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Funai descentralizada, índios na aldeia. Será?

Agenda n. 1, jun., 1986, p. 14-18
30 de Jun de 2011

Funai descentralizada, índios na aldeia. Será?
Idéia é ampliar ação do órgão no interior, afastando os indígenas de Brasília. Mas as dúvidas são muitas: entre elas, o medo de ficarem as tribos à mercê da corrupção

Após enfrentar crises sucessivas dentro de um verdadeiro caos administrativo, marcado pela falta crônica de re-cursos, denúncias de corrupção, desentendimentos entre as várias correntes do indigenismo e a constante invasão de índios na sua sede em Brasília, a Funai passa agora por um processo de descentralização.
Essa reestruturação foi a condição apresentada pelo sertanista Apoena Meirelles quando aceitou, em outubro passado, o convite feito pelo ministro do Interior, Ronaldo Costa Couto, para presidir a Fundação. Mas Apoena não chegou a acompanhar o processo de descentralização. Alegando morosidade no ritmo de implantação do programa e falta de apoio do Ministério da Administração para resolver a situação dos funcionários que serão atingidos pela reestruturação, Apoena, no dia 17 de abril, pediu demissão do cargo. Costa Couto fez um apelo para que ele permanecesse por mais trinta dias, pelo menos, mas, no dia 2 de maio, Apoena recebeu um telefonema da chefia do gabinete do Ministério comunicando sua exoneração e a nomeação do sexto presidente da Funai no governo Sarney, o economista Romero Jucá Filho, 31 anos, que dirigia o Projeto Rondou.
Apoena, que conseguiu permanecer na Funai durante sete meses, um recorde no atual governo, ficou magoado com a atitude precipitada do ministro. Além da morosidade alegada pelo sertanista - "o Ministério anda a 20 por hora, enquanto eu, a 200" -, pesaram, ainda, no seu afastamento divergências entre ele e Costa Couto na es¬colha dos superintendentes regionais e do coordenador de assuntos fundiários, que integrarão a nova estrutura administrativa da Fundação.
O anúncio da descentralização, que prevê a criação de seis superintendências regionais em pontos estratégicos do pais, para que o índio seja atendido próximo de sua aldeia, tem levantado muita polêmica.
Descentralizar poderá significar a estadualização da Funai, com a transferência gradativa da tutela hoje exercida pela União aos governos estaduais? Esta é a grande preocupação já manifestada por algumas entidades de apoio ao índio, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e alguns lideres indígenas, como o assessor especial para assuntos indígenas do Ministério da Cultura, Marcos Terena. O raciocínio é lógico: deixando a resolução de problemas básicos das comunidades indígenas - caso da terra, por exemplo - nas mãos de funcionários da Funai, fica fortalecida a posição de fazendeiros e políticos. Fica fortalecida, também, uma de suas armas preferidas contra os índios: a corrupção.
Falta de iniciativa - Desde a sua criação, no começo da década passada, a Funai, que substituiu o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), vinha enfrentando crises sucessivas que acabaram por desgastar a sua imagem de órgão responsável pela tutela dos índios que vivem hoje no Brasil - cerca de 220 mil -, nos mais diversificados graus de aculturação.
Especialmente a partir da década de 70, com a construção de dezenas de rodovias e estradas que cortaram as áreas indígenas, algumas das quais ainda sem qualquer contato com a civilização, a Funai foi acumulando uma série de dificuldades para atender às comunidades indígenas. Para a Fundação foram designadas pessoas sem tradição no trato com o índio, ao mesmo tempo em que os seus programas sempre acabavam se chocando com as diretrizes dos órgãos de desenvolvimento, inclusive do próprio Ministério do Interior, como a Sudam e a Sudeco, empenhadas na ocupação das novas fronteiras agrícolas que surgiam.
Muitas tribos reagiram a esta situação, enquanto outras quase foram dizimadas, como é o caso dos índios parakanãs, que vivem na rota da rodovia Transamazônica. Ao mesmo tempo, desencadeou-se um processo de reação de indigenistas e antropólogos, com a conseqüente criação de entidades de apoio ao índio. Em meio às pressões de índios, indigenistas, empresários e órgãos de governo, e sem o apoio governamental necessário, a Fundação foi se transformando num órgão inviável. Nos seis anos do governo Figueiredo desfilaram pela sua presidência seis dirigentes, que sempre acabavam demitidos ou desistindo espontaneamente da função.

Agenda n. 1, jun., 1986, p. 14-18

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