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Fumaca de queimadas reduz chuvas na Amazonia

OESP, Geral, p. A8
27 de Fev de 2004

Fumaça de queimadas reduz chuvas na Amazônia
Pesquisa publicada na 'Science' revela que círculo vicioso afeta precipitações e favorece novos incêndios

HERTON ESCOBAR

Onde há fumaça, há fogo. Isso, todo mundo sabe. Quando se trata da Amazônia, entretanto, o ditado tem um complicador a mais: onde há fumaça, há fogo e também não chove. Dessa forma, cria-se um círculo vicioso, no qual as queimadas reduzem a formação de chuvas sobre a floresta e favorecem a ocorrência de novos incêndios. A conclusão é de pesquisadores do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, projeto internacional conhecido pela sigla LBA.
Quando a vegetação é queimada, explicam os cientistas, são liberadas grandes quantidades de fumaça rica em material orgânico particulado, que atua como um aerossol. Essas partículas se unem ao vapor d'água na atmosfera e formam grandes núcleos de condensação de nuvens. Mais nuvens, normalmente, significaria mais chuvas. Mas não nesse caso. A concentração de partículas de aerossóis é tão grande que as gotículas de nuvens nunca ficam grandes o suficiente para chover.
"Conseqüentemente, há uma perda líquida de água no ecossistema amazônico. E sem água, não acontece nada", diz o físico Paulo Artaxo, um dos cinco brasileiros que assinam o trabalho na revista Science. Os núcleos de condensação de nuvens, que normalmente teriam cerca de 300 partículas por centímetro cúbico, podem acumular até 10 mil partículas por centímetro cúbico, dependendo da extensão do fogo. "As gotículas ficam em suspensão, mas não chove, porque são muito pequenas", explica Artaxo, da Universidade de São Paulo.
O resultado, segundo ele, pode ser uma extensão de uma a duas semanas na estação de seca na Amazônia. A pesquisa foi realizada com dois aviões no Acre e em Rondônia, em outubro de 2002. Normalmente, explica Artaxo, a mata é derrubada entre maio e junho e deixada para secar durante três meses, para ser queimada em setembro. "Depois que começa a chover, ninguém consegue queimar mais nada", diz o pesquisador, que também coordena o Instituto do Milênio do LBA, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). A redução da precipitação, portanto, aumenta a janela para realização de queimadas.
Só em 2002, o fogo foi usado para desmatar cerca de 25 mil quilômetros quadrados na Amazônia, principalmente para abertura de pastagens. Somadas as queimadas para limpeza de áreas já degradadas, a quantidade de aerossóis jogada na atmosfera é imensa. E o impacto sobre o ciclo hidrológico pode ser igualmente significativo.
Aquecimento - A fumaça das queimadas forma nuvens carregadas, mas incapazes de produzir chuva. O grande problema, explica Artaxo, é que essas nuvens "roubam" as moléculas de vapor d'água na atmosfera que estariam disponíveis para a formação de nuvens naturais. Para piorar as coisas, a fumaça contém grandes quantidades de carbono grafítico, o mesmo da fuligem produzida por motores a diesel. Essas partículas absorvem a luz solar e aquecem a nuvem, favorecendo a evaporação das gotículas de água.
Há também casos em que a nuvem de fumaça, por conter partículas menores e ficar por mais tempo em suspensão, é lançada a altitudes elevadas, o que favorece ainda mais a evaporação e pode afetar o clima em escala global.
Além disso, a maior cobertura de nuvens reduz a quantidade de radiação solar que chega às plantas para a fotossíntese, o que também reduz a umidade do sistema.
"O que temos, portanto, é um ciclo vicioso, em que a eficiência hidrodinâmica da Amazônia é severamente comprometida", conclui Artaxo, que na semana passada publicou outro estudo, também na Science, desvendando o processo natural de formação de chuvas na Amazônia. Coordenado por Meirat Andreae, do Instituto Max Planck, da Alemanha, o trabalho teve participação também de cientistas da Universidade Hebraica de Jerusalém, Universidade Estadual do Ceará e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

OESP, 27/02/2004, Geral, p. A8

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