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Fruticultura de exportacao tem de ser ecologica: novas exigencias europeias e nos EUA levam setor a alterar sistema de producao

OESP, Agricola, p.G6-G7
10 de Dez de 2003

Fruticultura de exportação tem de ser ecológica Novas exigências européias e nos EUA levam setor a alterar sistema de produção
SILVANA GUAIUME
O produtor de abacaxi pérola Washington Dias, do Tocantins, teve que rever suas práticas agrícolas para se adequar às exigências de uma rede de supermercados multinacional e assim ganhar mais espaço nas bancadas das lojas do Brasil, de Portugal e da Espanha. Há três anos, cumpriu as exigências para obter o certificado de garantia de origem e vende quase toda a sua produção, de 1.600 toneladas por ano, para a rede de supermercados.
O que para Dias representou investimento para a maioria dos produtores, porém, ainda é visto como custo. Quem quiser continuar a exportar para a Europa, entretanto, terá até dezembro do ano que vem para se adaptar às normas do Eurep-gap, conjunto de exigências de boas práticas agrícolas de varejistas europeus - que abordam não apenas a produção das frutas em si, mas também bons critérios ambientais, levando em conta, entre outros itens, respeito a leis trabalhistas e à qualidade de vida dos empregados. Quem não se integrar ao projeto ficará fora desse mercado.
A Europa é o principal destino da fruticultura nacional no exterior. De acordo com o Instituto Brasileiro de Frutas (Ibraf), os europeus compram 64% do que os fruticultores exportam, seguidos do Mercosul, 21%, e dos Estados Unidos, 6%. No ano passado, foram vendidas no mercado internacional 670 mil toneladas de frutas, cerca de 1,75% da produção brasileira, de 38,1 milhões de toneladas.
Adaptação necessária - A expectativa para este ano é de aumento de 13% na produção, para 43 milhões de toneladas, e de 30% na exportação, em volume. Para continuar disputando esse mercado, entretanto, os produtores brasileiros terão que ceder às exigências internacionais.
"A agricultura sustentável, que não agride o meio ambiente, a saúde pública e a do trabalhador, é uma tendência irreversível. Quem não se adaptar estará fora", diz o técnico em Pós-Colheita do Centro de Tecnologia de Hortifrutícolas do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, José Maria Monteiro Sigrist.
Sigrist reconheceu, porém, que o tempo é escasso e os exportadores nacionais terão dificuldades de mudar seus conceitos de produção e colheita até o fim do ano que vem. "Todo mundo está esperando maior flexibilidade e que o prazo seja estendido para além do início de 2005", explicou o técnico. Caso isso não ocorra, as exportações de fruticultores brasileiros serão prejudicadas.
Os mais resistentes são os próprios produtores. "É uma questão cultural. Eles vêem gasto no lugar de investimento", comentou o engenheiro agrônomo e consultor de duas empresas exportadoras Luiz Eduardo Gil de Almeida. Sigrist indicou que um dos caminhos é os produtores se organizarem em associações ou cooperativas para facilitar os procedimentos.
Individualismo - "Em geral, entretanto, os agricultores são individualistas, escondem o que fazem dos vizinhos", diz o técnico. Segundo ele, esse é outro aspecto cultural que precisa ser mudado. Sigrist acrescenta que 30% da produção brasileira de frutas é exportável, mas para buscar esse mercado os agricultores precisam garantir a segurança de seus produtos.
Foi o que fez o produtor de abacaxi do Tocantins. Dias adotou medidas como registrar e treinar funcionários, reduzir impactos ambientais, destinar corretamente embalagens de agrotóxicos, usar apenas produtos autorizados na lavoura e conservar adequadamente o solo.
Ao fazê-lo e permitir a rastreabilidade de suas frutas, Dias ficou mais próximo da tendência do mercado, a agricultura socialmente correta, e de contratos de exportação. Levou cerca de dois anos para adaptar sua cultura. Mas listou benefícios, como qualidade da produção, segurança alimentar, garantia de comercialização e profissionalização da atividade.
Sem nenhum processo - "Não enfrento processos por falta de registro ou por contaminação de funcionários. E ainda tive abertas as portas do mercado internacional", diz o produtor. Para Almeida, Dias é exceção. "Na maioria dos casos, os produtores são capazes de abrir mão do mercado internacional para não fazer mudanças em suas plantações", disse.
Mas o debate não é tão simples. A questão dos padrões de qualidade de frutas para exportação foi abordada na semana passada, no Seminário Comércio Internacional de Frutas, no Ital. Cerca de 140 produtores e 10 palestrantes discutiram o tema.
Não se trata apenas de mercado externo. O Brasil também está se articulando, pensando no mercado interno, por meio do Programa Integrado de Frutas (PIF), para estimular a agricultura sustentável, menos nociva ao ambiente e à saúde pública. O PIF é um conjunto de normas até mais rigoroso que o Eurep-gap. Exige até que os procedimentos de cultivo sejam detalhadamente descritos em cadernos de controle. Assim como o certificado europeu, a adesão também é voluntária. Mas, como afirmou Sigrist, não há como fugir dessa tendência.
"Os consumidores estarão atentos ao que tem controle e ao que não tem", resume. Na produção convencional, não há lei específica, nem regras para o uso de agroquímicos. Muitas vezes os defensivos são utilizados no pós-colheita e não há controle do preparo do solo. Tudo muda na produção integrada, do manejo do solo ao monitoramento de pragas e doenças para a racionalização do uso de agrotóxicos.

