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Funai precisa ouvir cientistas e técnicos da área de índios isolados, diz ex-coordenador

G1 - https://g1.globo.com
Autor: Matheus Leitão
14 de Out de 2019

O ex-coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados da Fundação Nacional do Índio (Funai) Bruno Pereira diz que se preocupa cada vez mais com a falta de diálogo no órgão, especialmente no que diz respeito aos povos apartados na região amazônica.

Em entrevista ao blog, Bruno Pereira fez um apelo para que a nova direção da Funai, que tomou posse em julho, escute os técnicos que se especializaram em índios isolados, evitando assim retrocessos numa das áreas mais técnicas do Estado brasileiro.

"Posso falar claramente que há tentativas, sim, de diálogo que são obliterados. Uma direção que não conhece a política de [índios] isolados, as especificidades dela, os detalhes de orçamento, quais são os desafios, não pode avançar", afirma.

Bruno Pereira foi exonerado da coordenação de índios isolados da Funai no início do mês após 14 meses no posto. No início do ano, contudo, chefiou a maior expedição relacionada ao tema dos últimos 20 anos.

O indigenista também defende mais comunicação com a Funai em relação ao projeto de lei preparado no governo para regulamentar o aproveitamento de recursos hídricos, potenciais energéticos e lavra de riquezas minerais em terras indígenas.

"A preocupação é de que sejam escutados os técnicos de índios isolados da Funai. Isso é fundamental, porque ninguém vai consultar índio isolado sobre o que ele acha, se ele quer ou não envolvimento no território dele", afirma.

O especialista em índios isolados lembra que os relatos históricos, os dados científicos coletados por antropólogos, historiadores, geógrafos, mostram que há catástrofe em qualquer empreendimento em território de indígenas sem contato.

Questionado sobre qual a maior preocupação em relação aos índios isolados brasileiros, Bruno Pereira afirma que são os avanços nos territórios desses povos e a diminuição das pesquisas sobre o delicado tema.

"É exatamente o avanço, empreendimentos, discussão fundiária no país em territórios com índios isolados e a paralisação na pesquisa, das expedições de índios isolados que confirmem esses grupos", diz.

O país tem hoje 114 registros de índios isolados, dos quais 28 já estão confirmados e aproximadamente 86 estão sendo investigados.

Na entrevista, Bruno Pereira também respondeu perguntas sobre a sua saída da Funai, a repercussão entre os indigenistas e os relatos de pressão de ruralistas no órgão.

Leia os principais trechos abaixo:

Houve uma reação muito grande de indigenistas após a sua saída da coordenação da área de índios isolados da Funai. Classificaram em carta que "há uma desconstrução da politica brasileira de defesa, promoção e proteção dos direitos" de povos indígenas isolados e de recente contato. Como o senhor vê isso?

Bruno Pereira: Quando se faz um desligamento sem qualquer explicação, sem qualquer alinhamento daquilo que eles [governo] pensam da política de índios isolados, como fortalecer, como superar desafios, qual é o novo direcionamento... isso gera dúvidas e reação. O que é público no alto escalão do governo sobre terra indígena, sobre Amazônia, sobre índio? Com certeza acende a luz amarela em todos indigenistas.

O governo prepara um projeto de lei para regulamentar o aproveitamento de recursos hídricos, potenciais energéticos, pesquisa e lavra das riquezas minerais em terras indígenas. Qual a maior preocupação em relação aos índios isolados?

Bruno Pereira: A preocupação é de que sejam escutados os técnicos de índios isolados da Funai. Isso é fundamental, porque ninguém vai consultar índio isolado sobre o que ele acha, se ele quer ou não envolvimento no território dele. A história, os relatos históricos, os dados científicos coletados pelos antropólogos, historiadores, geógrafos, e tudo mais, deixam muito claro que qualquer empreendimento em território de índio isolado há catástrofe. Eles não vão saber como lidar com isso, não vão ser consultados e você provoca o contato forçado com esses índios e eles podem morrer por uma simples gripe. Os índios isolados podem entrar em confronto com os trabalhadores ou com outros índios que têm interesse comercial naquele pedaço de terra. Então, em área de índios isolados, em locais com indícios da presença de índios isolados, qualquer tipo de empreendimento, seja de grande vulto ou pequeno, não é bem-vindo. O parecer técnico da CGIIRC [setor de índios isolados da Funai] deve ser sempre nesse caminho.

O ex-presidente da Funai general Franklimberg de Freitas afirmou, após ser demitido do governo em junho, que há uma influência dos ruralistas no governo que traz consequências à Funai. Como você avalia essa percepção?

Bruno Pereira: Ele teve acesso ao alto escalão do poder e fala da vinda desse grupo [ruralista] para dentro da Funai. Ou seja, interesses totalmente difusos do que é proteger terra indígena... defender demarcação de terra indígena, defender os interesses dos índios. Todo governo tem essas pressões. Não é à toa que a gente está dentro do ministério da Justiça, que é a parte do governo do Executivo que dialoga com o Judiciário, que protege minorias. Quem vai ter o interesse em defender os indígenas? Então, dentro da carta magna de 88 estão lá essas minorias protegidas por esse motivo. Se for verdade, é um absurdo você colocar esse grupo para comandar os interesses demarcação de terras indígenas e outros temas relacionados ao índio.

Qual a sua maior preocupação em relação aos povos indígenas isolados e de recente contato, diante do quadro atual?

Bruno Pereira: Com certeza o avanço sobre os territórios de índios isolados... confirmados e os não confirmados. Então é exatamente o avanço, empreendimentos, discussão fundiária no país em territórios com índios isolados e a paralisação na pesquisa, das expedições de índios isolados que confirmem esses grupos. O enfraquecimento do departamento de índios isolados, ou da Funai como um todo, pode levar ao desconhecimento desses território. Com isso, não conseguiremos abarcar, proteger esses grupos que são muito frágeis. Basicamente seria isso: um avanço em cima das terras e a impossibilidade da Funai de fazer o trabalho dela. Com recursos menores, recursos humanos poucos, recurso financeiro pouco, legislação que ampare os servidores na segurança. Outra coisa são as bases de índios isolados, as 19 bases na Amazônia, e os oito pontos de apoio. Eles são cruciais, são o último anteparo de grupos invasores frente aos índios isolados. Então, na nossa avaliação, um enfraquecimento da Funai pode levar ao fechamento de bases e a não manutenção e o funcionamento pleno delas. Outro grande risco que correm os índios isolados

Há relatos de falta de diálogo interno na Funai. Como o senhor avalia isso?

Bruno Pereira: Posso falar claramente que há tentativas sim de diálogo que são obliterados. Uma direção que não conhece a política de isolados, as especificidades dela, os detalhes de orçamento, quais são os desafios, não pode avançar. Não há o sentar para se apropriar dos dados de isolados e dos desafios. Não existe e não existiu ainda na atual gestão [que tomou posse em Julho]. Em nenhum momento a gente foi chamado pra dialogar sobre a política de isolados, se o orçamento é suficiente, onde estão os maiores desafios, onde tem servidor ameaçado de morte, se o porte de arma é ou não estruturante, como vemos o funcionamento do poder de polícia para os servidores que atuam em campo, se a criação dos núcleos administrativos funcionariam em nossas unidades. Não tem! Como se constrói o registro de um índio isolado? O que é uma expedição de índios isolados, que metodologia é essa, como ela foi construída? Não houve em nenhum momento. Então você é surpreendido com a exoneração a toque caixa. Por isso que deu essa reação. A gente espera que haja mudança, que haja o diálogo.

https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2019/10/14/funai…

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