hoje elas somam 12,5%. A Funai avalia que levará cinco anos para completar o processo de demarcação." Não será fácil", diz Gomes, que reconhece que, quando assumiu o posto, acreditava que poderia concluir o trabalho durante o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gomes causou uma polêmica na semana passada ao declarar que os indígenas brasileiros teriam "terras demais". Ontem ele afirmou que suas declarações foram mal interpretadas. "O que eu disse é que no Brasil havia muita terra demarcada em comparação ao que fizeram outros países, como Rússia, Canadá ou Estados Unidos."Para que o porcentual passe para 13,5%, cerca de cem novas terras terão de ser demarcadas em todo o Brasil.
"São terras em áreas agrícolas, de gado, e que envolvem interesses particulares", afirmou o presidente da Funai.

Número
510 Reservas Existem atualmente no Brasil, ocupando 12,5% do território (pág. A1)

Funai quer elevar áreas indígenas de 12,5% para 13,5% do território
Oficialização de reservas, no entanto, ainda levará 5 anos para ser concluída, segundo presidente da fundação

Jamil Chade
Correspondente
Genebra

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Gomes, disse, em entrevista exclusiva ao Estado, que a meta do governo é elevar a área das reservas indígenas de 12,5% para 13,5% do território brasileiro. "Não será fácil", afirmou Mércio. Ele reconhece que, quando assumiu o posto, acreditava ser possível concluir o trabalho durante os quatro anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, a avaliação do presidente da Funai é de que a demarcação de terras indígenas ainda levará cinco anos para ser concluída.
Mércio gerou uma polêmica no dia 11 ao declarar que os índios brasileiros teriam terras demais. Ontem, o presidente da Funai explicou que suas declarações foram mal-interpretadas. "O que eu disse é que no Brasil havia muita terra demarcada em comparação ao que fizeram outros países, como Rússia, Canadá ou Estados Unidos", explicou. Segundo ele, os russos sequer iniciaram o processo de demarcação de suas terras, enquanto os canadenses destinam cerca de 8% de seu território para os índios. Já nos Estados Unidos, as terras indígenas representariam menos de 1% do território nacional.
Ele disse que na Colômbia, apesar de 20% do território estar designado como áreas indígenas, a realidade é que muitas dessas terras são controladas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). "Os indígenas não têm um controle como existe no Brasil."
Mesmo com suas explicações, as declarações do presidente da Funai repercutiram entre os ativistas internacionais. Uma das entidades não-governamentais de proteção dos direitos indígenas, a britânica Survival, quer esclarecimentos. "No passado, viu-se a destruição de dezenas de tribos no Brasil, mas as condições melhoraram nas últimas décadas. Com mais de 200 territórios indígenas ainda não reconhecidos pelo governo, é extremamente alarmante escutar que o homem encarregado pelo trabalho pense que já foi feito o suficiente, pois isso não é o caso", disse Stephan Corry, diretor da Survival.
Por ter criticado Mércio por suas declarações, o sertanista Sidney Possuelo foi exonerado do cargo de coordenador-geral dos Índios Isolados no dia 23. "Só posso lamentar que ele tenha entrado em uma campanha errada e que não tenha buscado esclarecimento", afirmou ontem o presidente da Funai.
Lobby
Para que o porcentual de territórios indígenas passe de 12,5% para 13,5%, cerca de 100 novas terras terão de ser demarcadas em todo o País - hoje já são 510. Mas, segundo Mércio, o problema é que as terras que agora são alvos de demarcação apresentam mais dificuldades. "São terras em áreas agrícolas, de gado e que envolvem interesses particulares", afirmou ele, reconhecendo a existência de um forte lobby agrícola que dificulta o processo.
Para este ano, o governo espera demarcar entre 25 e 30 áreas. "Uma delas, no Amazonas, envolve 4 milhões de hectares e deverá ser homologada pelo presidente Lula até o fim do ano", prometeu.
O número, porém, é bem inferior às 80 reservas que os índios demandam. "Vamos estudar esses pedidos também."