Programa obriga produtor a ter respeito ambiental O selo do PIF é dado a quem segue rigorosas regras de produção e manuseio das frutas
O PIF propõe o emprego de métodos ecologicamente seguros para reduzir os efeitos danosos do cultivo, preservar o meio-ambiente e a saúde. O selo é concedido ao agricultor que respeitar as normas, com garantia do Ministério da Agricultura e do Inmetro. Para assegurar bons resultados, o programa busca harmonizar a cultura com o ambiente em que ela está.
Atualmente, apenas a maçã e o melão dispõem do selo. Os produtores de maçã do Sul do País levaram quatro anos para se adaptar ao programa. Mas ele começa a produzir bons resultados. No ano passado, a primeira safra certificada atingiu 8.600 dos 24 mil hectares de maçã plantados no Brasil. Este ano, o PIF foi estendido a 14 mil hectares, mais da metade da área plantada.
Mais verbas - O PIF do melão foi oficializado na semana passada pelo Ministério da Agricultura. No total, 27 frutas deverão integrar o programa, sendo 8 em São Paulo: goiaba, caqui, banana, manga, uva, lima ácida (limão taiti), figo e maracujá. O Ministério da Agricultura informou que irá destinar, em 2004, R$ 3,6 milhões para o PIF, o dobro deste ano. A organização dos agricultores é apontada como fundamental para facilitar o acesso aos certificados e o cumprimento das normas, como a instalação de um galpão de embalagens, o packing house, com padrões seguros de higiene, conforme exigem o Eurep-gap e o PIF. Sigrist, do Ital, lembra de um caso recente de manga brasileira contaminada com salmomela exportada para os Estados Unidos.
Embora o galpão de embalagens da empresa exportadora estivesse dentro dos padrões exigidos, a manga foi contaminada pela água, que não era tratada. "O controle precisa ser rigoroso", apontou o técnico. A associação de vários produtores é uma alternativa para baratear custos e assegurar qualidade.
Capacitação - O produtor Cláudio Shoiti Ito, diretor da Associação Paulista de Produtores de Caqui, que abrange 7 cidades e 58 agricultores, comentou que o grupo já recebeu notificação de que terá que aderir ao Eurep-gap para continuar exportando, mas precisa de capacitação para aplicar as regras e financiamentos para investir. Das 600 toneladas que a associação colheu este ano, 120 foram enviadas para a Europa e Canadá. O mercado interessa aos produtores. Mas Ito alegou que eles não terão como se adaptar às normas européias em um ano. O mesmo ocorre com a goiaba de mesa.
A Associação de Produtores de Goiaba de Campinas e Valinhos (SP) , formada por 350 microprodutores, exporta 5% das 13 mil toneladas de frutas que produz por ano. Mas o produtor e um dos integrantes do grupo, Luiz Yoshio Kumagai, também não acredita que a cultura seja alterada até o fim de 2004.
"Além da resistência do produtor há falta de recursos", diz. Ele comentou que a região continua desenvolvendo o PIF da goiaba, mesmo sem receber verbas públicas há cinco meses. Uma das sugestões dos participantes do seminário no Ital é a de que o governo estadual crie linhas de crédito específicas para o Programa.
Bioterrorismo - Além das adequações da agricultura socialmente correta, os produtores que exportam para os Estados Unidos também terão que estar aptos para enfrentar a nova lei contra bioterrorismo, em vigor a partir desta semana. Eles comentam, porém, que se trata mais de burocracia. "É mais uma barreira de importação", disse Sigrist. Segundo o técnico, a lei exige que os produtores sejam cadastrados e tenham um representante em território norte-americano, o que geralmente já ocorre, na figura do importador. Ele acrescentou, também, que atualmente apenas 5% das exportações de frutas do País têm como destino os Estados Unidos.

Há falta de agroquímico próprio para cada cultura
Resistência, cultura e falta de recursos à parte, um problema ainda mais complicado impede os produtores de se adequarem às normas de cultivo sustentável de frutas. Para quase todas elas, não há uma grade de agroquímicos adequada aprovada pelos Ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente, como exige a lei.
O produtor Luiz Yoshio Kumagai comentou que há nove tipos de praga que atacam a goiaba, para as quais não existe nenhum defensivo aprovado no País.
O resultado é que os produtores acabam utilizando irregularmente agrotóxicos que deram certo em outra cultura.
Nenhuma irregularidade é admitida no Programa Integrado de Frutas (PIF), o que coloca produtores em um impasse. A autorização deve ser solicitada por empresas fabricantes dos agroquímicos. Mas os custos dos testes são altos e elas escolhem disputar mercados de grandes produções, como o de grãos, no lugar de investir em culturas que darão menor retorno, como as frutas.
De acordo com o técnico em Pós-Colheita do Centro de Tecnologia de Hortifrutícolas do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, José Maria Monteiro Sigrist, apenas os citros e a maçã têm uma grade relativamente folgada de agroquímicos.
Sem registro[/INTERTITULO] - "Das outras frutas, quase 100% dos agroquímicos não têm registro. É preciso primeiro resolver essa questão", afirmou Sigrist. Sem produtos autorizados, não há como fazer o manejo controlado. Para atrair as empresas, os produtores sugerem mudanças na legislação, entre elas permitir registro único para grupos de frutas, como pêssego, ameixa e nectarina.
"A lei é muito antiga e transforma o País em um lixo químico", afirmou o engenheiro agrônomo e consultor de exportação Luiz Eduardo Gil de Almeida.
Ele sugeriu ainda que o custo das análises sejam revistos para que elas sejam atraentes aos fabricantes.

OESP, 10/12/2003, p. G6-G7

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