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FUNAI NA BERLINDA

A Folha de Boa Vista-Boa Vista-RR
21 de Jul de 2001

Servidores podem ser acusados de co-réus no caso de estupro

O caso do estupro de uma criança indígena de dois anos de idade, praticado pelo tio, ganha novos contornos. Embora ninguém tenha aceito se expor publicamente, conhecedores da cultura yanomami dizem que o acusado pelo crime, Antônio Yanomami, poderá receber pena cruel, que vai da castração à execução. Para o juiz federal Helder Girão Barreto, se isto acontecer, quem autorizou a remoção pode ser acusado de co-partícipe ou co-réu. Além da brutalidade, o crime chamou a atenção após as notícias de que, conforme a cultura yanomami, o índio acusado poderia ser morto em sua comunidade. A partir daí, surgiu o questionamento sobre quem deveria assegurar os direitos e garantias da pessoa humana do acusado.É que além de não levar ao conhecimento das autoridades policiais para apuração do caso, servidores da Funai ou da CCPY (Comissão Pró-Yanomami), sabendo da prática cultural, removeram o acusado para sua comunidade. "Se quem mandou o indivíduo para a comunidade sabia desta pena, em tese, esta pessoa pode ser acusada de co-partícipe ou co-réu, num eventual crime praticado contra este índio na sua comunidade", declarou Helder Girão. Disse que para preservar os direitos humanos do acusado, o crime deve ser apurado e as autoridades devem cumprir a determinação constitucional de assegurar a integridade física e moral de qualquer detento, seja na cadeia, seja na penitenciária.Quanto à competência para apuração do caso, o juiz afirmou que a Justiça Federal não apura crimes só porque se tratam de índios. De acordo com ele, a competência não está relacionada à pessoa, mas em razão da matéria "direitos indígenas". Para definir se um crime é ou não é da competência da Justiça Federal, deve-se pesquisar a causa. "Se a causa for direitos indígenas, a competência é da Justiça Federal. Se a causa não for direitos indígenas, a competência não é da Justiça Federal. Por exemplo, um crime de lesão corporal recíproca entre um casal de indígenas. Esse é um crime comum, da Justiça Estadual, porque não há causa de direitos indígenas. Neste caso do estupro, um índio movido por uma reação impensada ou bestial estuprou uma criança. Ele agiu por uma motivação torpe, não há causa de direitos indígenas", explicou Girão Barreto. CULTURA - O Estatuto do Índio prevê que indígenas podem ser punidos de acordo com a sua cultura. Mas, o juiz federal informa que este dispositivo de Lei Ordinária Federal deve ser entendido de acordo com a Constituição Federal e os princípios que ela propõe. E a Constituição Federal não admite que alguma raça ou etnia aplique a pena de morte ou pena de lesão corporal grave.Questionado sobre o acatamento da pena aplicada pela comunidade indígena durante o júri que presidiu, Helder Barreto disse que neste caso, os sete jurados, representantes da sociedade roraimense, aceitaram a punição de ostracismo. O réu foi excluído da comunidade e do convívio com a sua família durante 14 anos. "Os jurados entenderam que aquela punição tinha sido suficiente. Segundo o próprio ordenamento jurídico, este tipo de punição é aceitável". Secretário diz que Civil não foi comunicada do estuproO secretário de Segurança Pública de Roraima, João Batista Campelo, disse não ter nenhuma informação de que a Polícia Civil tivesse registrado ocorrência ou recebido qualquer comunicado por parte da Fundação Nacional do Índio sobre este crime. Por ouvir dizer, teria sabido que o estupro ocorrera na Casa do Índio, pela qual a Funai é responsável da manutenção. "Sendo ela a responsável pela instituição, deveria ter comunicado o crime. Se achasse que deveria ser apurado pela Polícia Federal, encaminhado o fato in continenti. Não sei se o fez, me parece que não. No meu entender, o delito é daqueles que exigem apuração pela Polícia Judiciária Civil", disse o secretário. Quanto à preservação da integridade do índio, o secretário informou que a Funai é órgão tutelar e tem a obrigação de fazer as comunicações e procurar evitar acontecimento desta natureza. "Evitar que venha a ocorrer uma crime de natureza grave contra o acusado pelo estupro, acho que a Funai deveria tomar providência imediata. Se isto vier a acontecer, até do ponto de vista político a Funai ficará em situação crítica, porque em vez de evitar, se omitiu", afirmou. Mesmo sabendo da notícia, Campelo disse que a Polícia Civil não iria intimar os representantes da Funai para apresentarem o índio. "A Funai, através de seus dirigentes, não pode, em hipótese alguma, alegar desconhecimento da lei. Como é um fato que possivelmente pode ocorrer no interior de uma reserva, sob tutela da Funai e da Polícia Federal, eles é que devem correr atrás para que isto não aconteça". Federal apura responsabilidadesNa Polícia Federal, o delegado André Luiz, presidente do inquérito que apura o caso, informou que o estupro da menor foi notificado através de ofício pelo Conselho Tutelar do Município, no final da tarde de quarta-feira, três dias depois do crime. Por isso, agora está apurando o porquê da omissão. "Se a Funai é o órgão tutor, se existem médicos, uma Ong responsável pelo atendimento de saúde, além da Fundação Nacional de Saúde, como isso tudo aconteceu? Quem tomou conhecimento? Quem levou o índio de volta para a reserva e sob orientação de quem, sem que houvesse uma providência legal?" Diante da possibilidade do índio acusado receber uma pena cruel em sua comunidade, ferindo aspectos dos direitos e garantias da pessoa humana, o delegado reforçou que a Constituição Federal proíbe a pena de morte em qualquer circunstância, exceto em tempos de guerra. "Além disso, o Estatuto do Índio também proíbe as penas cruéis, sejam quais forem". André Luiz disse que na tentativa de dar seguimento ao inquérito solicitou uma aeronave da Funai para ir até a aldeia ouvir o índio, saber quem ele é. "Estamos na dependência desta aeronave, e hoje (ontem) voltamos a provocar a Funai e ela disse que o avião estaria em manutenção". Estupro surpreendeu antropólogo da UFRRA menina L.Y. foi estuprada na noite de domingo, por seu tio, Antônio Yanomami, no interior da Casa do Índio. Ele cuidava da criança de dois anos enquanto a mãe dela acompanhava outro filho, internado no Hospital Santo Antônio. O ato selvagem resultou no rompimento do órgão genital da menina. Doutor em Antropologia, o professor da Universidade Federal de Roraima Carlos Cirino não é especialista na cultura yanomami. Com publicações sobre a etnia wapixana, disse que o único trabalho que tem sobre os yanomami refere-se ao tratamento dado às mulheres. Conforme ele, as mulheres yanomami são maltratadas e castigadas violentamente, às vezes até mortas, quando praticam adultério. O estupro, especialmente entre parentes, é um fenômeno novo. "Pode ser resultado dos contatos com a sociedade não-índia", comentou. Como não há relatos sobre a freqüência de estupros, desconhece que no código de convivência da tribo exista previsão de penalidades para este tipo de crime. "Este caso merece um estudo mais aprofundado", declarou Carlos Cirino.FUNAI - Na Fundação Nacional do Índio, ninguém quis falar por que o índio foi removido sem que providências legais fossem adotadas. O máximo que a Folha conseguiu ouvir foi que somente o administrador regional poderia se pronunciar e que ele estava viajando.

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