Resgate demora, diz Mércio
Para ele, demarcação não significa fim do problema
Jamil Chade
Genebra
"O Brasil ainda precisa de 30 anos para se reconciliar com seu passado no que se refere à questão indígena." A afirmação é do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Mércio Pereira Gomes, que acredita que a completa participação dos povos indígenas na sociedade brasileira ainda vai demorar. Mércio está em Genebra para participar de reuniões promovidas pela Organização das Nações Unidas.
A demarcação de terras, portanto, não significará o fim de todos os problemas. "Precisamos de três décadas ainda para que esses povos sejam auto-suficientes, com uma produção de excedentes e que ao mesmo tempo não gere disparidades entre os membros da comunidade, com índices de saúde equivalentes aos do restante da população, com taxas de mortalidade infantil iguais às do resto da população", afirmou Mércio
Pelas previsões, a população indígena no País deverá ser de um milhão de habitantes em 30 anos. Hoje, são 450 mil, com uma taxa de crescimento de 3,5% ao ano.
"Em 1500, existiam 5 milhões de indígenas no território que hoje é o Brasil. Em 1950, essa população era de apenas 150 mil. Mas nos últimos dez anos voltou a crescer", disse Mércio.
Educação
Segundo o presidente da Funai, alguns progressos foram registrados nos últimos anos na participação dos indígenas na sociedade brasileira, como o aumento do número de indígenas nas universidades.
Em 1997, havia cem índios estudando em faculdades pelo País. Hoje, esse número seria de 2.500.
Mas Mércio reconhece que as intervenções do Estado no que se refere à saúde e à educação dos índios ainda são falhas. "Dos 220 povos indígenas no País, 20 têm uma educação sólida e em cerca de cem deles há um esforço para avançar nisso. Mas o restante ainda não é atendido de forma adequada", disse.
A Funai, porém, culpa Estados e municípios. "Desde que a educação passou a ser de responsabilidade de Estados e municípios, ficou muito mais difícil conseguir que uma pequena cidade contrate professores em quantidade suficiente", disse. Há hoje cerca de 5 mil professores indígenas.

Cimi critica meta do governo
Número não condiz com a realidade, diz padre Paulo
Fausto Macedo
"É fantasia de carnaval", reagiu o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) à declaração do presidente da Funai sobre a cota de 1 ponto porcentual para ampliação das reservas . "Este senhor (Mércio Pereira Gomes) tem problemas com números", disse padre Paulo Suess, ex-secretário-executivo e hoje assessor teológico do Cimi. "Um por cento é um número aleatório, que não condiz nada com a realidade. Se querem aumentar a área, vamos saber primeiro qual o tamanho das áreas do agronegócio e da soja e quem está ganhando território na Amazônia, por exemplo."
Padre Paulo sustenta que o quadro apresentado pela Funai é bem diferente da realidade. "Porque não tem relação com a gravíssima situação de conflitos e com os territórios reivindicados pelos índios. Não está relacionado nem mesmo à própria Constituição. O critério do 1% é até anticonstitucional, é algo tirado estatisticamente sem fundamento, sem obedecer a critérios antropológicos, sociológicos e humanísticos."
O Cimi contesta também os dados da Funai, inclusive sobre a população indígena. "Ele (Mércio) fala em 450 mil índios no Brasil, mas o censo do IBGE aponta 714 mil índios, é este o registro oficial", alerta padre Paulo. Ele anotou ainda que levantamento do Cimi indica a existência de 841 áreas indígenas, enquanto a Funai registra menos. "Fizemos um levantamento amplo, Estado por Estado, área por área", ressalta o dirigente do Cimi.
Segundo padre Paulo, apenas 30% das áreas indígenas têm procedimento concluído, com registro e homologação. "Setenta por cento das reservas sofrem com invasões, são territórios com pendências. A situação é bastante grave, daí os conflitos no Mato Grosso do Sul, onde há superpopulação em área insuficiente. Todas as áreas são muito pequenas e a população está crescendo."
Dados do Cimi mostram que, no ano passado, ocorreram 38 assassinatos de índios, 6 em conflitos diretos com jagunços e com a polícia, outros por choques provocados pela não demarcação das terras. "São áreas que não receberam nenhuma providência oficial, nem sequer tiveram processo de identificação iniciado", protesta padre Paulo. "São índios jogados em áreas informais, não reconhecidas. Falta vontade de demarcar."

OESP, 30/01/2006, Nacional, p. A1, A4

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