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Funai divulga fotos de índios isolados que vivem no AC

FSP, Brasil, p. A10
30 de Mai de 2008

Funai divulga fotos de índios isolados que vivem no AC
Grupo é monitorado há 20 anos, mas sertanistas não conhecem a sua etnia
Órgão exibe imagens para mostrar a importância da preservação cultural desses povos e da manutenção de seus territórios de origem

Lucas Ferraz
Da sucursal de Brasília

A Funai (Fundação Nacional do Índio) divulgou pela primeira vez fotos de um grupo de índios isolados que vivem no Acre, próximo da fronteira com o Peru. Apesar de monitorá-los há 20 anos, não existe estudo antropológico nem detalhes sobre a etnia do grupo.
"Não sei quem eles são, não quero saber e tenho raiva de quem sabe", disse à Folha José Carlos Meirelles, sertanista da Funai e responsável pela coordenação da Frente Ambiental de Proteção Etno-Ambiental do rio Envira. Ele participou do sobrevôo realizado entre o final de abril e o início deste mês, quando foram feitas as fotos.
De acordo com Meirelles, os índios fotografados vivem em malocas, são sedentários e cultivam em suas roças produtos como mandioca, banana e batata. Indagado se são violentos, ele foi curto: "Eles não vão a Brasília atacar ninguém. Mas claro que eles são violentos contra os homens brancos que invadem a terra deles. Se entrar lá, eles matam".
Suspeita-se que eles sejam das etnias tano ou aruak, presentes na região e que integram o mesmo "tronco lingüístico" indígena, como conta Elias Biggio, coordenador-geral de índios isolados da Funai. A Funai tirou mais de mil fotos. Meirelles decidiu repassar o material fotográfico ao jornalista Altino Machado, que publicou três fotos no site "Terra Magazine". A idéia era sensibilizar o governo do Acre, que prometeu instalar um posto de vigilância na área, que virou alvo do garimpo ilegal.
O grupo fotografado vive na região que também agrupa outros três, numa área de 630 mil hectares onde estão três reservas indígenas: Kampa Isolados do Envira, Alto Tarauacá e Riozinho do Alto Envira. Dos quatro grupos, só um é nômade.
Segundo a Funai, há no Brasil indícios de 68 grupos indígenas isolados, espalhados na Amazônia Legal nos Estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Roraima, Rondônia e Maranhão -há um em Goiás. Oficialmente, 24 grupos já foram confirmados.
A divulgação das fotos ocorre em momento de debate da questão indígena, quando ocorrem conflitos por várias regiões do país. Segundo a Funai, a idéia é mostrar à sociedade a importância cultural desses povos viverem de acordo com sua cultura e dentro dos territórios de origem.

Tiro
Meirelles, que trabalha há quase 40 anos na Funai e se tornou o maior defensor dos índios isolados na fronteira Brasil-Peru, matou um índio no final dos anos 80. Em entrevista ao "Terra Magazine", ele admitiu que nunca superou o episódio, que classificou como "acidente de percurso".
Eram índios Masko, um povo nômade que vive nas cabeceiras dos rios Purus, Envira e Juruá. "Você imagina o que é ser cercado por um monte de índios? Sobrevivi com uma certa dose de consciência, pois, se fosse uma pessoa qualquer, na situação que eu estava, poderia ter matado um monte de índios. Eu estava armado e apenas um morreu", contou.
Colaborou Claudio Dantas Sequeira, da Reportagem Local

Sertanista diz que órgão sabe de outras tribos não contatadas

Claudio Dantas Sequeira
Da reportagem local

Fundador do Departamento de Índios Isolados da Funai, o sertanista Sydney Possuelo, 67, disse à Folha que a região da divisa do Acre com o Peru é conhecida por concentrar várias tribos isoladas.
"Essas fotos vêm demonstrar o que falamos há muito tempo. Há mais de 22 pontos com índios isolados na área de fronteira. Mas todos os órgãos, políticos, fazendeiros e até antropólogos dizem que é fantasia", afirmou.
Possuelo explicou que a Funai faz sobrevôos na região há duas décadas e vem descobrindo vários grupos. "Por isso essas terras são demarcadas", comentou o sertanista, defensor da idéia de se evitar ao máximo o contato com os índios.
"Durante os anos 70 e 80, fiz contato com uns sete grupos. Durante esse trabalho, percebi que não deveríamos tentar contato, mas apenas protegê-los do assédio externo", lembrou o sertanista.
A Funai hoje atua apenas na identificação das tribos isoladas, dimensiona seus territórios e os monitora com equipes de proteção etnoambiental. Possuelo capitaneou a expedição que fez contato com os korubo, no Vale do Javari (AM), em 1996 -o último contato oficial com uma tribo isolada.
O antropólogo Gersem Luciano Baniwa, índio da etnia baniwa, disse que a divulgação das fotos dos índios isolados serve à reflexão sobre a atual política indigenista. "É preciso que a sociedade discuta se adotará uma política de preservação desses grupos ou de seu extermínio. É uma responsabilidade moral e política", avaliou.
O especialista duvida, no entanto, que ainda existam índios isolados de qualquer contato com a civilização. "É uma possibilidade reduzida em termos de outras línguas e outros povos. Podem ser pequenos grupos desgarrados, que fugiram por causa de perseguição ou violência", disse.
Segundo Gersem Baniwa, há muitas vezes contatos indiretos, através de outras tribos, com as quais eles obtêm alguns suprimentos, como fósforos. Geralmente são nômades. "Em São Gabriel [AM], os índios nos contam que já viram outros grupos e famílias pequenas que fugiram", afirmou.

FSP, 30/05/2008, Brasil, p. A10

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